sexta-feira, 16 de outubro de 2020

 

À PROCURA DAS PALAVRAS PERDIDAS

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 15 de Outubro de 2020

 

Em nenhuma época da História se escreveu tanto sobre seja o que for, e a quantidade de texto produzido, como naturalmente teria que acontecer, pelo seu volume crescente, não se compadece com a natureza equilibrada que devia presidir à sua redacção.

Porque quantidade e qualidade nunca se deram bem, e hoje toda a gente escreve, sentindo-se democraticamente autorizada pelo veículo de excelência da difusão de ideias, as redes sociais, que aceitam todas as agressões, gramaticais ou ideológicas com a natural complacência das antigas ardósias escolares, as quais tinham pelo menos a virtude de ao serem apagadas, logo caírem num misericordioso esquecimento.

Como se fosse pouca a difusão electrónica das opiniões de todos os que julgam saber escrever, muitos desses textos apoderam-se do qualificativo de “literatura” e são impressos aos milhões, alimentados pela vaidade dos autores, o acriticismo dos “especialistas” – muito menos especializados do que se julgam, ou os julgam, e ainda menos competentes – e, muitas vezes, o cálculo dos grupos de pressão ideológica movidos pela política de baixo escrúpulo de que o populismo hoje invasor, é o pior exemplo.

É que não basta aplicar as regras gramaticais para se escrever correctamente, e essas, coitadas, já vão bem longe das aspirações de 90% dos escrevinhadores, para mais confrontados com um “Acordo ortográfico” incompreensível, metodológica e esteticamente.

Por isso recuso-me a segui-lo, lamentando tal aberração, até pelo facto de ter sido promovido por personalidades com grandes responsabilidades na Cultura portuguesa e que ainda consigo respeitar, apesar da gigantesca dúvida que agora me suscitam pela sua submissão a modas e políticas que acabam por corromper a nossa bela Língua.

Mas adiante, no emaranhado da comunicação outras formas de escrever se vão impondo, conquistando principalmente uma juventude com escassa formação linguística que, em alucinantes mensagens de telemóvel vão impondo novas modas no falar e no escrever.

Parece que há aqui uma “urgência” de nada dizer excepto os lugares-comuns que a preguiça e a ignorância incentivam.

Claro que esta prática não nasceu em Portugal, mas nos poderosos Estados Unidos, difundindo-se por todo o planeta sob formas o mais básicas possível, que vão retirando às diversas línguas a sua originalidade, a beleza e a pureza das coisas simples, amadurecidas pela prática social e enriquecidas pelas aquisições que o conhecimento faculta.

As contradições nascidas deste desenvolvimento pouco harmónico das formas de falar e escrever, conduzem a meu ver, ao empobrecimento do próprio pensamento racional, desde sempre a reboque da sua expressão material, sendo esta a principal consequência daquele.

O desenvolvimento das nossas competências racionais não pode ficar à margem do uso das palavras, estas cada vez mais desvalorizadas – telegraficamente desvalorizadas! – mesmo no uso mais nobre da palavra escrita e falada, a Literatura.

Palavras, leva-as o vento, dizem… mas há palavras e palavras, muitas delas tesouros em vias de extinção. Preservemo-las enquanto é tempo!

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