A choldra
(Publicado em O Templário, 12-3-2015)
A famosa expressão com que Eça e tanta outra
gente da sua geração marcaram as “forças vivas” de então, não se podia aplicar
melhor do que aos seres inacreditáveis que actualmente governam este país: a “choldra”,
um misto de miséria moral, incompetência funcional e hipocrisia permanente,
tudo isto engravatado e engalanado, salpicado com um bom e caro perfume, capaz
de ocultar os mais nauseabundos odores.
Pois que outra coisa será este grupo
de figurões – e figuronas, não façamos descriminação de género – que com o
beneplácito do mais alto magistrado da Nação, ele próprio o mais paradigmático
dos seus representantes, decidiu ignorar todas as leis prescritas no texto da
Constituição que todos eles e cada um juraram respeitar e fazer cumprir?
Arriscando-me em insistir num tema
tão estafado, é vermos o regabofe de governantes que aplicam as mais
draconianas leis aos tristes governados, cada vez mais pobres e em alto risco
de exaustão, enquanto eles, que deviam dar o primeiro e melhor exemplo de
cidadania, se esquivam aos deveres que impõem aos outros, arranjam bodes
expiatórios para os erros mais crassos, mentem, prometem, caluniam, fingem...
Quando um Presidente totalmente
alheio à realidade acusa a Oposição de propaganda eleitoral, apenas por
denunciar graves atropelos às mais simples regras do Estado de Direito.
Quando um primeiro-ministro nuns
dias diz ignorar as suas dívidas ao Fisco, no outro diz desconhecer os prazos,
noutro ainda se queixa de falta de dinheiro, ou de amnésia, ou de... sei lá que
mais, é caso para nos perguntarmos se um vulgar cidadão pode argumentar dessa
forma enquanto lhe confiscam os bens, penhoram o ordenado, publicitam as
dívidas, enxovalham em público, por umas dúzias de euros ou, até, uns míseros
cêntimos.
Quando um vice-primeiro ministro se
gaba do arquivamento de processos em que está envolvido, apenas porque a
investigação deixou prescrever os prazos, ou do sucesso de vistos dourados,
prateados ou de todas as cores do arco-íris, quando qualquer pessoa com dois
dedos de testa vê apenas o benefício dos habituais super-beneficiados de todas
as latitudes.
Quando a ministra que se comporta
como o cãozinho de colo dos senhores da Europa, ladra enfurecida contra quem
manifesta uma verticalidade e um patriotismo que ela nem ninguém da sua laia alguma
vez manifestou na defesa do seu país.
Quando outra ministra acusa, sem
quaisquer provas, funcionários do seu ministério pelos erros inacreditáveis no
arquivamento de processos, devidos apenas à falta de organização nas suas reformas,
propagandeadas como a descoberta da pólvora.
Quando um ministro inventa
inacreditáveis exames de avaliação de desempenho com o fim transparente de
reduzir os quadros docentes à mais ínfima expressão, tentando dar a sensação de
pugnar pela qualidade do Ensino.
Quando um outro ministro se
apresenta como o defensor do Serviço Nacional de Saúde no meio das ruínas de um
sistema hospitalar de que já nos chegámos a orgulhar, mas que agora não passa
de ruínas.
Quando se arvora a emigração maciça
de portugueses e a avassaladora onda de empregos de curto – ou curtíssimo –
prazo, como uma diminuição de taxa de desemprego.
Quando os claros culpados de todas
as vigarices que fizeram morrer bancos, espoliaram os seus depositantes das
suas poupanças, denegriram a imagem do país, continuam a fazer jorrar a sua
verborreia, numa alegre irresponsabilidade e em liberdade.
Quando... Será preciso continuar?
Se isto não é uma choldra, então o que
será uma choldra?
Carlos Rodarte Veloso