quinta-feira, 27 de junho de 2019


UM MAR DE LÁGRIMAS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 27 de Junho de 2019

O “Mare Nostrum,” o maravilhoso Mediterrâneo, berço da Europa, torna-se, cada vez mais, o sepulcro das esperanças e dos corpos exangues dos condenados da Terra, dos fugitivos às guerras promovidas pelos poderes que hoje dominam o mundo.
Como sabemos, depois de um inicial acolhimento, muitas vezes condicional, geralmente em campos de refugiados com péssimas condições, desses fugitivos, desses sobreviventes de viagens arriscadíssimas em embarcações inacreditáveis em termos de segurança e salubridade, agora um número crescente de países europeus fecha-lhes violentamente as portas, sob os mais diversos pretextos, enquanto a vitória de partidos populistas de ideologia fascista começa a ameaçar com punições jurídicas draconianas os salvadores de grande número desses náufragos.
É o que acontece em Itália sob a batuta do seu insensível ministro do interior, Mateo Salvini, sob a acusação de… apoio à imigração ilegal (!), tráfego humano e posse de armas de fogo, tendo as duas últimas sido anuladas, mas mantendo-se a primeira, de que são acusados dez membros do navio de resgate “Iuventa”, entre os quais o jovem português Miguel Duarte, assim ameaçado de condenação a uma pena de 20 anos de prisão!
Ou seja, a tradicional “lei do mar” que obriga a recolher e agasalhar todos os náufragos referenciados por qualquer navio, mormente quando em perigo de vida, sob pena de graves penas judiciais, é aqui ignorada ostensivamente. As próprias leis da guerra obrigariam, pelo menos teoricamente, a recolher as tripulações de navios afundados, mesmo os considerados inimigos. Muitas vezes não cumprida, é, mesmo assim, considerada fundamental como conquista civilizacional.
A desumanidade desta acusação, para mais em tempo de paz, levantou um coro de protestos, tanto quanto sei pelas diversas forças políticas nacionais, pelo governo e pelo próprio Presidente da República, enquanto se organizou uma campanha de crowdfunding denominada “Salvar vidas não é um crime”, que já teve a adesão de mais de 100 mil pessoas, tendo sido angariados mais de 25 mil euros, e estará aberta até 12 de Julho.
A gravidade desta acusação do sinistro ministro do interior italiano inverte toda a lógica do que deve ser o comportamento humanitário reconhecido internacionalmente, antes dando aso ao abandono à sua sorte – morte! – de quantos passageiros dos mais rudimentares meios de navegação sejam avistados. Este comportamento é evidentemente um convite ao abandono de quaisquer sentimentos de solidariedade humana, é um regresso a tempos primitivos consentâneos com as leis da imigração de Trump e outros retrocessos civilizacionais que se têm verificado ultimamente, é um convite despudorado ao crime, ao verdadeiro crime de homicídio por negligência.
No país onde está instalada a Santa Sé e o seu dirigente máximo, o papa Francisco, espero com alguma esperança, da parte deste corajoso representante da igreja católica, que se junte à defesa dos corajosos tripulantes do “Iuventa” desta acusação inconcebível, só possível como fruto de uma mente muito doentia.

