O Templário,
23-10-2014
|
A
lógica do poder não se aplica apenas em termos sociais, através do domínio de
classes sobre outras classes, por outras palavras, dos ricos sobre os pobres, mas
também através da aplicação dos hábitos de rapina dos países mais poderosos
sobre os menos poderosos. Aliás essa exteriorização imperialista acaba por se
reflectir no saque do património histórico e artístico dos dominados pelos
dominadores.
Essa
violência exercida sob os mais falsos pretextos levou a uma acumulação imoral
de obras de arte extremamente significativas de culturas antigas nos grandes
centros do poder das potências que as submergiram através do seu poderio
militar ou económico.
Este
domínio que “justifica” o roubo de tantas e tantas preciosidades, explica a
riqueza do espólio dos grandes museus do mundo, tais como o British Museum, o
Louvre, ou o Museu Egípcio e Pergamon de Berlim, isto para apenas citar alguns
exemplos.
De
facto, muitos dos bens culturais que ornamentam esses grandes museus foram
pilhados sem piedade, muitas vezes com a conivência entusiástica das
autoridades locais e a colaboração das próprias populações. Pela força, pelo
dinheiro ou por interpretações dúbias da legislação, que não tinha ainda
reconhecido a importância desse património, nem sequer o reconhecia como parte
da identidade cultural.
Os
frisos
do Parténon, esculpidos por Fídias, foram serrados do grande templo de Atenas e transportados para Londres,
por iniciativa do embaixador Lord Elgin, onde 160 metros dessa obra prima podem
ser admirados no Museu Britânico. Os restos do friso, desprezados pelo diplomata,
foi o que restou ao povo a que pertenciam.
O
busto
de Nefertiti, a esposa do faraó Aquenaton, obra-prima da escultura
egípcia e mundial, pertence hoje ao museu Egípcio de Berlim, enquanto o Altar
de Pérgamo, antiga colónia grega da Ásia Menor – hoje Turquia – está
exposto, a par da Porta de Ishtar da famosa cidade de Babilónia – no actual
Iraque – no Museu Pergamon também em Berlim.
No
Louvre podemos admirar uma das estátuas mais famosas do mundo, a Afrodite
de Milo, trazida daquela ilha grega, e o famoso Código de Hamurábi, da
antiga Babilónia, enquanto no centro da Praça da Concórdia, também em Paris,
está erigido um dos dois obeliscos que ornavam a entrada do
templo egípcio de Luxor.
Durante
as invasões francesas em Portugal, além das terríveis destruições efectuadas
pelos soldados invasores em obras de arte diversas, como os túmulos
reais de Alcobaça e da Batalha, em busca de tesouros
imaginários, muito património foi roubado e transportado para França com a
conivência dos nosso aliados britânicos... É muito provavelmente o caso do
manuscrito da Crónica da Guiné, de Gomes Eanes da Azurara, mais tarde
encontrado na Biblioteca Nacional de Paris.
Estes
pequenos mas importantes exemplos dizem apenas respeito à apropriação por países estrangeiros de património de
países dominados em determinado momento da sua história. Mas também os grandes
centros de cada país procederam e procedem de igual forma relativamente ao
património das cidades e vilas da “província”, como acontece neste nosso
Portugal.
Veja-se
as obras expostas no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa: aí se encontra o
quadro Martírio de S. Sebastião, de Gregório Lopes, encontrando-se no
seu local original, a Charola do Convento de Cristo, uma cópia do mesmo. E o
mesmo irá decerto acontecer com A Última Ceia, do mesmo autor, agora
exposta no Museu Diocesano de Santarém, se não for cumprida a promessa de o
mesmo ser devolvido no prazo de um ano ao local de onde foi abusivamente tirado,
a Igreja de S. João Baptista... Isso depende inteiramente da vontade dos
tomarenses, que deverão exigir o seu cumprimento.
Os
argumentos que “justificam” os diversos saques, desde as melhores condições
oferecidas para a conservação do património, ao investimento feito no seu
restauro ou exposição ou, até, apoiados em legislação ultrapassada, são
argumentos que não passam de desculpas de mau pagador, estribadas numa
arrogância cultural a que não mais nos podemos resignar.
Carlos
Rodarte Veloso