UM MUNDO INFESTADO DE GÉNIOS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 27 de Agosto de 2020
A proliferação de governantes autoritários um pouco por todo o mundo diz muito pouco sobre a actual tendência dominante na política internacional, contaminados que estamos pelo surgimento e/ou manutenção de pequenos e grandes ditadores que, não contentes com a nefasta acção das suas políticas populistas, deram agora em génios do pensamento “científico”, opinando tranquilamente sobre as mais diversas matérias com o atrevimento dos ignorantes, como é o caso do aconselhamento de “medicamentos” contra o coronavírus levado a cabo por Trump ou Bolsonaro, sob a forma de autêntica banha da cobra televisiva, com todos os seus ridículos tiques, pouco consentâneos com a gravidade das suas funções.
Desde o famosíssimo aconselhamento da ingestão de lixívia, por Trump, ao de vodka e sauna através do verbo poderoso de Lukashenko, presidente da Bielorrússia – felizmente agora bem apertado por um povo farto de o suportar – sem esquecer o recordista da asneira que perora do alto do Palácio do Planalto em Brasília, aquele que tira e põe a máscara de protecção conforme a disposição do momento enquanto fala da “gripezinha” que infesta o mundo como se de uma dor de dentes se tratasse, ao superpresidente da Rússia que, tal como os seus congéneres atrás mencionados, ensaia os seus recentíssimos “conhecimentos” científicos na própria família, passando por cima de todas as necessárias cautelas a ter com produtos médicos ainda não devidamente ensaiados…
Os outros ditadores ou candidatos a ditador, menos asininos mas não menos perigosos, sufocam tranquilamente os seus respectivos povos com leis antidemocráticas de todo o género, enquanto os reprimem violentamente, mas sempre arvorados em exemplos da liberdade e de progresso, casos da China, da Turquia, da Coreia do Norte, da Venezuela, das Filipinas e mais meia-dúzia deles, que infelizmente incluem algumas potências europeias.
É evidentemente chocante que assim seja, mas a verdade é que as etiquetas que cada um põe a si próprio não me autoriza a garantir a sua maior ou menor “democracia”, muito especialmente dos Estados Unidos da América, estes em queda acentuada devido ao autoritarismo de Trump que, esperamos, venha a ser aniquilado nas próximas eleições, e regressando o país às suas características mais dialogantes.
Mas fora esse caso de alguma esperança, estamos a repetir muitas das condições que conduziram aos conflitos militares do século XX, com ditadores tão férteis em ideias pseudocientíficas como Hitler com as suas sinistras teorias raciais que conduziram ao Holocausto, ou Mussolini com o seu imperialismo “romano”, além das ditaduras de Portugal e da Espanha, do Japão e todos os casos que conduziram ao reforço de uma época negra na História do Mundo.
Também nós, Portugueses, enfrentamos agora o fantasma do populismo perfeitamente artificial, manipulado por demagogos aventureiros e alimentado pelo ressurgimento de uma extrema-direita anticonstitucional, que um governo exemplarmente democrático tem alimentado pela permissividade, enquanto tendências consideradas obsoletas como o racismo, a xenofobia e outras formas radicais de preconceito são alimentadas nas redes ditas sociais, pretexto cada vez mais manifesto para com a criação de perfis falsos iludir a opinião pública sobre a “bondade” de um fascismo que o 25 de Abril apenas enfraqueceu.
Os saudosistas do Estado Novo, quais novos “génios” da ciência política, aí andam a pescar os incautos, ao mesmo tempo que mentem descaradamente sobre os quase 40 anos de desgraça que as actuais gerações felizmente não conheceram e, por isso mesmo são sensíveis à sua propaganda.
Eleições, a verdadeira vacina contra o autoritarismo, reduzirão decerto os perigos que nos ameaçam. E, acima de tudo, a verdade das coisas para combater ambas as epidemias que nos assolam: a pandemia e a mentira!