UM PLANETA EM CHAMAS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário, 10 de Outubro de 2019
Antes fosse o
“lume vivo” de Camões, o “fogo de Sant’Elmo” que anunciava aos navegantes o fim
da tempestade que tinha posto em grave perigo pessoas e bens, os corpos prestes
a afundar-se no turbilhão das águas, e também as ricas mercadorias, a pimenta e
a canela das Índias…
Mas não é! É um
fogo real que tudo queima, derrete e mata, e não anuncia a bonança, antes
promete mais e mais do mesmo, a destruição pura e simples das criaturas de um
planeta que foi rico e alimentava os seus filhos.
A ganância e a
extraordinária ideia de um desenvolvimento imparável, capaz de esgotar os
recursos de vários planetas, inscrita nos ideais de um sistema económico que
apenas beneficia os detentores da riqueza, não permite que olhemos para trás e
tentemos moderar as ambições de acumulação pela acumulação…
É sabido o erro
trágico de prosseguir a exploração dos recursos não renováveis – especialmente
dos combustíveis fósseis – os quais, não só não são eternos, mas produzem males
que cada vez mais se fazem sentir, apesar dos negacionistas das alterações
climáticas considerarem essas alterações como naturais e desligadas da acção
humana.
Líderes mundiais
irresponsáveis negam as mais elementares provas do aquecimento global e actuam
como se o seu enriquecimento à custa dos recursos do planeta fosse um direito
seu, exclusivo.
Por isso, os
astronómicos lucros gerados pela exploração dos hidrocarbonetos e o facto de as
suas reservas serem ainda muito consideráveis, vai relegar para décadas o seu
abandono, apesar dos prejuízos ambientais causados pela sua manutenção, que
poderá ultrapassar o período de vida útil que nos resta.
Esta noção
dramática do escasso tempo que nos resta para inverter o processo de
autodestruição do nosso planeta, levou à iniciativa da jovem sueca Greta
Thunberg de iniciar uma greve semanal à escola como protesto contra a inércia
dos políticos, iniciativa que se converteu num movimento de massas de jovens de
todo o mundo, chegado já à ONU e a outras instâncias internacionais, que a converteu
na figura de proa de uma acção colectiva a favor do ambiente.
O facto de sofrer
da síndrome de Asperger, um transtorno obsessivo-compulsivo associado ao
autismo, contribuiu para a radicalização da sua denúncia da situação ambiental
e da urgência de acatar os protocolos internacionais assinados pela comunidade
internacional – nomeadamente o Acordo de Paris – que, embora insuficientes,
foram abandonados nomeadamente pelos Estados Unidos, pela mão do seu truculento
e ambientalmente criminoso presidente, Donald Trump.
As razões de
alarme são muitas e gravíssimas, desde o aquecimento global que já está a
fundir os gelos dos pólos e a elevar, lenta mas inexoravelmente, as águas
oceânicas na invasão dos litorais povoados, os fenómenos climáticos extremos,
crescentemente destrutivos, a extinção em massa de um número crescente de
espécies, a destruição das florestas pelas crescentes vagas de incêndios ou
pelo seu desmatamento intensivo, a poluição das terras e dos mares e das suas
criaturas, os seres humanos inclusivamente, pelos plásticos das embalagens com
que se embrulha todo o tipo de produtos comerciais e industriais, além de,
evidentemente, o dióxido de carbono, o metano e todos gases que respiramos…
Entretanto, uma
vaga de censuras contra Greta Thunberg invadiram as redes sociais, nomeadamente
contra os seus pais, que a apoiam incondicionalmente, como se a manipulassem, e
contra ela própria, pela emotividade de que deu mostras – alguns chamaram-lhe
ódio! – nas Nações Unidas, ao acusar os dirigentes mundiais do pouco ou nada
que fizeram a favor do clima, quando o tempo se está a esgotar e se torna cada
vez mais difícil conseguir em tempo útil – doze anos, segundo o IPCC – a
redução de pelo menos 50% nas nossas emissões de anidrido carbónico, e do limite
do aquecimento global em 1,5 a 2 graus centígrados.
Seria muito
moroso referir a avalancha de críticas que a jovem sueca, agora com 16 anos de
idade, tem recebido. Até as suas palavras nas Nações Unidas, "you have stolen my dreams and my childhood" (“vocês roubaram os
meus sonhos e a minha infância”)
são por muitos consideradas impossíveis na boca de uma adolescente e, portanto,
da autoria de gente bastante suspeita “que a manipula e dela se aproveita”, com
os seus pais à cabeça!
É
evidente que ela parece excessiva, o que cola com a sua condição de autista,
mas também com a sua faixa etária. Uma adolescente em choque com a injustiça do
mundo... Já vimos isso tantas vezes! A luta pela salvação do planeta e da
espécie humana parece-me suficientemente heróica para a entusiasmar e para congregar
uma adolescente invulgarmente culta e, com ela, uma geração inteira!
Porque é que uma jovem de 16 anos é incapaz
de dizer o que ela disse?! Tive alunos e alunas pouco mais velhas que eram
capazes de raciocinar e ter opiniões tão maduras como estas. Não seria uma
maioria, mas a Greta não faz parte da maioria. Leia-se o livro "A nossa
casa está a arder", editado pelos pais dela e com textos dela e da sua
irmã, Beata, e aí se percebe realmente as circunstâncias educativas e
comportamentais em que se insere a sua formação.
Esta jovem está a dar lições de militância às
massas indiferentes deste planeta. Onde alguns apenas vêm ódio, eu vejo amor
pela Terra e pelas suas criaturas. Onde a acusam de ser manipulada, vejo a sua
coragem de, sem quaisquer vantagens materiais, ir contra o sistema miserável que
nos rege que só vê cifrões! Manipulação, sim, mas dos Trump, Bolsonaros,
Johnson, dos emires do petróleo do mundo inteiro! Onde a acusam, vejo apenas o
despeito e a cobardia de quem nada faz pela nossa Casa comum, nem nada quer
fazer!