sábado, 3 de março de 2018


ARTE E PERSPECTIVA
Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 1 de Março de 2018

As artes visuais de há muito se notabilizaram pela imitação da natureza, o que conduziu à criação de estilos artísticos como o Realismo e o Naturalismo e, mais tarde, o Impressionismo e outras correntes estéticas que procuravam uma máxima aproximação à realidade através de múltiplos artifícios.
Não é uma novidade recente. Pelo contrário, as suas raízes estão mergulhadas na época do nascimento da arte, a Pré-História, cujos artistas pintavam e gravavam na rocha verdadeiros documentários das suas caçadas ou do que quer que seja relativo à fauna então existente.
Essa procura de realismo levou-os a utilizar autênticas trucagens que só seriam recuperadas já no século XX, na banda desenhada e no cinema de desenhos animados, por exemplo com a multiplicação das patas dos animais em corrida ou representações sobrepostas simulando, por exemplo, movimentos simples da cabeça.
No entanto essa busca de fidelidade ao testemunho visual atingiu o seu máximo com a tentativa de representar a paisagem em termos de profundidade, em que os objectos ou outros elementos mais distantes do observador eram representados numa escala cada vez mais reduzida, perdendo-se na distância. As próprias cores utilizadas procuravam dar a medida dessa distância, simulando as impressões observadas pelo artista.
Esta tentativa de representar num suporte bidimensional plano uma representação tridimensional, vai conduzir à invenção da perspectiva, observada ainda de uma forma rudimentar e empírica, em algumas pinturas mais tardias de vasos gregos áticos e, já com o possível recurso à geometria, nas famosas representações de jardins ou de edifícios nas paredes pintadas de “villae” romanas (fig.1 – fresco do jardim de Prima Porta, Roma).

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Esta novidade revolucionária proporcionava aos seus proprietários o recurso ao “trompe l’oeill”, já referido em texto anterior, que vai converter paredes e tectos em espaços ilimitados, abertos a uma realidade que hoje chamaríamos virtual.
Depois do interregno medieval em que, por decisão ideológica da igreja católica, se perde grande parte das conquistas greco-romanas no domínio do realismo pictórico, o estudo geométrico rigoroso, portanto científico desta aparente transformação da realidade foi levado ao seu apogeu no Renascimento italiano, através da arquitectura de famosos mestres como Brunelleschi e Alberti e de pintores como Donatello, Piero della Francesca e seus seguidores, cujas conquistas atingiriam o seu clímax no Barroco e Rococó, já nos séculos XVII e XVIII. Como base desta verdadeira técnica, encontra-se o estabelecimento de um “ponto de fuga” no qual convergiam todas as “linhas de fuga” (fig.2 – Brunelleschi, Interior da Igreja de S. Lourenço, Florença), (fig.3 – PIero della Francesca, “Flagelação de Cristo”) assim privilegiando o ponto fulcral da obra assim concebida.
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Curiosamente é precisamente a Igreja católica, a partir do Renascimento, que vai proporcionar o ímpeto decisivo a esta autêntica explosão da arte da ilusão, agora com finalidades assumidamente catequéticas e propagandísticas. Acrescentou-se, assim, o factor “maravilhoso” a toda esta encenação, agora servida pela globalização das diversas manifestações artísticas, em ordem à satisfação de todos os sentidos humanos – vista, ouvido, olfacto, gosto e tacto – que transformou igrejas e outros edifícios em autênticos palcos de teatro. Assim, as artes visuais e a música serviam os mais nobres dos sentidos, a vista e o ouvido, os vapores aromáticos do incenso e perfumes, o olfacto, enquanto o gosto e o tacto estavam associados aos manjares sagrados – o Corpo de Cristo, através da hóstia consagrada, e o seu sangue, no vinho da Eucaristia – e à própria textura dos materiais envolventes e, quem sabe, a aproximação, nem sempre virtuosa, nem sequer agradável, de apertadas massas humanas...
Muros de jardins e paredes e tectos de igrejas (fig.4 – Abóbada anelar da Charola do Convento de Cristo, Tomar – motivos manuelinos), palácios, bibliotecas , teatros, salas de ópera, museus e outros edifícios públicos são agora decorados na sua área total ou parcial com composições paisagísticas ou temas simbólicos e/ou miraculosos que rompem todas as dimensões e atingem uma mestria inigualável. Também o suporte dessas obras de arte abrange novos materiais, como o estuque, a talha e o azulejo, profusamente aplicados em Portugal no interior como no exterior de edifícios. É a Arte Total em todo o seu esplendor.

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