OS MONSTROS DE GUILLERMO DEL TORO
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 23 de Janeiro de 2020
O cineasta mexicano Guillermo del Toro deixou
já marcas luminosas na história do Cinema ao realizar, entre muitos outros,
dois dos filmes mais fascinantes que me invadiram a inteligência e os sentidos,
“O Labirinto do Fauno” (de 2006) e “A Forma da Água” (de 2017).
Num
tempo em que o mundo é governado por verdadeiros monstros, fruto de uma
tendência que vem do passado e teve o seu apogeu no “civilizado” século XX, é
salutar compará-los com os “monstros” das fábulas, da mitologia, da imaginação,
alguns muito antigos e nascidos das profundezas da psique, do inconsciente
colectivo, outros radicados nas fantasias urbanas de um desbravar das
fronteiras do universo, intra ou extra terrestres.
É
esse o caso destes dois filmes, o primeiro situado no pós Guerra Civil de
Espanha, o outro em plena Guerra Fria, ambos dominados pela crueldade de
sádicos torcionários, um, capitão das forças franquistas impondo a ferro e fogo
a nova ordem fascista, o outro, um coronel norte-americano, possuidor de todos
os estigmas antidemocráticos do macarthismo, ambos associados ao “apropriado”
comportamento em relação às mulheres, ao preconceito contra todos os
“diferentes”, dos negros e dos estrangeiros aos inimigos políticos…
O
Fauno e as Fadas, criaturas lendárias do “Labirinto”, ajudam a pequena Ofélia a
reconquistar o mundo fantástico das suas origens, obrigando-a a ultrapassar todos
os medos, sujeita que é a duras provas destinadas a testar a sua coragem e
integridade, tudo no ambiente da resistência dos últimos guerrilheiros
republicanos que combatem nas montanhas, a utopia política pura.
Por
outro lado, a criatura aquática que dá o nome e a razão de ser à “Forma da
Água”, por quem se apaixona Elisa, a empregada muda do laboratório
ultra-secreto onde está encerrado, aparece como o “monstro” destinado a ser
vítima do sadismo do coronel Strickland dos serviços secretos, e das torturas
associadas às experiências “médicas” que deveriam culminar no seu assassínio
puro e simples.
Também neste caso
é a mulher corajosa e pura, Elisa, que enfrenta o Mal no seu estado mais medonho,
sujeita ela própria aos perigos bem reais deste outro labirinto em que se
perdem as melhores intenções.
Para
não revelar mais do que é esperado do enredo, por outras palavras, para não “spoilar”
qualquer dos filmes, resta-me referir a magnífica interpretação dos respectivos
actores, a qualidade da realização, da imagem e da música, outros tantos
motivos para ver urgentemente estes magníficos resultados da 7ª Arte, aqui mais
do que nunca, a arte dos sonhos, embora estando aqui bem presentes os pesadelos
criados pelos ditadores e candidatos a ditadores deste pouco promissor século
XXI.
Mas
Guillermo del Toro reserva todas as suas esperanças, porventura muito
realisticamente, para o campo da fantasia. Será que não merecemos mais do que
isso?
Sem comentários:
Enviar um comentário