sexta-feira, 15 de novembro de 2019



O LÍTIO DO NOSSO (DES)CONTENTAMENTO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 14 de Novembro de 2019


A riqueza em lítio existente no nosso País, se reconhecida há umas dezenas de anos não daria azo a qualquer polémica: era uma inesperada riqueza que apenas traria prosperidade a Portugal, vindo ainda por cima beneficiar o ambiente, dada a sua utilização nas baterias dos veículos eléctricos, uma das alternativas aos movidos a energias fósseis…
Esta contribuição para a diminuição da pegada carbónica deveria ser saudada como um triunfo da tecnologia e parte importante do conjunto de medidas destinadas a travar o aquecimento global que, dentro de poucos anos trará consequências ainda mais dramáticas à vida sobre o nosso pobre planeta, já tão martirizado nos nossos dias: alterações catastróficas dos ciclos climáticos, secas e desertificação, alternadas com inundações cada dia mais mortíferas, tufões e maremotos, subida do nível dos oceanos, cidades cada vez mais irrespiráveis, incêndios florestais incontroláveis, oceanos e organismos poluídos pelos plásticos, extinção em massa de um número inacreditável de espécies animais e vegetais.
Tudo isto é repetitivo, mas a sua denúncia por um número cada vez mais generalizado dos cientistas pouco efeito provoca na comodista atitude dos inconscientes habitantes da Terra, que pensam ter sempre mais algum tempo para manter os seus hábitos consumistas e predatórios em relação aos recursos naturais.
A difusão da irracionalidade pelos gurus das pseudociências, pondo constante e estupidamente em causa os avisos da Ciência, mais ajuda a alimentar essa atitude irresponsável para com a necessidade de mudar radicalmente as rotinas de uma população mundial em crescimento contínuo.
É ver – e pasmar! – com a enormidade de infinitas “opiniões” veiculadas nas redes sociais, ao nível do “melhor” trumpismo acerca do ambiente e dos perigos que, dizem elas, não o ameaçam… mas também outras opiniões, igualmente desinformadas, embora bem intencionadas, em sentido contrário!
Os ecologistas, por definição na linha da frente da defesa do ambiente, dividem-se agora em grupos de influência em relação à utilização de certas alternativas energéticas, não se conseguindo entender entre eles e, por vezes, dando mostras de um egoísmo nacional pouco consentâneo com os altos ideais defendidos.
Assim, no caso do lítio, a defesa da paisagem passa à frente dos evidentes benefícios da sua exploração e utilização nos veículos de transporte, só aceitável se trazido de outras paragens – mais pobres, evidentemente… – onde já não haverá problemas desde que os desperdícios dessa indústria por lá fiquem a poluir os solos e ambientes e a desfear a paisagem, numa perspectiva no mínimo neocolonialista.
Assim, para protegermos a limpidez da nossa paisagem rural, abdicaremos da exploração desse mineral que, apesar de alguns inconvenientes que apresenta, é abundante em Portugal e uma legislação cautelosa sobre a sua exploração poderia acautelar quaisquer malefícios ambientais e/ou estéticos?
Mais ainda, serão desprezíveis os benefícios económicos trazidos às regiões ricas em lítio pela exploração de uma parte dessas minas, tanto a nível demográfico como social? Não há aqui um lamentável elitismo destes defensores da paisagem, completamente esquecidos dos habitantes que dizem defender?
Dando dois outros exemplos e guardadas as devidas proporções, parece-me perfeitamente ridículo o ataque que alguns grupos ambientalistas desferem contra todos os alimentos geneticamente modificados, como se não fossem eles a esperança que nos resta para alimentar, no futuro, a inevitável fome que já ameaça uma população mundial em crescimento explosivo, ou contra os parques eólicos, devido ao seu alegado efeito pernicioso sobre as aves, cujas rotas migratórias ficariam assim prejudicadas, como se não houvesse muito maior prejuízo para elas devido aos desperdícios das cidades, que lhes alteram os hábitos alimentares e contribuem para, isso sim, alterar profundamente as suas rotinas e migrações naturais.
Sem menosprezar o papel fundamental do AMBIENTALISMO INFORMADO CIENTIFICAMENTE sobre as medidas a favor do Planeta, alerto para o imediatismo pouco ou nada fundamentado de um número crescente de boas-vontades, ignorantes dos mecanismos naturais que dizem defender.
As suas acções, abundantemente cobertas pelos media, variam entre efeitos verdadeiramente benéficos e educativos através da sua acção no terreno, que saúdo vivamente, e um fundamentalismo ridículo que só pode desprestigiar a sua acção.
Estudemos e aprendamos com os cientistas como fez e faz Greta Thunberg, grande defensora, por exemplo, dos automóveis eléctricos, com baterias a lítio... Dá trabalho, mas vale a pena!
 

