sábado, 1 de fevereiro de 2020



OS MONSTROS DE GUILLERMO DEL TORO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 23 de Janeiro de 2020



             O cineasta mexicano Guillermo del Toro deixou já marcas luminosas na história do Cinema ao realizar, entre muitos outros, dois dos filmes mais fascinantes que me invadiram a inteligência e os sentidos, “O Labirinto do Fauno” (de 2006) e “A Forma da Água” (de 2017).
            Num tempo em que o mundo é governado por verdadeiros monstros, fruto de uma tendência que vem do passado e teve o seu apogeu no “civilizado” século XX, é salutar compará-los com os “monstros” das fábulas, da mitologia, da imaginação, alguns muito antigos e nascidos das profundezas da psique, do inconsciente colectivo, outros radicados nas fantasias urbanas de um desbravar das fronteiras do universo, intra ou extra terrestres.
            É esse o caso destes dois filmes, o primeiro situado no pós Guerra Civil de Espanha, o outro em plena Guerra Fria, ambos dominados pela crueldade de sádicos torcionários, um, capitão das forças franquistas impondo a ferro e fogo a nova ordem fascista, o outro, um coronel norte-americano, possuidor de todos os estigmas antidemocráticos do macarthismo, ambos associados ao “apropriado” comportamento em relação às mulheres, ao preconceito contra todos os “diferentes”, dos negros e dos estrangeiros aos inimigos políticos…
            O Fauno e as Fadas, criaturas lendárias do “Labirinto”, ajudam a pequena Ofélia a reconquistar o mundo fantástico das suas origens, obrigando-a a ultrapassar todos os medos, sujeita que é a duras provas destinadas a testar a sua coragem e integridade, tudo no ambiente da resistência dos últimos guerrilheiros republicanos que combatem nas montanhas, a utopia política pura.
            Por outro lado, a criatura aquática que dá o nome e a razão de ser à “Forma da Água”, por quem se apaixona Elisa, a empregada muda do laboratório ultra-secreto onde está encerrado, aparece como o “monstro” destinado a ser vítima do sadismo do coronel Strickland dos serviços secretos, e das torturas associadas às experiências “médicas” que deveriam culminar no seu assassínio puro e simples.
Também neste caso é a mulher corajosa e pura, Elisa, que enfrenta o Mal no seu estado mais medonho, sujeita ela própria aos perigos bem reais deste outro labirinto em que se perdem as melhores intenções.
            Para não revelar mais do que é esperado do enredo, por outras palavras, para não “spoilar” qualquer dos filmes, resta-me referir a magnífica interpretação dos respectivos actores, a qualidade da realização, da imagem e da música, outros tantos motivos para ver urgentemente estes magníficos resultados da 7ª Arte, aqui mais do que nunca, a arte dos sonhos, embora estando aqui bem presentes os pesadelos criados pelos ditadores e candidatos a ditadores deste pouco promissor século XXI.
            Mas Guillermo del Toro reserva todas as suas esperanças, porventura muito realisticamente, para o campo da fantasia. Será que não merecemos mais do que isso?