quinta-feira, 20 de junho de 2019



ARQUITECTURA EFÉMERA EM PORTUGAL DO

 ABSOLUTISMO AOS NOSSOS DIAS

Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 20 de Junho de 2019
            As embaixadas ao papa ou a outros grandes príncipes constituem uma forma muito especial de proporcionar um espectáculo de rua – no fundo, um triunfo – voltado para a propaganda de um país através da figura reinante, o monarca. Como nas Entradas Régias, trata-se de um espectáculo alegórico da sua fama – real ou pretendida – e poder, funcionando como forma de pressão para o reconhecimento de um qualquer direito ou exigência do país organizador.
            Também ficaram célebres algumas outras embaixadas a cortes estrangeiras, a fim de serem assinados tratados de paz, de comércio, ou outros, destinados a obter condições vantajosas para Portugal.
            Algumas das mais famosas embaixadas portuguesas tornaram-se factos políticos e artísticos notáveis, tais as suas repercussões.
            A embaixada de Tristão da Cunha, em 1515, a mandato de D. Manuel I, a Leão X, tinha como motivação declarada levar ao papa a obediência filial do rei de Portugal, e fez sensação em Roma, tanto pela riqueza e variedade dos trajos, como pelo exotismo da exibição do séquito, acompanhado pelo troar de trombetas e por espécimes animais como um elefante e um rinoceronte indianos e ainda as onças caçadoras do rei de Ormuz, que impressionaram fortemente os espectadores, entre poetas e artistas, entre os quais o grande pintor Rafael de Urbino.
            O verdadeiro móbil da embaixada seria sensibilizar Roma para a reivindicação portuguesa sobre os seus direitos à navegação e comércio do Oriente, e consequente reconhecimento e consolidação do Tratado de Tordesilhas.
            O reinado de D. João V, privilegiado que foi com o ouro do Brasil, foi fértil em acções de prestígio na exterior, caso da embaixada enviada a Paris em 1715, chefiada por D. Luís Manuel da Câmara, 3º conde da Ribeira Grande.
            “A sua entrada pública constituiria espectáculo impressionante da disposição grandiloquente e dissipadora do nosso rei […] Sete coches, esplêndidos na arte do traço e no precioso das madeiras, seguiam, puxados cada um deles por oito cavalos frísios e ladeados por pajens e criados ricamente trajados. Enquanto o cortejo avançava, ao longo das cinco horas que durou a tirada de meia dezena de léguas, o escudeiro do embaixador ia distribuindo medalhas comemorativas do acontecimento, gravadas com a efígie de D. João V, de que se tinham cunhado duzentas em ouro, com o valor de seis mil réis cada uma, e mil em prata, cotadas a trezentos réis cada (isto é, um milhão e quinhentos mil réis!) [BEBIANO, Rui, D. João V, Poder e Espectáculo, Aveiro, 1987, pp. 111-112). Assim se consolidava a paz com a França na sequência da Guerra da Sucessão de Espanha…
            Mas é no ano seguinte que tem lugar a mais faustosa embaixada da nossa História, enviada pelo Magnânimo ao papa Clemente XI, sob a chefia do marquês de Fontes. Teve especial brilho a inclusão no cortejo de oito coches em talha dourada dos quais ainda existem três, encomendados a artistas italianos [Fig.1], com figuras alegóricas em atitudes tipicamente barrocas. O móbil desta embaixada era a criação da Patriarcal de Lisboa, campanha em que o rei se empenhou ao máximo, nela gastando rios de dinheiro, o que foi mais tarde muito criticado pela historiografia liberal.