quinta-feira, 20 de junho de 2019



ARQUITECTURA EFÉMERA EM PORTUGAL DO

 ABSOLUTISMO AOS NOSSOS DIAS

Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 20 de Junho de 2019
            As embaixadas ao papa ou a outros grandes príncipes constituem uma forma muito especial de proporcionar um espectáculo de rua – no fundo, um triunfo – voltado para a propaganda de um país através da figura reinante, o monarca. Como nas Entradas Régias, trata-se de um espectáculo alegórico da sua fama – real ou pretendida – e poder, funcionando como forma de pressão para o reconhecimento de um qualquer direito ou exigência do país organizador.
            Também ficaram célebres algumas outras embaixadas a cortes estrangeiras, a fim de serem assinados tratados de paz, de comércio, ou outros, destinados a obter condições vantajosas para Portugal.
            Algumas das mais famosas embaixadas portuguesas tornaram-se factos políticos e artísticos notáveis, tais as suas repercussões.
            A embaixada de Tristão da Cunha, em 1515, a mandato de D. Manuel I, a Leão X, tinha como motivação declarada levar ao papa a obediência filial do rei de Portugal, e fez sensação em Roma, tanto pela riqueza e variedade dos trajos, como pelo exotismo da exibição do séquito, acompanhado pelo troar de trombetas e por espécimes animais como um elefante e um rinoceronte indianos e ainda as onças caçadoras do rei de Ormuz, que impressionaram fortemente os espectadores, entre poetas e artistas, entre os quais o grande pintor Rafael de Urbino.
            O verdadeiro móbil da embaixada seria sensibilizar Roma para a reivindicação portuguesa sobre os seus direitos à navegação e comércio do Oriente, e consequente reconhecimento e consolidação do Tratado de Tordesilhas.
            O reinado de D. João V, privilegiado que foi com o ouro do Brasil, foi fértil em acções de prestígio na exterior, caso da embaixada enviada a Paris em 1715, chefiada por D. Luís Manuel da Câmara, 3º conde da Ribeira Grande.
            “A sua entrada pública constituiria espectáculo impressionante da disposição grandiloquente e dissipadora do nosso rei […] Sete coches, esplêndidos na arte do traço e no precioso das madeiras, seguiam, puxados cada um deles por oito cavalos frísios e ladeados por pajens e criados ricamente trajados. Enquanto o cortejo avançava, ao longo das cinco horas que durou a tirada de meia dezena de léguas, o escudeiro do embaixador ia distribuindo medalhas comemorativas do acontecimento, gravadas com a efígie de D. João V, de que se tinham cunhado duzentas em ouro, com o valor de seis mil réis cada uma, e mil em prata, cotadas a trezentos réis cada (isto é, um milhão e quinhentos mil réis!) [BEBIANO, Rui, D. João V, Poder e Espectáculo, Aveiro, 1987, pp. 111-112). Assim se consolidava a paz com a França na sequência da Guerra da Sucessão de Espanha…
            Mas é no ano seguinte que tem lugar a mais faustosa embaixada da nossa História, enviada pelo Magnânimo ao papa Clemente XI, sob a chefia do marquês de Fontes. Teve especial brilho a inclusão no cortejo de oito coches em talha dourada dos quais ainda existem três, encomendados a artistas italianos [Fig.1], com figuras alegóricas em atitudes tipicamente barrocas. O móbil desta embaixada era a criação da Patriarcal de Lisboa, campanha em que o rei se empenhou ao máximo, nela gastando rios de dinheiro, o que foi mais tarde muito criticado pela historiografia liberal.


            Casamentos reais e outras festividades religiosas ou profanas, serviram para festividades de grande aparato e despesa, apresentando numerosos pontos comuns com as entradas régias, de que se poderá vincar, em linhas muito gerais:
                - Na canonização de Santo Inácio de Loiola e S. Francisco Xavier, organizada em 1622 pelos Jesuítas, foram utilizados arcos de triunfo e outros aparatos.
- O mesmo aconteceu em 1662 nos festejos em honra do casamento de D. Catarina de bragança com o rei Carlos II de Inglaterra.
                - Em 1666, a entrada pública de D. Afonso VI com D. Maria Francisca Isabel de Sabóia deu origem a festas que incluíram a construção de uma ponte para o desembarque da rainha, um forte de madeira para o fogo-de-artifício e os já habituais arcos triunfais.
                - Em 1687, nas festas públicas do casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo verifica-se a mais esplendorosa das entradas reais portuguesas, de que possuímos descrições várias, gráficas ou literárias, desde as aguarelas de João dos Reis, aos apontamentos de Luís Nunez Tinoco. A arquitectura efémera utilizada incluía a tribuna real, um pórtico e uma ponte com cerca de 800 palmos de comprimento, um forte de madeira para o lançamento do fogo-de-artifício, um jardim em perspectiva e várias fontes, carros alegóricos a utilizar nas toiradas então realizadas e ainda arcos triunfais aproximadamente no mesmo número dos da entrada de Filipe III, mas agora no estilo barroco [Fig.2]. Nem os festejos do casamento de D. João V com D. Maria Ana de Áustria, em 1708, atingiram o esplendor dos de 1687!

            Perfeitamente integrados na realidade festiva barroca, os autos-de-fé da inquisição, dispunham de tribunas destinadas à família real, altas individualidades e, claro está, “aos senhores inquisidores”, além de uma cenografia alegórica do Triunfo da Fé.
            Como não podia deixar de ser, a Festa termina no último dos limites, a Morte, neste caso do próprio rei… mas ainda é Festa! Na época barroca “a morte do rei era configurada como o último rito de submissão colectiva e marca o início da representação da história feita homem, do grande e singular herói, numa palavra, do homem valor. Tal como no cerimonial das entradas régias, a morte, com todo o aparato que a rodeia, assumia o sentido de ‘saída régia’. Não o da abdicação do poder, mas o da sua investidura fantástica pela memória […] manifestação póstuma de fidelidade.” [ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de, “Morte, Memória e Piedade Barroca”, Atitudes Perante a Morte, coord. António Matias Coelho, Coimbra, 1991, pp. 47-48].
            Teatral por excelência, frequentemente kitsch, a arquitectura efémera mantém ainda hoje o seu fascínio, tornando-se indispensável na maioria das manifestações festivas, locais ou internacionais. Nas festas populares desempenha um papel hoje ignorado pela erudição, mas cuja compreensão levaria longe na análise sociológica.
            No âmbito oficial é factor de prestígio nacional, objecto e meio de propaganda… Pense-se nas suas aplicações, a par dos edifícios construídos em pedra e cal – ou cimento e vidro – nas grandes Exposições Universais, Feiras Internacionais, Jogos Olímpicos… e em Portugal, em dois momentos tão diversos como em 1880, nas Comemorações Camonianas e, em 1940, na Exposição do Mundo Português, veículo de propaganda do “Estado Novo”. É dessa exposição o Padrão dos Descobrimentos em Belém, do escultor Leopoldo de Almeida e do arquitecto Cottinelli Telmo, exposto na dita Exposição e reconstruído em pedra e cimento em 1960.


            Em 1988, a Exposição Universal de Lisboa (Expo 98), representando Portugal e o Mundo das vésperas do novo milénio, demonstrou cabalmente que os padrões de representação das suas tão diversas manifestações visuais mantinham, apesar da sua modernidade, um paralelismo surpreendente com toda a parafernália de símbolos que tinham preenchido a arquitectura efémera das festas da Vida e da Morte do passado. Símbolos actualizados, sem dúvida, com diferentes significados, enriquecidos com novas tecnologias mas, agora e sempre, a pegada da humanidade no tempo.

quinta-feira, 6 de junho de 2019


ARQUITECTURA EFÉMERA EM PORTUGAL NO 

PERÍODO FILIPINO. AS ENTRADAS RÉGIAS EM

 LISBOA E TOMAR

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 13 de Junho de 2019

            Nos Países Baixos Católicos a relação monarca-súbditos torna-se de tal modo importante, que se torna “em instrumento para a definição da lei pública que regia as relações entre cidades e monarcas, especialmente por ocasião das sucessões de reinados passíveis de afectar as cidades flamengas. No decurso de um cortejo público, o soberano comprometia-se, por um juramento complexo, a garantir os direitos municipais consuetudinários. O juramento em si era designado por Elijde Inkomst ou Joyeuse Entrée, termo que gradualmente se tornou sinónimo de direitos garantidos pelo monarca […] Concomitantemente, os cidadãos passaram a considerar que o soberano se comprometia a acordos específicos e era costume apresentar-se queixas de “infracções” à Joyeuse Entrée, a qual tinha, já em 1549, atingido um estatuto legal preciso (ao tempo de Filipe, príncipe de Espanha). […]”
            A passagem de Portugal para o domínio espanhol coloca-o numa situação semelhante à dos Países Baixos, levando a atitudes semelhantes para com Filipe II — o primeiro de Portugal — nomeadamente em 1581, através da organização de uma cerimónia semelhante em Lisboa, que seria repetida em 1619. O uso de um cerimonial estranho à Península, estabelece um claro paralelismo entre a situação do povo português e a dos flamengos.
            Esta primeira Joyeuse Entrée   foi precedida, em 16 de Abril de 1581, da Entrada de Filipe II (I de Portugal) em Tomar, quando aqui veio para receber o juramento das respectivas Cortes. A Vila encontrava-se engalanada com aparato festivo, muito povo e a indispensável cerimónia de entrega das chaves, destacando-se, à entrada, “um Arco Triunfal ou portada de duas colunas, com sua cornija e arquitrave, tudo enfeitado de verdura e flores dos mais variados matizes, e donde se destacava, em  campo branco, este letreiro:

PHILIPPO, INVICTISSIMO, HIS / PANIARUM REX II LUSITA / NIAE VERO PRIMO
(A FILIPE II INVICTÍSSIMO REI DAS ESPANHAS E VERÍDICO PRIMEIRO DA LUSITÂNIA.)
           
            O arco era rematado pela Cruz de Cristo, a esfera armilar e o escudo das quinas.”
            Estava pois Lisboa pronta a receber o novo monarca, o que aconteceu a 29 de Junho. O cortejo organizado através da parte baixa da Cidade, iniciou-se com o desembarque do rei — vindo de Almada — nos Paços da Ribeira e o seu percurso, que viria a repetir-se em diversas ocasiões e reinados, até à Sé e, depois, em sentido inverso, de novo até ao palácio real. Embora não existam registos gráficos das decorações então construídas, podemos fazer delas uma ideia por terem sido parcialmente reutilizadas em 1619. O que veio depois a ser regra, a construção de arcos comemorativos pelas colónias estrangeiras em Lisboa, foi excepção em 1581, pois a única comunidade a apresentar o seu arco de triunfo foi, muito significativamente, a flamenga.
            Decerto não por acaso, foi sob este arco, o maior das festividades, que foram entregues ao rei as chaves de ouro da Cidade, que logo as devolveu ao magistrado, como era de uso. O arco media 54 pés de altura — cerca de 16 metros — e foi descrito como “arco triunfal em forma de castelo”. Havia outros arcos ou decorações alegóricas da iniciativa de diversas corporações dos Ofícios — oleiros, artesãos da cera e ferreiros — e da Casa da Moeda. Outro ponto alto do programa foi uma encenação do Triunfo da Fé, junto da Sé de Lisboa, presidida pelo Arcebispo, na qualidade de Inquisidor-Mor.
A exemplo de seu pai, Filipe III — segundo de Portugal — prepara, em 1609, uma visita a Portugal, já solicitada pela Câmara de Lisboa desde 1605. Esta, em grandes dificuldades financeiras, envia às Câmaras do País um pedido de subsídio para preparar festividades condignas. As respostas dão uma nota da penúria geral e, decerto de uma disposição cada vez menos favorável para com o Filipe.
            Exemplar é a da Câmara de Tomar: depois dos protestos de fidelidade do estilo e manifestações do grande júbilo causado por tal visita, desculpa-se de não poder contribuir para a entrada régia, por estarem “presos pelo Santo Ofício mais de 50 homens de nação [cristãos-novos] e ausentes muitos mais” o que teria tornado esta Vila “a mais miserável de Portugal”, sendo os restantes moradores, tributários da poderosa Ordem de Cristo, pobres demais para serem ainda mais sobrecarregados. Não era um não peremptório mas era, mesmo assim, um claro sinal de mal-estar perante as duras realidades sentidas pelos portugueses …
            No entanto, a visita torna-se possível em 1619. Segundo Kubler, “todas as classes em Portugal necessitavam e esperavam desde a morte de Filipe II, em 1598, uma confirmação dos termos da carta patente de Tomar, e há muito havia agitações em Portugal devidos às infracções […] e devido ao aumento de impostos em Lisboa, […]”.  O rei sentia também a importância da visita: era urgente legitimar o príncipe herdeiro junto das Cortes portuguesas e pôr termo à agitação que grassava em Portugal. À cautela, a visita régia era discretamente acompanhada por forças militares terrestres e navais…
           A Câmara de Lisboa viu-se obrigada, face à falta de apoio das restantes câmaras do País, a contrair um pesado empréstimo para pagar as despesas, na ordem dos 700.000 cruzados. De facto, para além das esperanças portuguesas no cumprimento das promessas de 1581, muitos defendiam — e pensavam ser possível convencer disso o rei — a elevação de Lisboa a Capital do Reino Unido de Portugal e Espanha, por ser uma cidade com muito melhores condições estratégicas, climáticas, económicas e políticas do que Madrid.
            Um dos grandes defensores desta ideia, apoiada por numerosos autores da época, foi o lisboeta João Baptista Lavanha, um dos cronistas desta jornada filipina em terras portuguesas, cujo relato e gravuras que o acompanham documentam exemplarmente as decorações armadas para esta Entrada Régia. De trinta e três descrições conhecidas da viagem, muitas impressas, esta é a única ilustrada.
            A primeira estátua alegórica com que Filipe III deparou, ao desembarcar, foi a de Lisboa, acompanhada de outras relacionadas com os sentimentos pretensamente acalentados pela população relativamente a Sua Majestade Católica: Zelo, Verdade, Amor e Obediência, acompanhadas por um soneto inscrito no pedestal que, tal como o discurso de seguida proferido pelo representante da Cidade, defendia a primazia de Lisboa entre todas as Cidades da Península, e a sua relevância para Capital.
            Um desenho de Domingos Vieira Serrão, pintor régio natural de Tomar, mostra a Lisboa ribeirinha com a frota festivamente engalanada, os cais construídos junto aos Paços da Ribeira para receber o desembarque do rei e os arcos triunfais e outros aparatos dispostos no Terreiro do Paço (Fig.1). É a imagem que melhor visão de conjunto proporciona sobre este evento …


