MORTE E DESTRUIÇÃO NA ARTE OCIDENTAL
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 24 de Setembro de 2020
Nesta época de pandemia, que acorda em todos nós pavores muito antigos, poderá parecer demasiado mórbida e de mau gosto a revisitação de imagens artísticas que recordam os maiores pavores da Humanidade, literariamente representados na alegoria dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, símbolo da precariedade das vidas humanas, presas por um fio apesar dos inegáveis progressos das Ciências e do aparente domínio da Natureza pela Humanidade.
Na verdade, mórbido mais do que tudo, é o combustível diariamente alimentado pelos media, das páginas da imprensa escrita ou televisiva às redes sociais, buscando através do sensacionalismo mais elementar esse pequeno arrepio que faz vender.
Desde a Antiguidade mais remota, as “pestes”, epidemias com que os deuses castigavam os pobres mortais pelas mais pequenas faltas, se associaram a outras causas de morte colectiva, todas elas incontroláveis, não apenas devido ao estádio então primitivo da Medicina mas, acima de tudo, por obra e graça da própria acção humana, voluntariamente desencadeada como forma de domínio sobre outros seres humanos.
Sabemos pouco sobre os primórdios desses “medos”, mas desde o mito do Dilúvio, da caixa de Pandora e outros de origem mesopotâmica, comuns a muitas das civilizações mais antigas, a sua melhor representação literária reside nas páginas da Bíblia, no “Apocalipse de S. João”, em que quatro míticos cavaleiros desencadeiam todos os males da Terra antes do confronto final entre as forças celestiais e as demoníacas, com a necessária vitória daquelas.
O “happy end” do Apocalipse repercute-se em muitas das literaturas do Ocidente, especialmente na ficção norte-americana, embora não corresponda a uma tradição literária obrigatória, o que está patente nos grandes clássicos da Literatura, dos Gregos a Shakespeare.
O triunfo final de Deus – ou do Bem – não corresponde necessariamente ao triunfo dos humanos, mas há vitórias e vitórias, porque o “vilão” a abater é sempre o mesmo, Satanás, e ele acabará inexoravelmente sepultado nas entranhas da Terra, como aconteceu com os Gigantes e os Titãs da mitologia grega no seu frustrado assalto ao Olimpo.
Cada um dos quatro Cavaleiros” do Apocalipse corresponde a um dos grandes males que afligiam e continuam a afligir a Humanidade, e são sucessivamente representados, respectivamente, como a Peste – símbolo de todas as pandemias – cavaleiro branco armado com as flechas indutoras da doença, tal como o Apolo grego que o antecede na Mitologia clássica, a Morte, montada no seu cavalo amarelo esverdeado, símbolo da decomposição, a Fome com uma balança na mão, montada num cavalo negro, e a Guerra no seu corcel vermelho, armada com uma longa espada sangrenta, como é patente na famosa iluminura do “Apocalipse de Lorvão” de 1189.
A obra “mais clássica” representando os terríveis Cavaleiros é a de Albrecht Dürer, uma gravura de 1498, extraordinária de dinamismo, e bem longe do arcaísmo das representações medievais como a de Lorvão.