ARQUITECTURA EFÉMERA EM PORTUGAL DO
ABSOLUTISMO AOS NOSSOS DIAS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 20 de Junho de 2019
As embaixadas ao papa ou a outros
grandes príncipes constituem uma forma muito especial de proporcionar um
espectáculo de rua – no fundo, um triunfo – voltado para a propaganda de um
país através da figura reinante, o monarca. Como nas Entradas Régias, trata-se
de um espectáculo alegórico da sua fama – real ou pretendida – e poder,
funcionando como forma de pressão para o reconhecimento de um qualquer direito
ou exigência do país organizador.
Também ficaram célebres algumas
outras embaixadas a cortes estrangeiras, a fim de serem assinados tratados de
paz, de comércio, ou outros, destinados a obter condições vantajosas para
Portugal.
Algumas das mais famosas embaixadas
portuguesas tornaram-se factos políticos e artísticos notáveis, tais as suas
repercussões.
A embaixada de Tristão da Cunha, em
1515, a mandato de D. Manuel I, a Leão X, tinha como motivação declarada levar
ao papa a obediência filial do rei de Portugal, e fez sensação em Roma, tanto
pela riqueza e variedade dos trajos, como pelo exotismo da exibição do séquito,
acompanhado pelo troar de trombetas e por espécimes animais como um elefante e
um rinoceronte indianos e ainda as onças caçadoras do rei de Ormuz, que
impressionaram fortemente os espectadores, entre poetas e artistas, entre os
quais o grande pintor Rafael de Urbino.
O verdadeiro móbil da embaixada
seria sensibilizar Roma para a reivindicação portuguesa sobre os seus direitos
à navegação e comércio do Oriente, e consequente reconhecimento e consolidação do
Tratado de Tordesilhas.
O reinado de D. João V, privilegiado
que foi com o ouro do Brasil, foi fértil em acções de prestígio na exterior,
caso da embaixada enviada a Paris em 1715, chefiada por D. Luís Manuel da
Câmara, 3º conde da Ribeira Grande.
“A sua entrada pública constituiria
espectáculo impressionante da disposição grandiloquente e dissipadora do nosso
rei […] Sete coches, esplêndidos na arte do traço e no precioso das madeiras,
seguiam, puxados cada um deles por oito cavalos frísios e ladeados por pajens e
criados ricamente trajados. Enquanto o cortejo avançava, ao longo das cinco
horas que durou a tirada de meia dezena de léguas, o escudeiro do embaixador ia
distribuindo medalhas comemorativas do acontecimento, gravadas com a efígie de
D. João V, de que se tinham cunhado duzentas em ouro, com o valor de seis mil
réis cada uma, e mil em prata, cotadas a trezentos réis cada (isto é, um milhão
e quinhentos mil réis!) [BEBIANO, Rui, D. João V, Poder e Espectáculo,
Aveiro, 1987, pp. 111-112). Assim se consolidava a paz com a França na
sequência da Guerra da Sucessão de Espanha…
Mas é no ano seguinte que tem lugar
a mais faustosa embaixada da nossa História, enviada pelo Magnânimo ao papa Clemente
XI, sob a chefia do marquês de Fontes. Teve especial brilho a inclusão no
cortejo de oito coches em talha dourada dos quais ainda existem três,
encomendados a artistas italianos [Fig.1], com figuras alegóricas em atitudes
tipicamente barrocas. O móbil desta embaixada era a criação da Patriarcal de
Lisboa, campanha em que o rei se empenhou ao máximo, nela gastando rios de
dinheiro, o que foi mais tarde muito criticado pela historiografia liberal.
Casamentos reais e outras
festividades religiosas ou profanas, serviram para festividades de grande
aparato e despesa, apresentando numerosos pontos comuns com as entradas régias,
de que se poderá vincar, em linhas muito gerais:
- Na canonização
de Santo Inácio de Loiola e S. Francisco Xavier, organizada em 1622 pelos
Jesuítas, foram utilizados arcos de triunfo e outros aparatos.