sexta-feira, 1 de novembro de 2019


O SONHO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 31 de Outubro de 2019


Há pouco mais de dois anos publiquei, neste Jornal, um artigo sobre as jornadas de 1 de Outubro, reinício da luta activa dos independentistas catalães, nas ruas de Barcelona e por todo o seu território, pelo referendo com que tentaram legitimar democraticamente o estatuto de independência para este rico e progressista pedaço da terra ibérica.
As esperanças desses dias foram totalmente goradas, primeiro pelo autoritarismo castelhano de um galego de má memória, Mariano Rajoy, com o devido “respaldo” do seu rei, Filipe VI, esperando-se agora, quando a “solução judicial” contra os dirigentes desse movimento patriótico vinha dar alguma esperança de que um indulto ou, simplesmente, a inteligência de não repetir erros do passado, poderia apaziguar os ânimos e conduzir ao urgente diálogo.
Pelo contrário, vemos os dirigentes independentistas presos condenados a pesadíssimas penas de prisão, ao estilo da Santa Inquisição, e Puigdemont, o Presidente eleito, chamado a Espanha para arcar com as consequências do seu “crime”, sem que o actual dirigente socialista da Espanha tenha mexido uma palha para abrir o urgentíssimo diálogo entre a ressabiada Espanha franquista e este heróico povo que ainda consegue manter propósitos pacifistas apesar da repressão que regressou em força às suas ruas.
A presença nas manifestações de grupos extremistas e provocadores, vem dar ainda maior força à necessidade de um diálogo urgente fraterno.
A memória sangrenta da Guerra Civil, com os seus incontáveis mortos, poderá ser um pesado dissuasor da clemência devida aos catalães independentistas, porventura um perigoso agitar das águas em vésperas de dificílimas eleições… mas momentos difíceis exigem dirigentes corajosos e com fortes convicções e capacidade de diálogo, não dirigentes pusilânimes e borrados de medo, se me é permitida a expressão pouco educada…
Goya, o pintor das guerras napoleónicas e das suas atrocidades que, nos “Desastres da Guerra” e nos “Fuzilamentos de 3 de Maio” plasmou toda uma denúncia arrepiante dos males da guerra, representara já, graficamente, poucos anos antes, nos seus “Caprichos” cuja primeira gravura, “El sueño de la razón produce monstruos”, os perigos do domínio do irracional sobre a razão, associada aquela aos piores horrores que assombraram e continuam a assombrar a humanidade.



Esses desenhos e pinturas proféticas parecem prever com uma arrepiante precisão, essa outra guerra, a que atrás me refiro, a Guerra Civil de Espanha de que outros grandes pintores espanhóis como Dalí e Picasso, deixaram testemunhos, respectivamente a “Premonição da Guerra Civil”, de 1934 a 1936, e a famosíssima “Guernica” de 1937. 



Aí se regressa a Goya e aos seus terríveis fantasmas, com os pesadelos que, pelos vistos, fazem ainda muitos espanhóis transpirar…