sábado, 17 de janeiro de 2015

O Templário, 15-1-2015

Charlie somos todos nós 

Os actos terroristas que, desde  o dia 7 de Janeiro, enlutam a França e todo o mundo livre, tiveram a sua resposta com a gigantesca manifestação que juntou em Paris, com a multidão de cidadãos que encheram as suas ruas, os governantes e representantes de uma boa parte da Europa e de numerosos países do mundo.
Essa união dos que entenderam a gravidade dos crimes cometidos e que, independentemente das suas diferenças políticas, souberam unir-se, mesmo que provisoriamente, numa grande jornada de massas, é um sinal de que há ainda alguma esperança de que valores como o da liberdade de expressão sejam ainda suficientemente motivadores de ânimos e vontades, especialmente nesta nossa Europa tão aviltada por egoísmos nacionais e económicos.
E, acima de tudo, neutralizem o medo que assim se procurou incutir nas sociedades abertas do mundo civilizado, impondo-lhes – como foi já dito por “responsáveis” jiadistas – “limites à liberdade de expressão”.
A revista Charlie Hebdo, sempre se notabilizou pela sua liberdade de crítica, em que política e religião foram implacavelmente satirizadas sempre que aos cartoonistas sobravam razões para isso.
A morte de Wolinski, Jean Cabut, Charbonnier e Tignus, os mais representativos dos seus desenhadores, torna o mundo da sátira política mais pobre, mas não parece ter assustado a maioria dos seus colegas por essa Europa fora, indignados, solidários e prontos a desafiar o terror com a lufada de ar fresco dos seus desenhos, do seu humor.
O homicídio da maioria do corpo redatorial de Charlie, além de outro pessoal da revista  e polícias, foi engrossado pelas acções terroristas subsequentes que mataram reféns em França e incendiaram e destruiram o arquivo da publicação alemã Morgen Post, “culpada” de ter também publicado alguns cartoons.
As reacções do outro lado do Atlântico tendem a parecer bastante tíbias, entrincheirados os ógãos de comunicação numa autêntica fobia de ofender mesmo que minimamente, a fé religiosa de tantos eleitores.
De facto, os Estados Unidos da América, para além da condenação do terrorismo pelo seu presidente e das suas declarações de solidariedade, não parecem excessivamente preocupados com a afronta à liberdade de expressão que os crimes jiadistas comportam.
Não é o caso do “pai” da Frente Nacional francesa, Jean-Marie Le Pen, que afirma peremptoriamente “Quanto a mim, lamento, mas não sou Charlie”. Nem seria de esperar que um assumido inimigo de Democracia viesse defender um órgão de comunicação que sempre se manifestou contra os desígnios fascizantes do seu partido, aspecto em  que parece mais coerente do que a sua filha Marine, pouco interessada em perder popularidade num momento em que se sente forte nos votos que ganhou e decerto pensa multiplicar com as intenções xenófobas já assumidas de fechar as fronteiras e de propor um referendo a favor da pena de morte.
Na verdade, está tudo em aberto e a guerra civilizacional assim exacerbada prossegue: na Nigéria, com mais 20 mortos, por acção de uma menina de 10 anos armadilhada pelos repugnantes “mártires”, os tais que sonham com as não sei quantas mil virgens que os virão servir no outro mundo. Qual será a recompensa das mártires? – é caso para perguntar.
Por isso é uma lufada de ar fresco o grande número de representantes de países islâmicos presentes na manifestação de Paris. As suas bandeiras e declarações provam que não será com as acções horríveis de uns quantos bandidos sedentos de sangue, que a grande maioria dos muçulmanos alinharão.
Como todos os povos do mundo, é a paz e o trabalho que procuram. Não nos deixemos cegar pelo ódio que os terroristas tão habilmente semeiam e manipulam. Cada mesquita incendiada, cada muçulmano agredido, é mais um argumento a favor do tal “estado islâmico” que pretendem implantar no mundo.
Não prestemos nenhum serviço aos Le Pen, nem aos dementados partidários do “califado” mundial. De momento, eles são coincidentes nos seus interesses.
Fiéis aos nossos valores democráticos e humanos, enfrentemos a tempestade. Com coragem.

Carlos Rodarte Veloso