domingo, 19 de outubro de 2014

O Templário, 2-10-2014
 
Descrédito e descaramento
A única palavra correcta e excessivamente bem-educada para o que hoje se passa neste governo que nos “governa” só pode ser descrédito. Quando vemos uma ministra da Justiça e um ministro da Educação a pedirem desculpas pelos erros crassos e o caos com que as suas acções afectaram a vida de milhares de Portugueses e, passados dias, tudo continuar na mesma, sentindo-se os altos responsáveis desobrigados de corrigirem rapidamente esses erros pelo simples facto de se terem desculpado, há outra palavra: descaramento!
E o que faz, entretanto, o mais alto responsável desse governo? Enrola-se em meias-tintas sobre a declaração de rendimentos que deveria ter entregue após o término do seu mandato como deputado. As dúvidas publicamente levantadas sobre uma possível acumulação do seu vencimento parlamentar com rendimentos provenientes de uma empresa particular perturbam claramente a sua olímpica arrogância perante quaisquer críticas: primeiro não se lembra e remete para a Assembleia da República o esclarecimento do caso, mas uma semana depois já tem a certeza de que nada recebeu dessa empresa, apenas o reembolso das respectivas despesas de representação (viagens, almoços, coisas dessas)... mas recusa-se a dizer qual a importância desses reembolsos ou a prescindir do seu sigilo bancário, para “não fazer o striptease dos seus rendimentos”...
Resta a hipótese improvável de o então deputado ter assim revelado o seu espírito altruísta ao trabalhar apenas “para aquecer”. As suas auto-declaradas mediania e ausência de ambição material empurram-no mais ainda para o paralelismo que parece cultivar desde o primeiro dia, até pela sua imagem de marca, com o velho senhor que governou Portugal ao longo de quarenta anos.
Poderíamos dizer que o governo está a entrar numa fase má, em que as coisas têm corrido mal, coitados! O pior é que os factos agora trazidos a público, o reconhecimento – finalmente! – de erros e a fragilidade da memória de Passos Coelho, são apenas a ponta de um gigantesco icebergue que está destruir o nosso país com a mais completa impunidade dos seus agentes. Mais cedo ou mais tarde, os sintomas zelosamente escondidos ao longo deste últimos anos, viriam ao de cima.
O Ensino, a Justiça e a Saúde, os maiores bens incrementados pelo 25 de Abril, estão a ser sistemática e cruelmente destruídos por estes autênticos agentes de interesses que vão muito para além daquilo que tróicas, banca, mercados e tudo o que nos tem oprimido lhes têm exigido. Por isso, não são as desculpas oportunistas de algumas figuras que excederam largamente a sua reserva de incompetência, ou as trapalhadas de um primeiro ministro bem menos cumpridor do que a sua máscara deixava transparecer, que vão modificar seja o que for no hediondo estado a que as coisas chegaram no nosso país.
Apenas o tão esperançosamente aguardado resultado das Primárias do PS alimentava ainda alguma esperança de uma reviravolta política que devolvesse ao nosso povo a capacidade de voltar a ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro. E esse resultado excedeu todas as expectativas: um país inteiro veio trazer um ar de Abril a este Outono invernal, infernal. É a esperança o último dos bens, e dela nos vamos alimentar até que os resultados de um acto eleitoral que, adivinha-se, será muito, muito participado, comece a corrigir os muitos males de três anos de desgraça. Não de repente, porque os males são demasiados.
A unidade da Esquerda seria a cereja em cima do bolo, mas esse desígnio, historicamente tão difícil, revelou já alguns obstáculos, quando Jerónimo de Sousa, com o seu ar de profeta do Antigo Testamento, considera estas Primárias uma farsa! Qual Noé antes do Dilúvio, do alto da sua arrogância das certezas absolutas, continua a viver o sonho de alvoradas radiosas, orgulhosamente só, como o Outro. E como Passos Coelho!

Carlos Rodarte Veloso

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