OS LIMITES DA TOLERÂNCIA
"O Templário", 10 de Janeiro de 2019
Os últimos tempos foram marcados por uma extraordinária ofensiva dos defensores de uma cada vez maior aceitação do ideário da extrema-direita totalitária, em nome de uma tolerância tanto mais deslocada, quanto é simetricamente oposta à atitude que a mesma facção apresenta face à sociedade democrática garantida pela nossa Constituição.
Entre muitos outros factos, três deles se revelam especialmente graves, porquanto presenteiam com o benefício da dúvida pessoas e instituições cujos comportamentos se revelaram especialmente gravosos para com os valores humanitários de um país que há 44 anos derrubou o fascismo e passou a integrar de pleno direito o mundo livre.
Para começar, a espantosa classificação que a redacção da RTP atribuiu ao actual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, como “figura internacional do ano de 2018”, figura sinistra de retrocesso civilizacional, ameaça à paz mundial e ao ambiente do nosso planeta, de braço dado com o triste governante dos EUA.
Como se fosse pouco o beneplácito assim atribuído pela nossa televisão estatal a um assumido fascista cujo ideário tem revelado sem vergonha a todo o mundo, o nosso Presidente da República acaba de o honrar com a sua presença na tomada de posse em Brasília, sendo o único dirigente oficial de um Estado assumidamente democrático a alinhar fisicamente ao lado de gente como Viktor Orbán e Netanyau e, embora à distância, com Trump, gémeo verdadeiro pela “cultura” e pelo “odiário” deste ditador dos trópicos.
É compreensível a presença de um representante nosso – mas nunca o Presidente! – na desditosa cerimónia, dados os interesses dos muitos cidadãos portugueses residentes na Brasil, mas nomear o encontro como “reunião entre irmãos” é mais uma afronta indesculpável ao País de Abril, seja em nome da Diplomacia, seja do que for!
E o convite ao novo ditador para visitar Portugal, é a “cereja em cima do bolo”, uma manifestação para mim totalmente inesperada de baixeza por parte de um Presidente que eu via como um digno representante do povo português, especialmente em contraste com o anterior, o lamentável Cavaco.
Independentemente da atitude em si, penso que Marcelo poderá ter criado uma situação política insustentável, no caso de Bolsonaro resolver aceitar o convite. Será decerto mal recebido no nosso País, quer pelo povo quer pelas instituições que contactar, embora sejam perfeitamente expectáveis manifestações de apoio dos muitos brasileiros residentes entre nós que, sabemo-lo, votaram na sua eleição… Como vai ser? E se alguns “coletes amarelos” abrilhantarem a manifestação, vai ser cá uma festa!
Como descalça esta bota, Senhor Presidente? Com selfies e abraços? Não me parece!
E como não há duas sem três, a televisão privada conhecida como TVI resolve promover o criminoso e dirigente neonazi, Mário Machado, racista, sádico torturador e cúmplice em homicídio, ao fazê-lo entrevistar por Manuel Luís Goucha em horário nobre, no programa “Você na TV”, em nome de “tolerância e da democracia” e, como tal, da necessidade do “contraditório”… o mesmo Goucha que seria decerto uma das muitas vítimas do entrevistado, caso este viesse a ter poder para isso… contra o “politicamente correcto”! É uma espécie de síndrome de Estocolmo, a fixação da vítima na personalidade do agressor, em última análise exactamente o que aconteceu com as eleições no Brasil…
A rubrica do programa acabou por ser suspensa, em grande parte devido à denúncia feita pelo Ministro da Defesa, João Cravinho, para quem a atitude da estação de televisão não teria sido muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver labaredas”, e também, entre outros, do Sindicato dos Jornalistas.
Assim vão os tempos. À vista das tendências actuais parece-me que só poderemos contar com o pior, isto é, com um populismo mais e mais agressivo, conducente à multiplicação das venenosas cabecinhas da Hidra, sempre prontas a morder os incautos. Temos que estar atentos à próxima ameaça, provavelmente vinda de algum dos afectos que nos rodeiam… perigosamente!
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