domingo, 15 de fevereiro de 2015

Cobardia
Publicado em O Templário,  12 Fevereiro, 2015

 As andanças do governo grego por terras da Europa em busca de acordos que libertem o seu país da condenação a que os donos da “União” o votaram, desvenda o rosto hediondo da ganância e do imperialismo pangermânicos e – maior nojo! – dos seus lacaios, também marcados pelo ferrete do endividamento e que, com a rasteira adulação dos seus senhores, procuram a todo o custo agradar-lhes e, assim, cair-lhes nas boas graças.
É difícil encontrar alguma coisa mais nojenta do que a competição dos pobres para agradar a um rico à custa de outro pobre. E, no entanto, é exactamente isso que se passa, quando vemos palavrosos Coelhos e seus ministros a tirarem da cartola os salamaleques da sua cobardia, assim os oferecendo aos caçadores que, de arma em punho, os ameaçam nas respectivas tocas, enquanto não menos ameaçados vizinhos os provocam com cínicas ofertas de... gravatas de seda, decerto para os asfixiar, ou com nobres conselhos, a coisa mais barata que existe, principalmente quando se limitam a repetir até à náusea, as recomendações dos seus donos e senhores.
Na verdade, cada vez mais submetidos aos ditames dos mercados, sagrada palavra que representa a máxima divindade do nosso tempo, os míopes governantes desta Europa que tão promissora era, pensam apenas em preservar a hegemonia das potências preponderantes, ignorando que a principal dessas mesmas potências sobreviveu e prosperou precisamente à custa de um resgate concedido pelos países e povos que antes tinha barbaramente destruído, ainda por cima com o perdão de grande parte da dívida e de todos os juros!
Esses comportamentos só podem contribuir para enfraquecer a tão desejada União Europeia e, muito provavelmente, lançar nos braços de outras potências concorrentes mas nem por isso mais democráticas, essa Hélade que deu à luz esta mesma Europa e o regime que, mesmo com os seus enormes defeitos, ainda é o farol da esperança da humanidade: a Democracia.
Por isso, eu tenho um sonho: que apesar do desmedido calculismo dos agentes das principais potências europeias, dos egoísmos nacionais, da sua arrogância, da própria estupidez, sejam encontradas as pontes que reconheçam o direito da Grécia e das velhas nações europeias à autodeterminação. Uma coisa tão simples!

Carlos Rodarte Veloso

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O Templário, 29-1-2015

Sobreviver ao Inverno

Enquanto me chegam ecos de uma indiscutível vitória da Esquerda no berço da Democracia, nessa tão vilipendiada Grécia, vou pensando no capital de esperança desperdiçado ao longo dos últimos anos neste país que é Portugal, que soube também usar muito precocemente formas democráticas para resolver  os seus problemas, mesmo contra todas as expectativas.
Quando em 1383 nomeou um tal Mestre de Avis como defensor e regedor do Reino, Lisboa rompia com os usos estabelecidos que davam prioridade absoluta à legalidade do sangue, do puro-sangue, nos destinos das nações. Como se a tal “pureza”  do sangue se pudesse confundir com a pureza das intenções,  como se só o filho legítimo de um rei tivesse o sagrado direito ao poder... Ao poder absoluto. E o Mestre tornou-se rei, apoiado – corrijo, Eleito – nas Cortes de Coimbra. Esse interregno democrático não durou muito e as coisas voltaram ao que costumavam ser, mesmo depois da formidável vitória de Aljubarrota. Mas o novo mundo e geração de gentes daí nascido, mudou o mundo para sempre, mas deixou por toda a terra as sementes de novas injustiças.
E do 25 de Abril de 74, não se lembram já? Esqueçam as comemoraçõezinhas de agora, apenas destinadas a afirmar a pseudodemocraticidade de A ou B, e lembrem-se do povo nas ruas a endireitar o que estava torto, a lembrar que o poder não pertence a esta nova aristocracia sórdida, do dinheiro, do capital, que decide, corta, divide, esbanja e rouba, em nome... de quê, meus senhores? E ainda dá lições de moral àqueles que inferniza dia a dia, ao mesmo tempo que os espolia dos bens e, pior ainda, da esperança.
Também a Grécia tivera, séculos antes, a sua experiência democrática, o século de Péricles, lembram-se? E o seu exemplo uniu o Ocidente com o Oriente, mesmo regressando depois aos usos antigos.
São estes clarões que iluminam a Humanidade, estas pontes que fazem valer a pena viver, deixando um rasto de esperança que lhe permite sobreviver até à próxima  Primavera. Num qualquer mês de Abril, ou Maio, o que interessa?
Hoje na Grécia, amanhã em Portugal, quem sabe?

Carlos Rodarte Veloso