sábado, 12 de outubro de 2019



UM PLANETA EM CHAMAS

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário, 10 de Outubro de 2019


Antes fosse o “lume vivo” de Camões, o “fogo de Sant’Elmo” que anunciava aos navegantes o fim da tempestade que tinha posto em grave perigo pessoas e bens, os corpos prestes a afundar-se no turbilhão das águas, e também as ricas mercadorias, a pimenta e a canela das Índias…
Mas não é! É um fogo real que tudo queima, derrete e mata, e não anuncia a bonança, antes promete mais e mais do mesmo, a destruição pura e simples das criaturas de um planeta que foi rico e alimentava os seus filhos.
A ganância e a extraordinária ideia de um desenvolvimento imparável, capaz de esgotar os recursos de vários planetas, inscrita nos ideais de um sistema económico que apenas beneficia os detentores da riqueza, não permite que olhemos para trás e tentemos moderar as ambições de acumulação pela acumulação…
É sabido o erro trágico de prosseguir a exploração dos recursos não renováveis – especialmente dos combustíveis fósseis – os quais, não só não são eternos, mas produzem males que cada vez mais se fazem sentir, apesar dos negacionistas das alterações climáticas considerarem essas alterações como naturais e desligadas da acção humana.
Líderes mundiais irresponsáveis negam as mais elementares provas do aquecimento global e actuam como se o seu enriquecimento à custa dos recursos do planeta fosse um direito seu, exclusivo.
Por isso, os astronómicos lucros gerados pela exploração dos hidrocarbonetos e o facto de as suas reservas serem ainda muito consideráveis, vai relegar para décadas o seu abandono, apesar dos prejuízos ambientais causados pela sua manutenção, que poderá ultrapassar o período de vida útil que nos resta.
Esta noção dramática do escasso tempo que nos resta para inverter o processo de autodestruição do nosso planeta, levou à iniciativa da jovem sueca Greta Thunberg de iniciar uma greve semanal à escola como protesto contra a inércia dos políticos, iniciativa que se converteu num movimento de massas de jovens de todo o mundo, chegado já à ONU e a outras instâncias internacionais, que a converteu na figura de proa de uma acção colectiva a favor do ambiente.
O facto de sofrer da síndrome de Asperger, um transtorno obsessivo-compulsivo associado ao autismo, contribuiu para a radicalização da sua denúncia da situação ambiental e da urgência de acatar os protocolos internacionais assinados pela comunidade internacional – nomeadamente o Acordo de Paris – que, embora insuficientes, foram abandonados nomeadamente pelos Estados Unidos, pela mão do seu truculento e ambientalmente criminoso presidente, Donald Trump.
As razões de alarme são muitas e gravíssimas, desde o aquecimento global que já está a fundir os gelos dos pólos e a elevar, lenta mas inexoravelmente, as águas oceânicas na invasão dos litorais povoados, os fenómenos climáticos extremos, crescentemente destrutivos, a extinção em massa de um número crescente de espécies, a destruição das florestas pelas crescentes vagas de incêndios ou pelo seu desmatamento intensivo, a poluição das terras e dos mares e das suas criaturas, os seres humanos inclusivamente, pelos plásticos das embalagens com que se embrulha todo o tipo de produtos comerciais e industriais, além de, evidentemente, o dióxido de carbono, o metano e todos gases que respiramos…
Entretanto, uma vaga de censuras contra Greta Thunberg invadiram as redes sociais, nomeadamente contra os seus pais, que a apoiam incondicionalmente, como se a manipulassem, e contra ela própria, pela emotividade de que deu mostras – alguns chamaram-lhe ódio! – nas Nações Unidas, ao acusar os dirigentes mundiais do pouco ou nada que fizeram a favor do clima, quando o tempo se está a esgotar e se torna cada vez mais difícil conseguir em tempo útil – doze anos, segundo o IPCC – a redução de pelo menos 50% nas nossas emissões de anidrido carbónico, e do limite do aquecimento global em 1,5 a 2 graus centígrados.
Seria muito moroso referir a avalancha de críticas que a jovem sueca, agora com 16 anos de idade, tem recebido. Até as suas palavras nas Nações Unidas, "you have stolen my dreams and my childhood" (“vocês roubaram os meus sonhos e a minha infância”) são por muitos consideradas impossíveis na boca de uma adolescente e, portanto, da autoria de gente bastante suspeita “que a manipula e dela se aproveita”, com os seus pais à cabeça!
É evidente que ela parece excessiva, o que cola com a sua condição de autista, mas também com a sua faixa etária. Uma adolescente em choque com a injustiça do mundo... Já vimos isso tantas vezes! A luta pela salvação do planeta e da espécie humana parece-me suficientemente heróica para a entusiasmar e para congregar uma adolescente invulgarmente culta e, com ela, uma geração inteira!
Porque é que uma jovem de 16 anos é incapaz de dizer o que ela disse?! Tive alunos e alunas pouco mais velhas que eram capazes de raciocinar e ter opiniões tão maduras como estas. Não seria uma maioria, mas a Greta não faz parte da maioria. Leia-se o livro "A nossa casa está a arder", editado pelos pais dela e com textos dela e da sua irmã, Beata, e aí se percebe realmente as circunstâncias educativas e comportamentais em que se insere a sua formação.
Esta jovem está a dar lições de militância às massas indiferentes deste planeta. Onde alguns apenas vêm ódio, eu vejo amor pela Terra e pelas suas criaturas. Onde a acusam de ser manipulada, vejo a sua coragem de, sem quaisquer vantagens materiais, ir contra o sistema miserável que nos rege que só vê cifrões! Manipulação, sim, mas dos Trump, Bolsonaros, Johnson, dos emires do petróleo do mundo inteiro! Onde a acusam, vejo apenas o despeito e a cobardia de quem nada faz pela nossa Casa comum, nem nada quer fazer!

