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Descrédito e descaramento
A
única palavra correcta e excessivamente bem-educada para o que hoje se passa
neste governo que nos “governa” só pode ser descrédito. Quando vemos uma ministra da Justiça e um ministro da
Educação a pedirem desculpas pelos erros crassos e o caos com que as suas
acções afectaram a vida de milhares de Portugueses e, passados dias, tudo
continuar na mesma, sentindo-se os altos responsáveis desobrigados de
corrigirem rapidamente esses erros pelo simples facto de se terem desculpado,
há outra palavra: descaramento!
E
o que faz, entretanto, o mais alto responsável desse governo? Enrola-se em
meias-tintas sobre a declaração de rendimentos que deveria ter entregue após o
término do seu mandato como deputado. As dúvidas publicamente levantadas sobre
uma possível acumulação do seu vencimento parlamentar com rendimentos
provenientes de uma empresa particular perturbam claramente a sua olímpica arrogância
perante quaisquer críticas: primeiro não se lembra e remete para a Assembleia
da República o esclarecimento do caso, mas uma semana depois já tem a certeza
de que nada recebeu dessa empresa, apenas o reembolso das respectivas despesas
de representação (viagens, almoços, coisas dessas)... mas recusa-se a dizer
qual a importância desses reembolsos ou a prescindir do seu sigilo bancário,
para “não fazer o striptease dos seus rendimentos”...
Resta
a hipótese improvável de o então deputado ter assim revelado o seu espírito
altruísta ao trabalhar apenas “para aquecer”. As suas auto-declaradas mediania
e ausência de ambição material empurram-no mais ainda para o paralelismo que
parece cultivar desde o primeiro dia, até pela sua imagem de marca, com o velho
senhor que governou Portugal ao longo de quarenta anos.
Poderíamos
dizer que o governo está a entrar numa fase má, em que as coisas têm corrido
mal, coitados! O pior é que os factos agora trazidos a público, o
reconhecimento – finalmente! – de erros e a fragilidade da memória de Passos
Coelho, são apenas a ponta de um gigantesco icebergue que está destruir o nosso
país com a mais completa impunidade dos seus agentes. Mais cedo ou mais tarde,
os sintomas zelosamente escondidos ao longo deste últimos anos, viriam ao de
cima.
O
Ensino, a Justiça e a Saúde, os maiores bens incrementados pelo 25 de Abril,
estão a ser sistemática e cruelmente destruídos por estes autênticos agentes de
interesses que vão muito para além daquilo que tróicas, banca, mercados e tudo
o que nos tem oprimido lhes têm exigido. Por isso, não são as desculpas
oportunistas de algumas figuras que excederam largamente a sua reserva de
incompetência, ou as trapalhadas de um primeiro ministro bem menos cumpridor do
que a sua máscara deixava transparecer, que vão modificar seja o que for no
hediondo estado a que as coisas chegaram no nosso país.
Apenas
o tão esperançosamente aguardado resultado das Primárias do PS alimentava ainda
alguma esperança de uma reviravolta política que devolvesse ao nosso povo a
capacidade de voltar a ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro. E esse
resultado excedeu todas as expectativas: um país inteiro veio trazer um ar de
Abril a este Outono invernal, infernal. É a esperança o último dos bens, e dela
nos vamos alimentar até que os resultados de um acto eleitoral que, adivinha-se,
será muito, muito participado, comece a corrigir os muitos males de três anos
de desgraça. Não de repente, porque os males são demasiados.
A
unidade da Esquerda seria a cereja em cima do bolo, mas esse desígnio,
historicamente tão difícil, revelou já alguns obstáculos, quando Jerónimo de
Sousa, com o seu ar de profeta do Antigo Testamento, considera estas Primárias
uma farsa! Qual Noé antes do Dilúvio, do alto da sua arrogância das certezas
absolutas, continua a viver o sonho de alvoradas radiosas, orgulhosamente só,
como o Outro. E como Passos Coelho!
Carlos
Rodarte Veloso
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