- O mesmo aconteceu em 1662 nos festejos em honra
do casamento de D. Catarina de bragança com o rei Carlos II de Inglaterra.
- Em 1666, a
entrada pública de D. Afonso VI com D. Maria Francisca Isabel de Sabóia deu
origem a festas que incluíram a construção de uma ponte para o desembarque da
rainha, um forte de madeira para o fogo-de-artifício e os já habituais arcos
triunfais.
- Em 1687, nas
festas públicas do casamento de D. Pedro II com D. Maria Sofia Isabel de
Neuburgo verifica-se a mais esplendorosa das entradas reais portuguesas, de que
possuímos descrições várias, gráficas ou literárias, desde as aguarelas de João
dos Reis, aos apontamentos de Luís Nunez Tinoco. A arquitectura efémera
utilizada incluía a tribuna real, um pórtico e uma ponte com cerca de 800
palmos de comprimento, um forte de madeira para o lançamento do fogo-de-artifício,
um jardim em perspectiva e várias fontes, carros alegóricos a utilizar nas
toiradas então realizadas e ainda arcos triunfais aproximadamente no mesmo
número dos da entrada de Filipe III, mas agora no estilo barroco [Fig.2]. Nem
os festejos do casamento de D. João V com D. Maria Ana de Áustria, em 1708,
atingiram o esplendor dos de 1687!
Perfeitamente integrados na
realidade festiva barroca, os autos-de-fé da inquisição, dispunham de tribunas
destinadas à família real, altas individualidades e, claro está, “aos senhores
inquisidores”, além de uma cenografia alegórica do Triunfo da Fé.
Como não podia deixar de ser, a
Festa termina no último dos limites, a Morte, neste caso do próprio rei… mas
ainda é Festa! Na época barroca “a morte do rei era configurada como o último
rito de submissão colectiva e marca o início da representação da história feita
homem, do grande e singular herói, numa palavra, do homem valor. Tal como no
cerimonial das entradas régias, a morte, com todo o aparato que a rodeia,
assumia o sentido de ‘saída régia’. Não o da abdicação do poder, mas o da sua
investidura fantástica pela memória […] manifestação póstuma de fidelidade.”
[ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de, “Morte, Memória e Piedade Barroca”,
Atitudes Perante a Morte, coord. António Matias Coelho, Coimbra, 1991, pp.
47-48].
Teatral por excelência,
frequentemente kitsch, a arquitectura efémera mantém ainda hoje o seu fascínio,
tornando-se indispensável na maioria das manifestações festivas, locais ou
internacionais. Nas festas populares desempenha um papel hoje ignorado pela
erudição, mas cuja compreensão levaria longe na análise sociológica.
No âmbito oficial é factor de
prestígio nacional, objecto e meio de propaganda… Pense-se nas suas aplicações,
a par dos edifícios construídos em pedra e cal – ou cimento e vidro – nas
grandes Exposições Universais, Feiras Internacionais, Jogos Olímpicos… e em
Portugal, em dois momentos tão diversos como em 1880, nas Comemorações
Camonianas e, em 1940, na Exposição do Mundo Português, veículo de propaganda
do “Estado Novo”. É dessa exposição o Padrão dos Descobrimentos em Belém, do
escultor Leopoldo de Almeida e do arquitecto Cottinelli Telmo, exposto na dita
Exposição e reconstruído em pedra e cimento em 1960.
Em 1988, a Exposição Universal de
Lisboa (Expo 98), representando Portugal e o Mundo das vésperas do novo
milénio, demonstrou cabalmente que os padrões de representação das suas tão
diversas manifestações visuais mantinham, apesar da sua modernidade, um
paralelismo surpreendente com toda a parafernália de símbolos que tinham
preenchido a arquitectura efémera das festas da Vida e da Morte do passado.
Símbolos actualizados, sem dúvida, com diferentes significados, enriquecidos
com novas tecnologias mas, agora e sempre, a pegada da humanidade no tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário