HUMOR LUSITANO
O humor é uma das manifestações mais caras à intervenção política de
um povo, especialmente em períodos de crise e/ou falta de liberdade. É uma
espécie de vacina contra as dificuldades, contra o medo. Porque o medo é uma
das mais poderosas armas políticas. Nas ditaduras, mas também em democracias em
crise, como que a prepararem o salto para uma imagem mais musculada… Para ditaduras, como foi a nossa de 1926 a 1974, ou para
democracias cada vez mais envergonhadas – ou desavergonhadas? – como esta se
está a tornar. Com ajuda exterior, é verdade, mas sem desculpas que lhe valham.
Bocage aparece como um dos protagonistas – reais ou imaginários – de
um humor político-social mas, principalmente, brejeiro e escatológico muito
corrosivo, muito português. Não havia, no tempo de Bocage, uma ditadura no
sentido actual, mas Pina Manique era o símbolo da repressão absolutista das
ideias, das Luzes que então brilhavam
sobre a Europa.
O fascismo salazarista mais incentivou essa vocação tão lusitana de
contar piadas, e as anedotas do ditador de Santa Comba, algumas protagonizadas também
pelo falecidíssimo Bocage, foram uma explosão de criatividade ímpar.
Mas a democracia pós-Troika – permitam-me que assim caracterize esta
tão… surpreendente democracia –
arrisca-se a bater todos os recordes no domínio da caricatura, pois nunca se
viu uma tão coesa associação de cérebros
– passe a expressão – de tal forma insensíveis ao destino do seu país e do seu
povo, como estes ministros, do Primeiro ao último. E pairando nas alturas, o
mais alto magistrado, a aproveitar feriados e efemérides para recomendar,
sempre e sempre, concertação, consenso, concertação, consenso, belas ideias num
momento em que nada as faz prever…
A única coisa que parece
interessar a estas benditas mentes é estar nas boas graças dos autoproclamados
senhores da Europa e dessas entidades, tão abstractas na denominação como
concretas nos malefícios, que são os famigerados mercados!
Sobre tais senhores – uns e o outro – quaisquer anedotas não passarão
de simples redundância, pois visitar hospitais a prometer um bom ano para a
saúde e a salvação do Serviço Nacional de Saúde, quando na verdade o fecha à maioria
da população, como se esta tivesse meios para procurar no Privado aquilo que o
Estado lhe recusa, só pode ser uma piada de mau gosto. Ou esperar um futuro
ressurgimento económico depois de provocar a destruição da indústria e da
agricultura, o desemprego de camadas cada vez maiores da população e a
aniquilação da frota de pesca do país com maior área de águas territoriais,
supera todos os limites. Para não falar na redução da educação à lei da selva,
como acontece no Ensino Superior onde o Estado se demitiu das suas
responsabilidades, esperando que cada escola se baste a si mesma e assim atinja
a Excelência. Ou recomendar a emigração à juventude, a cereja em cima do bolo!
É tão estúpido e torna-se tão triste, que apenas o génio louco deste
povo de tão aparentemente brandos costumes poderá aventurar-se a fazer um
trocadilho que seja sobre esta raça de gente que do alto dos seus cadeirões vai
destruindo tudo aquilo que tanto custou a construir.
Anedotas? Com um Coelho carnívoro que parece
saído da gruta dos Monty Pyton? Só com um corta-Relvas!