segunda-feira, 16 de março de 2015

A choldra
(Publicado em O Templário, 12-3-2015)

 A famosa expressão com que Eça e tanta outra gente da sua geração marcaram as “forças vivas” de então, não se podia aplicar melhor do que aos seres inacreditáveis que actualmente governam este país: a “choldra”, um misto de miséria moral, incompetência funcional e hipocrisia permanente, tudo isto engravatado e engalanado, salpicado com um bom e caro perfume, capaz de ocultar os mais nauseabundos odores.
Pois que outra coisa será este grupo de figurões – e figuronas, não façamos descriminação de género – que com o beneplácito do mais alto magistrado da Nação, ele próprio o mais paradigmático dos seus representantes, decidiu ignorar todas as leis prescritas no texto da Constituição que todos eles e cada um juraram respeitar e fazer cumprir?
Arriscando-me em insistir num tema tão estafado, é vermos o regabofe de governantes que aplicam as mais draconianas leis aos tristes governados, cada vez mais pobres e em alto risco de exaustão, enquanto eles, que deviam dar o primeiro e melhor exemplo de cidadania, se esquivam aos deveres que impõem aos outros, arranjam bodes expiatórios para os erros mais crassos, mentem, prometem, caluniam, fingem...
Quando um Presidente totalmente alheio à realidade acusa a Oposição de propaganda eleitoral, apenas por denunciar graves atropelos às mais simples regras do Estado de Direito.
Quando um primeiro-ministro nuns dias diz ignorar as suas dívidas ao Fisco, no outro diz desconhecer os prazos, noutro ainda se queixa de falta de dinheiro, ou de amnésia, ou de... sei lá que mais, é caso para nos perguntarmos se um vulgar cidadão pode argumentar dessa forma enquanto lhe confiscam os bens, penhoram o ordenado, publicitam as dívidas, enxovalham em público, por umas dúzias de euros ou, até, uns míseros cêntimos.
Quando um vice-primeiro ministro se gaba do arquivamento de processos em que está envolvido, apenas porque a investigação deixou prescrever os prazos, ou do sucesso de vistos dourados, prateados ou de todas as cores do arco-íris, quando qualquer pessoa com dois dedos de testa vê apenas o benefício dos habituais super-beneficiados de todas as latitudes.
Quando a ministra que se comporta como o cãozinho de colo dos senhores da Europa, ladra enfurecida contra quem manifesta uma verticalidade e um patriotismo que ela nem ninguém da sua laia alguma vez manifestou na defesa do seu país.
Quando outra ministra acusa, sem quaisquer provas, funcionários do seu ministério pelos erros inacreditáveis no arquivamento de processos, devidos apenas à falta de organização nas suas reformas, propagandeadas como a descoberta da pólvora.
Quando um ministro inventa inacreditáveis exames de avaliação de desempenho com o fim transparente de reduzir os quadros docentes à mais ínfima expressão, tentando dar a sensação de pugnar pela qualidade do Ensino.
Quando um outro ministro se apresenta como o defensor do Serviço Nacional de Saúde no meio das ruínas de um sistema hospitalar de que já nos chegámos a orgulhar, mas que agora não passa de ruínas.
Quando se arvora a emigração maciça de portugueses e a avassaladora onda de empregos de curto – ou curtíssimo – prazo, como uma diminuição de taxa de desemprego.
Quando os claros culpados de todas as vigarices que fizeram morrer bancos, espoliaram os seus depositantes das suas poupanças, denegriram a imagem do país, continuam a fazer jorrar a sua verborreia, numa alegre irresponsabilidade e em liberdade.
Quando... Será preciso continuar?
Se isto não é uma choldra, então o que será uma choldra?


Carlos Rodarte Veloso