sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



GENOCÍDIO EM TERRAS DE VERA CRUZ



Carlos Rodarte Veloso

"O Templário”, 17 de Janeiro de 2019
A eleição de Jair Bolsonaro como Presidente do Brasil correspondeu, como o próprio discurso do candidato deixava adivinhar sem quaisquer subtilezas, a um extraordinário retrocesso dos direitos civis do povo brasileiro.
Desde os direitos laborais, à assistência médica e social, à liberdade de ensino, à Ciência, aos direitos das mulheres, das minorias sexuais, religiosas e étnicas e ainda à protecção do ambiente, tudo quanto tem sido a marca do progresso em países medianamente desenvolvidos e de ideologia democrática, tem sido sucessivamente enfraquecido ou aniquilado, desde o autêntico golpe de estado que depôs Dilma Rousseff e deu o poder a um reconhecido corrupto, Michel Temer, que, espantosamente, se serviu do argumento da corrupção para abalar a credibilidade da Presidente eleita, nem por isso alvo de acusações de gravidade significativa.
A cumplicidade de um poder judiciário corrupto ao mais alto nível diabolizou a acção política de Dilma e abriu caminho à prisão do ex-presidente Lula da Silva, assim impedido de concorrer às eleições presidenciais para o que era o candidato mais popular apesar da gigantesca campanha de difamação, em boa parte por comprovar, que lhe foi movida pela direita.
Sem adversário à altura de Lula da Silva, um inacreditavelmente inculto e reacionário deputado federal, Bolsonaro, especialmente apoiado pelas igrejas evangélicas conduziu uma campanha inflacionada de “fake news” em boa parte alimentados por “redes sociais” de origens mais do que duvidosas, semelhantes às que no resto do mundo têm conduzido à subida da votação em partidos e movimentos populistas de tendência fascista.
Independentemente de tudo isso, um factor existe, especialmente chocante, a perseguição contra a minoria étnica constituída pelos sobreviventes dos povos nativos do Brasil, através da sua confinação a reservas que se tornam mais e mais reduzidas, à medida que o espaço florestal e selvagem é usurpado pela exploração agrícola e industrial, tendo em conta única e simplesmente o lucro capitalista incorporado na sua exploração por autênticos invasores: os madeireiros, as explorações mineiras, os ruralistas, deslocações de massas que invadem as terras nativas, terras essas que constituem agora a mais importante barreira contra a deterioração definitiva e irremediável do ambiente terrestre. Acima de tudo, a violência contra os seus legítimos ocupantes, violência vezes de mais conducente ao homicídio.
Entre 2016 e 2017, segundo estatísticas do Conselho Indigenista e Missionário, morreram 228 indígenas o que indicia 9,5 assassínios mensais! Ataques frequentes às comunidades indígenas foram registados depois da vitória de Bolsonaro pelas autoridades locais e pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Um líder índio foi mesmo assassinado a tiro na praça pública da cidade de Amarante do Maranhão, comunidades indígenas foram atacadas, acampamentos incendiados, índios gravemente feridos, pelo menos uma escola comunitária destruída, e medo, muito medo… Missionários que foram testemunhas da violência pedem que os seus nomes não sejam divulgados por uma questão de segurança pessoal!
A agressividade dos invasores dessas terras que, até pelo potencial de protecção do ambiente que representam, deveriam ser poupadas à exploração capitalista, está armada com armas de fogo e surge agora desenfreada pelas “costas quentes” que o novo Presidente da República lhes proporciona com a promessa de legalização de todo o tipo de armamento, a exemplo do que acontece com o seu modelo estado-unidense, Donald Trump.
Tornou-se agora frequente o recurso a balas de borracha e até munições reais, e tornaram-se lancinantes os apelos das comunidades indígenas à solidariedade internacional, dado o carácter de verdadeiro genocídio que caracteriza os ataque constantes, até com o beneplácito das autoridades brasileiras.
Entretanto, Bolsonaro, que não deixou dúvidas quanto aos seus propósitos, prometeu acabar com a demarcação de reservas, aquilo a que chamou “activismo ambiental xiita”, transformando as vítimas em algozes e lançando petróleo sobre as chamas para “apagar o fogo”….
Estaremos então retornados ao genocídio dos índios norte-americanos, agora na América do Sul? Ou a um novo Holocausto, como o que assombrou o século XX? Cabe-nos combater estas macabras heranças que pareciam definitivamente enterradas no lixo da História. E não pactuar com figuras como o hediondo presidente do Brasil. Não confraternizar, nem trazê-lo para o nosso seio, embalando-o numa simpatia diplomática, leia-se, perfeitamente ilusória. Não podemos dar força a uma figura repugnante como Bolsonaro, um assumido fascista, desavergonhado defensor do criminoso regime militar que governou o Brasil de 1964 e 1985, e declarado candidato ao genocídio dos nativos brasileiros!

domingo, 13 de janeiro de 2019


A PROPÓSITO DO CENTENÁRIO DE 
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN



A Poeta de onde emana a Luz da Poesia, da Cidadania e da Liberdade, da Maresia, dos Ventos e das Marés, a mais clássica da Língua Portuguesa!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019


OS LIMITES DA TOLERÂNCIA

"O Templário", 10 de Janeiro de 2019


Os últimos tempos foram marcados por uma extraordinária ofensiva dos defensores de uma cada vez maior aceitação do ideário da extrema-direita totalitária, em nome de uma tolerância tanto mais deslocada, quanto é simetricamente oposta à atitude que a mesma facção apresenta face à sociedade democrática garantida pela nossa Constituição.
Entre muitos outros factos, três deles se revelam especialmente graves, porquanto presenteiam com o benefício da dúvida pessoas e instituições cujos comportamentos se revelaram especialmente gravosos para com os valores humanitários de um país que há 44 anos derrubou o fascismo e passou a integrar de pleno direito o mundo livre.
Para começar, a espantosa classificação que a redacção da RTP atribuiu ao actual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, como “figura internacional do ano de 2018”, figura sinistra de retrocesso civilizacional, ameaça à paz mundial e ao ambiente do nosso planeta, de braço dado com o triste governante dos EUA. 
Como se fosse pouco o beneplácito assim atribuído pela nossa televisão estatal a um assumido fascista cujo ideário tem revelado sem vergonha a todo o mundo, o nosso Presidente da República acaba de o honrar com a sua presença na tomada de posse em Brasília, sendo o único dirigente oficial de um Estado assumidamente democrático a alinhar fisicamente ao lado de gente como Viktor Orbán e Netanyau e, embora à distância, com Trump, gémeo verdadeiro pela “cultura” e pelo “odiário” deste ditador dos trópicos.
É compreensível a presença de um representante nosso – mas nunca o Presidente! – na desditosa cerimónia, dados os interesses dos muitos cidadãos portugueses residentes na Brasil, mas nomear o encontro como “reunião entre irmãos” é mais uma afronta indesculpável ao País de Abril, seja em nome da Diplomacia, seja do que for! 
E o convite ao novo ditador para visitar Portugal, é a “cereja em cima do bolo”, uma manifestação para mim totalmente inesperada de baixeza por parte de um Presidente que eu via como um digno representante do povo português, especialmente em contraste com o anterior, o lamentável Cavaco.
Independentemente da atitude em si, penso que Marcelo poderá ter criado uma situação política insustentável, no caso de Bolsonaro resolver aceitar o convite. Será decerto mal recebido no nosso País, quer pelo povo quer pelas instituições que contactar, embora sejam perfeitamente expectáveis manifestações de apoio dos muitos brasileiros residentes entre nós que, sabemo-lo, votaram na sua eleição… Como vai ser? E se alguns “coletes amarelos” abrilhantarem a manifestação, vai ser cá uma festa!
Como descalça esta bota, Senhor Presidente? Com selfies e abraços? Não me parece!
E como não há duas sem três, a televisão privada conhecida como TVI resolve promover o criminoso e dirigente neonazi, Mário Machado, racista, sádico torturador e cúmplice em homicídio, ao fazê-lo entrevistar por Manuel Luís Goucha em horário nobre, no programa “Você na TV”, em nome de “tolerância e da democracia” e, como tal, da necessidade do “contraditório”… o mesmo Goucha que seria decerto uma das muitas vítimas do entrevistado, caso este viesse a ter poder para isso… contra o “politicamente correcto”! É uma espécie de síndrome de Estocolmo, a fixação da vítima na personalidade do agressor, em última análise exactamente o que aconteceu com as eleições no Brasil…
A rubrica do programa acabou por ser suspensa, em grande parte devido à denúncia feita pelo Ministro da Defesa, João Cravinho, para quem a atitude da estação de televisão não teria sido muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver labaredas”, e também, entre outros, do Sindicato dos Jornalistas. 
Assim vão os tempos. À vista das tendências actuais parece-me que só poderemos contar com o pior, isto é, com um populismo mais e mais agressivo, conducente à multiplicação das venenosas cabecinhas da Hidra, sempre prontas a morder os incautos. Temos que estar atentos à próxima ameaça, provavelmente vinda de algum dos afectos que nos rodeiam… perigosamente!