sexta-feira, 4 de setembro de 2020



OS TRABALHADORES E O POVO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 3 de Setembro de 2020

A insistência na contestação do uso das máscaras de protecção anti- coronavírus por parte de organizações diversas tanto de direita como de esquerda, um pouco por todo o mundo, é um péssimo sintoma de um pensamento retorcido que não só assume contornos no mínimo suicidários, como inscreve tais raciocínios dentro das mais absurdas teorias da conspiração.
Afirmar-se a “sujeição” à “ditadura da máscara” como uma inaceitável limitação da liberdade parece tão ilógico como o seria defender a abolição dos cintos de segurança nos automóveis ou a liberdade de usar o telemóvel na estrada, ou outros disparates que não apenas conspirariam contra a própria segurança dos seus defensores – o que seria o menor dos males, pois cada um deve ser responsável pelos riscos que assuma correr – mas principalmente das inocentes vítimas dessa criminosa imprudência, no limite vitimadora da sua própria família.
Esta argumentação tem sido abundantemente defendida nas próprias redes sociais, elas habitualmente tão avessas à simples lógica, mas neste caso exemplar, um número crescente de defensores se ergue nas grandes praças deste mundo, assumindo orgulhosa e estupidamente, a sua recusa das mínimas condições de segurança!
Dir-se-ia que esta manifestação de arrojo, de “coragem”, felizmente de uma ainda minoria, configura uma espécie de afirmação dos últimos suspiros de uma espécie condenada à extinção, nós próprios...
Talvez a tão sábia como cega Natureza que tão agredida tem sido, se apreste a conceder à espécie humana a misericórdia da sua limitação aos recursos que tão depauperados têm sido e não permitem alimentar as massas crescentes de famintos que invadem as nossas cidades e as rotas de fuga dos grandes conflitos que ensanguentam um número crescente de países.
Claro que são os pobres as suas principais vítimas, que os ricos estão bem protegidos por detrás dos muros que construíram nas fronteiras da fome, piedosamente escondidas pela nova geração de ditadores de que são vanguarda os Trumps deste mundo.
E enquanto se erguem as vozes cada vez menos tímidas dos inimigos do confinamento, eles próprios ignoram ostensivamente os perigos derivados da sua recusa, quando organizam espectáculos de massas ao arrepio de toda a prudência, preferindo preencher a sua agenda política, como se as suas festas, tanto a nível oficial como privado não oferecessem os perigos que enxergam nas actividades da concorrência!
Conteúdos diferentes e pseudo inócuos têm os desportos de massas, os bárbaros espectáculos de toiros, festas religiosas e muitas das manifestações políticas colectivas, de que é triste exemplo a Festa do Avante, que arvoram à categoria de virtude cívica, ou tradicional, ou outra coisa qualquer, a manutenção dessas actividades, como se elas representassem algo mais do que a sua simples manifestação de força, confundindo-a demagogicamente com a própria salvação da Democracia!
Esse mimetismo artificial entre grandes manifestações de massas e a defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, é um mal disfarçado alibi para excepcionalizar comportamentos de risco
A própria comparação, em pé de igualdade, entre as comemorações do 25 de Abril ou do 1º de Maio, com a Festa do Avante é, no mínimo, altamente tendenciosa e abusiva.
A diferença entre elas é não só de dimensão e de significado, sendo o 1º de Maio de nível planetário e o 25 de Abril a grande Festa portuguesa da Liberdade, não sendo nenhuma delas limitada aos interesses de qualquer Partido, Movimento, interesse particular ou momento político e social.
Isso não implica, obviamente, as necessárias cautelas nos comportamentos de risco. Apostamos nisso as nossas próprias vidas.
A nossa Democracia tem cometido erros, mas o menor não será decerto escamotear a realidade. E a realidade é fundamental para se enfrentar os graves problemas da Humanidade.

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