            Casamentos reais e outras festividades religiosas ou profanas, serviram para festividades de grande aparato e despesa, apresentando numerosos pontos comuns com as entradas régias, de que se poderá vincar, em linhas muito gerais:
                - Na canonização de Santo Inácio de Loiola e S. Francisco Xavier, organizada em 1622 pelos Jesuítas, foram utilizados arcos de triunfo e outros aparatos.
- O mesmo aconteceu em 1662 nos festejos em honra do casamento de D. Catarina de bragança com o rei Carlos II de Inglaterra.
                - Em 1666, a entrada pública de D. Afonso VI com D. Maria Francisca Isabel de Sabóia deu origem a festas que incluíram a construção de uma ponte para o desembarque da rainha, um forte de madeira para o fogo-de-artifício e os já habituais arcos triunfais.
                - Em 1687, nas festas públicas do casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia Isabel de Neuburgo verifica-se a mais esplendorosa das entradas reais portuguesas, de que possuímos descrições várias, gráficas ou literárias, desde as aguarelas de João dos Reis, aos apontamentos de Luís Nunez Tinoco. A arquitectura efémera utilizada incluía a tribuna real, um pórtico e uma ponte com cerca de 800 palmos de comprimento, um forte de madeira para o lançamento do fogo-de-artifício, um jardim em perspectiva e várias fontes, carros alegóricos a utilizar nas toiradas então realizadas e ainda arcos triunfais aproximadamente no mesmo número dos da entrada de Filipe III, mas agora no estilo barroco [Fig.2]. Nem os festejos do casamento de D. João V com D. Maria Ana de Áustria, em 1708, atingiram o esplendor dos de 1687!

            Perfeitamente integrados na realidade festiva barroca, os autos-de-fé da inquisição, dispunham de tribunas destinadas à família real, altas individualidades e, claro está, “aos senhores inquisidores”, além de uma cenografia alegórica do Triunfo da Fé.
            Como não podia deixar de ser, a Festa termina no último dos limites, a Morte, neste caso do próprio rei… mas ainda é Festa! Na época barroca “a morte do rei era configurada como o último rito de submissão colectiva e marca o início da representação da história feita homem, do grande e singular herói, numa palavra, do homem valor. Tal como no cerimonial das entradas régias, a morte, com todo o aparato que a rodeia, assumia o sentido de ‘saída régia’. Não o da abdicação do poder, mas o da sua investidura fantástica pela memória […] manifestação póstuma de fidelidade.” [ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de, “Morte, Memória e Piedade Barroca”, Atitudes Perante a Morte, coord. António Matias Coelho, Coimbra, 1991, pp. 47-48].
            Teatral por excelência, frequentemente kitsch, a arquitectura efémera mantém ainda hoje o seu fascínio, tornando-se indispensável na maioria das manifestações festivas, locais ou internacionais. Nas festas populares desempenha um papel hoje ignorado pela erudição, mas cuja compreensão levaria longe na análise sociológica.
            No âmbito oficial é factor de prestígio nacional, objecto e meio de propaganda… Pense-se nas suas aplicações, a par dos edifícios construídos em pedra e cal – ou cimento e vidro – nas grandes Exposições Universais, Feiras Internacionais, Jogos Olímpicos… e em Portugal, em dois momentos tão diversos como em 1880, nas Comemorações Camonianas e, em 1940, na Exposição do Mundo Português, veículo de propaganda do “Estado Novo”. É dessa exposição o Padrão dos Descobrimentos em Belém, do escultor Leopoldo de Almeida e do arquitecto Cottinelli Telmo, exposto na dita Exposição e reconstruído em pedra e cimento em 1960.


            Em 1988, a Exposição Universal de Lisboa (Expo 98), representando Portugal e o Mundo das vésperas do novo milénio, demonstrou cabalmente que os padrões de representação das suas tão diversas manifestações visuais mantinham, apesar da sua modernidade, um paralelismo surpreendente com toda a parafernália de símbolos que tinham preenchido a arquitectura efémera das festas da Vida e da Morte do passado. Símbolos actualizados, sem dúvida, com diferentes significados, enriquecidos com novas tecnologias mas, agora e sempre, a pegada da humanidade no tempo.

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