sexta-feira, 12 de outubro de 2018



A PRAIA, OU FIM DE FÉRIAS

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 11-10-2018

Está a terminar o período dito de férias e este é um dos primeiros anos em que esse conceito se esbate perante a lógica da minha nova situação perante o trabalho e os tempos livres que, agora, teoricamente, são todo o tempo do mundo.
É essa a lógica da aposentação, da qual me julgo totalmente merecedor, mas o facto de dificilmente esse direito vir a beneficiar, em toda a sua extensão, as futuras gerações, confere a toda a situação um amargo de boca, uma sensação de injustiça, de fim de época, que vai reflectir-se no futuro da nossa descendência.
Diz-se que a falta de recursos se deve à quebra da demografia e, consequentemente, à diminuição dos rendimentos investidos na segurança social, e a verdade é que, sendo isso verdade, não adoça minimamente a pílula da quebra dos direitos das futuras aposentações.
Os meus filhos não terão condições tão vantajosas como os pais, e os meus netos ficarão bem pior, enquanto os recursos – que os há! – que poderiam corrigir a situação são canalizados para a capitalização de uma banca irresponsável e já criminosamente habituada aos favores do Estado.
Mas isto são apenas pormenores e, paradoxalmente, o panorama do gozo de férias parece ser drasticamente melhor que o dos tempos passados, em que a organização de uma simples viagem ou de uma estadia de família num local turístico, mesmo no estrangeiro, parece não ter limites. Claro que a panaceia para as limitações económicas das famílias é o crédito todo-poderoso, facilitado a um ponto inacreditável pelas instituições financeiras, muitas vezes sem exigir sequer garantias suficientes para evitar o papão real do “crédito malparado”. Para viagens, para compra de viaturas, para compra de casas…
Apesar os péssimos resultados dessa política, ainda hoje invocados a todo o momento. Mas cada vez menos, que a memória prega-nos partidas, e é humano reincidir nos erros do passado!
Estas considerações, talvez de algum mau gosto no momento em que milhares de famílias começam a enfrentar as dívidas à banca assumidas pelas suas discutíveis escolhas, levam-me a recordar a férias de há uns anos, pagas dificilmente com um orçamente muito apertado, mas que correspondiam quase a papel-químico, às condições das actuais férias da classe média, sempre e sempre focadas na loucura do turismo de mar e praia.
E para quê? Para nos enervarmos dentro do carro, enquanto os miúdos gritavam no banco de trás, na fila que nunca mais andava… Para esturricar na areia a ferver a procurar caminho no meio de outros felizes veraneantes… Para pagar couro e cabelo por uma cerveja morna… Para queimar os pés a saltitar entre corpos queimados e arranjar um espaço onde pudéssemos alimentar tranquilamente o melanoma. Para sermos felizes!

Sem comentários:

Enviar um comentário