sexta-feira, 4 de outubro de 2019


TANCOS? THANKS VERY MUCH!
Carlos Rodarte Veloso
“ O Templário”, 3 de Outubro de 2019

A “nova” direcção do PSD por um homem que, assumindo-se de direita “suave”, parecia possuir inesperadas qualidades de diálogo e uma aparente sinceridade nas suas declarações, revelou-se, afinal, um autêntico bluff, um verdadeiro “biface”.
Utilizo aqui a terminologia arqueológica que se refere aos calhaus afeiçoados pelos nossos antepassados do Paleolítico utilizados como ferramentas e armas, mas que pode perfeitamente adaptar-se aos inúmeros seres de duas faces que pululam na política contemporânea…
O primeiro debate televisivo de Rui Rio com António Costa e os restantes partidos com assento parlamentar – com exclusão do cacetismo provocatório de Cristas, a “pérola” do CDS - prometia um diálogo civilizado, descontando-se como “normais” algumas trocas de galhardetes, aliás pouco originais, entre os circunstantes.
Eis se não quando, mal passados ainda os primeiros dias da campanha, e depois das beatas declarações de transparência e isenção de Rui Rio, aquele que nunca aproveitaria meios ignóbeis para atingir os seus objectivos políticos, ressurge miraculosamente, a duas semanas das Eleições, o “Caso de Tancos”, organizado em tempo “record” por um inesperadamente espevitado Ministério Público, decerto envergonhado pela demora interminável da Operação Marquês, que, entretanto, se mantém encalhada “ad aeternum”…
E não é que o virtuoso homem público que Rui Rio se afirma, sem quaisquer provas e antes de qualquer julgamento – ao contrário do que antes afirmara – salta como uma cobra a picar o adversário, enquanto a não menos virtuosa comunicação social de direita faz o coro com as suspeitíssimas redes sociais, autênticas teias, que aqui como noutros países conspiram para a destruição dos ideais igualitários, especialmente nos países em que ainda vigoram ideais de democracia?
“His master’s voice” – a voz do dono – fala mais alto. Graças a deus, há sempre histórias que aparecem oportunamente para emporcalhar os êxitos que beneficiam as classes desfavorecidas. Isso não é aceitável e lá está a pobre “classe média-alta” a beneficiar de novo da Assunção da Santa Aliança com um Rio afinal bastante cordato ou seja, sempre dentro das margens que lhe foram atribuídas, como agora demonstrou cabalmente…
É bom que o respeitável público se aperceba da gigantesca campanha de manipulação de que está a ser o alvo, nomeadamente quanto aos “perigos” de uma maioria absoluta para o PS, que me parece pouco provável.
A chamada Geringonça é o papão que assombra essa gente esquiva e traiçoeira que dispõe de todos os meios que o dinheiro faculta, e fala de corrupção como se esta lhe fosse estranha!


Não embarque na solução fácil de “dar o ouro ao bandido”!