Mitos urbanos
Publicado em “O Templário” de 25 de
Junho de 2015
É um verdadeiro lugar-comum dizer que os
políticos mentem. Creio que não há profissão no mundo mais exposta a esse tipo
de acusação, infelizmente com sobejas razões. Já é menos vulgar que esses
mesmos indivíduos sejam descarados ao ponto de contradizer anteriores
declarações registadas nos media, agora perante uma assembleia de outros
políticos – e do país em peso – que são testemunhas presenciais ou em diferido,
das ditas, agora desditas declarações...
E, no entanto, foi o que se passou com
o nosso primeiro-ministro durante uma muito recente sessão da Assembleia da
República.
Vem ele agora declarar que o seu
convite aos jovens desempregados para emigrar não passa de uma invenção, de um
“mito urbano”, dos muitos com que tem sido mimoseado pela pérfida Oposição.
Releio as diversas declarações, dele
e de colaboradores seus, e a ideia que me fica é de que Passos Coelho tenta,
literalmente, atirar areia para os olhos dos seus potenciais eleitores.
Se não,
vejamos: na sua entrevista de Dezembro de 2011 ao Correio da Manhã, ele aconselha a emigração aos professores
desempregados, como forma de evitar o desemprego. E cito: "Angola,
mas não só Angola, o Brasil também, tem uma grande necessidade ao nível do
ensino básico e do ensino secundário de mão de obra qualificada e de
professores. Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm nesta
altura ocupação e o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos.
Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que ou consegue nessa área
fazer formação e estar disponível para outras áreas ou querendo-se manter,
sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua
portuguesa e encontrar aí uma alternativa"
Que não é
uma declaração desligada do contexto, provam-no declarações no mesmo sentido,
proferidas nos meses anteriores por Alexandre Mestre, secretário de Estado da
Juventude e Desporto e por Miguel Relvas, seu ministro adjunto dos Assuntos
Parlamentares, amigo e homem de confiança.
Alexandre
Mestre, numa deslocação ao Brasil, convidava os jovens portugueses
desempregados, a emigrar, e cito, da agência Lusa: “Se estamos no desemprego,
temos que sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras”.
Miguel Relvas reitera em 16 de Novembro tais declarações perante a Assembleia da República, como forma de
encontrar oportunidades, “fortalecer a formação” e “conhecer outras realidades
culturais”!
Para quem
duvide de que as declarações prestadas por Passos Coelho em Dezembro de 2011
estão perfeitamente integradas no pensamento e na política do governo que
dirige, ou seja, dentro do contexto, basta comparar as três declarações atrás
citadas. Há uma coerência perfeita entre estes três políticos, na ligeireza, na
arrogância e no próprio desconhecimento da cultura que deveria ser a sua: como
pode um governante vir convidar os seus concidadãos a “conhecer outras
realidades culturais”, quando ignora absolutamente a do próprio país?
E que não
é uma atitude desgarrada, recordo que o conceito de “zona de conforto” já antes
tinha sido utilizado pelo próprio primeiro-ministro que, chocantemente, acusa
os seus acusadores de “piegas”. É um princípio da contrapropaganda – aprendi-o
na tropa – que repetir insistentemente uma mentira, ou um qualquer disparate,
acaba por convencer os mais prevenidos – quanto mais os ingénuos... E se tais
dislates forem proferidos com uma voz bem colocada, tendo em particular atenção
uma imagem simpática e carinhosamente cultivada, não haverá criatura que resista!
Temos
então, agora, os “mitos urbanos”. Sempre actualizado o nosso
primeiro-ministro... Até dá gosto!