            Sendo evidente o parentesco dos arcos construídos com os retábulos de talha, ao gosto maneirista, não será de admirar a sua obediência aos tratados arquitectónicos publicados durante o século XVI. Os artistas que os riscaram e executaram seriam provavelmente os mesmos que adornaram os altares das igrejas portuguesas com a mestria que ainda hoje podemos admirar.
            Quanto ao sabido reaproveitamento de arcos da Entrada de 1581, não será decerto o caso do Arco dos Flamengos, um dos mais majestosos, mas não correspondendo à descrição de 1581 que o apresentava sob a forma de castelo. As principais colónias estrangeiras em Lisboa procuram claramente conquistar as boas graças do soberano, numa adulação sem limites, em que Filipe III é comparado a Hércules, pelos flamengos, a Júpiter, pelos italianos, a Beleforonte, pelos alemães… 
            Os arcos portugueses, pelo contrário, com excepção de um grupo escultórico que mostrava Filipe III como “Júpiter Espanhol” aniquilando quatro titãs que simbolizam os mouros, são bem mais discretos nos louvores, apresentando até pequenas “provocações”. Há de tudo, desde a natural glorificação da História e dos antigos reis de Portugal, à muito mais directa alusão à velha aliança com a Inglaterra, lembrada nas imagens e emblemas do Arco dos Mercadores (Fig.2), com as suas quatro frentes, de uma das quais saía a Rua das Virtudes, marginada por estátuas dos heróis portugueses, que conduzia ao Arco dos Ingleses. Para a construção do Arco dos Mercadores a Câmara de Lisboa teve de ordenar a demolição de algumas casas, o que mostra a sua importância no conjunto simbólico promovido pela autarquia. Kubler vai mais longe e defende que “esta posição de destaque dada aos Ingleses se destinava a recordar ao rei que o pretendente ilegítimo ao trono de Portugal, D. António (prior do Crato) conseguira com os Ingleses, em 1580, uma aliança contra Filipe II. Outras alusões à importância da ilegitimidade na histórica dinástica do País eram sublinhadas nas cenas representadas no interior do arco dos mercadores.”


            Não ficou a visita de Filipe III por Lisboa. Abandonada a ideia original de reunir as Cortes em Tomar — a exemplo de 1581 — e reunidas estas na Capital, o rei não deixou de visitar a Vila do Nabão. Pretendendo recepção idêntica à que seu pai recebera, enviou instruções à Câmara, tanto quanto às cerimónias pretendidas e seu aparato, como quanto às decorações, folguedos públicos e arranjos nas casas e ruas degradadas…  Não se cumpriu tudo de acordo com os régios desejos, pois a verba era curta… Mas lá se deu andamento ao que foi possível, e é Lavanha que descreve a Entrada de Filipe III em Tomar, em 15 de Outubro de 1619: “O rei entrou pela Várzea Grande, um espaçoso campo com muitas danças, e desde o lugar onde se apeou do coche ao começo da linda Alameda, e tomou o cavalo, até à entrada da Vila, estava feita uma alameda de copadas árvores, e ao fundo dela um arco galantemente ornado, cujos remates eram as Armas Reais de Portugal, a Cruz da Ordem de Cristo e em meio a Imagem de Santa Iria, Padroeira de Tomar. Houve à entrada do Arco as costumadas cerimónias das chaves, o discurso e Pálio, levando de rédea o cavalo em que ia Sua Majestade, D. João de Sousa, Alcaide-Mor de Tomar […]”. Findas as cerimónias da praxe, o cortejo prosseguiu caminho para o Convento de Cristo, sempre no meio das decorações festivas que se podem adivinhar pela referida carta de instruções: janelas ornamentadas com “alcatifas e colchas boas, e com sedas, as melhores que se puderem achar” já que foi permitido não se armarem as ruas “por não haver para isso o material necessário”…
            As Embaixadas ao papa ou a outros grandes príncipes assim como os casamentos reIs e até os monumentos fúnebres são outras tantas formas de proporcionar uma especial forma de Triunfo, voltado para a propaganda de um País através da figura reinante, o monarca. Como no caso das Entradas Régias, trata-se de um espectáculo alegórico da sua fama e poder.

IMAGENS:
1. Lisboa “As Festas do Mar” de 1619, na Entrada Régia de Filipe III (desenho de Domingos Vieira Serrão, gravura de Hans Schorkens)
2. Arco dos Mercadores, na mesma Entrada (gravura de Juan Bautista Lavanha).

domingo, 2 de junho de 2019



HOMENAGEM À NATUREZA POR UMA 
CRIANÇA DE 8 ANOS

HÁ 64 ANOS, MAIS COISA MENOS COISA