domingo, 19 de outubro de 2014

O Templário, 16-10-2014
 
Lições da História
A ausência de memória histórica marca perigosamente o pensamento político deste século ainda verde. Vive-se hoje o “aqui e agora” como a única realidade existente para a classe política, enquanto tudo o mais é vertido no caixote do lixo de um passado de cuja existência se parece duvidar.
Temos assistido ao retorno sistemático de soluções que noutro tempo se revelaram, não apenas erradas mas, por vezes, catastróficas. Parece que os (maus) exemplos de um passado nem por isso muito distante apenas serve para ornamentar as páginas dos livros de História, agora apenas úteis ao exibicionismo social de uns quantos snobes.
O liberalismo, não o político, entendido “à americana” – para os nossos vizinhos transatlânticos um sinónimo de “esquerda” - , mas o velho liberalismo económico da 1ª Revolução Industrial, é um desses casos. Criador de riqueza para os seus promotores, foi um terrível factor de opressão e de miséria para as classes trabalhadoras que, apenas com a sua luta e sua trágica participação em duas guerras mundiais, várias revoluções e muitos outros conflitos regionais, conseguiram ganhar reconhecimento e alguma justiça social. Esse facto foi de tal forma reconhecido, especialmente depois da terrível crise económica de 1929 e da sua superação pelo “New Deal” de Franklin Roosevelt, que durante anos o desacreditado liberalismo económico ficou praticamente esquecido sob o entulho das desgraças acontecidas.
Assim nasceu o “Estado Social” com as inúmeras reformas que, ao beneficiarem os trabalhadores, beneficiaram igualmente a sociedade no seu todo, insuflando-lhe vida e dinamismo e repartindo minimamente a riqueza global. A difusão desse benefício por um número crescente de países, trazia a esperança num mundo melhor.
Mas os antigos privilegiados que, nunca deixando e o ser, aspiravam a um controlo total do mundo, serviram-se das dificuldades de gestão de uma demografia explosiva, associada ao aumento da longevidade das populações e ao desaparecimento do Bloco de Leste que, apesar das terríveis contradições que encerrava, parecia equilibrar a situação a nível mundial. Ao invés de verem nessa situação um desafio para, através de uma mais inteligente gestão dos recursos, se conseguir uma mais igualitária distribuição da riqueza, procuraram, pelo contrário, ressuscitar o liberalismo económico, agora crismado de neoliberalismo, sofisticadamente servido pelo anteriormente execrado controlo estatal.
Pode dizer-se que as lições da História que comprovavam a falência do liberalismo económico foram de todo esquecidas, e as soluções encontradas pelas classes dominantes apenas agravaram as novas crises que depois foram surgindo em série, confiscando de forma imparável o que ainda restasse do moribundo Estado Social. 
É essa a realidade desta distopia em que o mundo se está a converter: o alargamento e aprofundamento do fosso entre os muito ricos e a massa cada vez mais imensa dos pobres. Esse fosso torna-se abismo e mais do que a uma diferenciação de classes, parecemos assistir antes a uma diferenciação de espécies biológicas. Parece que a ficção da Máquina do Tempo de H. J. Wells, com a espécie humana dividida entre Morlocks e Elois, os predadores e as suas presas, se concretizará num futuro não muito distante... A não ser que retomemos de vez o curso interrompido da marcha da Humanidade a caminho do Futuro.

Carlos Rodarte Veloso

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