PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE EM PERIGO
Carlos Rodarte Veloso
Publicado "Templário" de 8-6-2017
A denúncia
apresentada no dia 2 de Junho, no programa “Sexta às Nove”, na RTP1, lançou
quantos o viram na maior perplexidade e indignação. O alvo da denúncia era nem
mais nem menos do que os atentados infligidos ao Convento de Cristo, o
monumento maior da nossa História, maravilhoso livro de pedra que, página a
página, revela o engenho e arte dos seus construtores, uns, portugueses, outros vindos de diferentes
paragens, todos contribuindo para a maior glória de uma época que se estende da
Idade Média até às vésperas da contemporaneidade.
Um filme produzido
por uma equipa internacional chefiada pelo famoso realizador Terry Gilliam ointitulado
“O Homem que matou D. Quixote”, levou à utilização totalmente imprópria e por
natureza proibida pelas mais elementares normas do bom-senso, de um espaço
privilegiado do Convento, o Claustro da Hospedaria de João de Castilho.
Aí foi ateada uma
fogueira em forma de pirâmide, com cerca de 20 metros de altura, alimentada por
dezenas de botijas de gás butano criando
um ambiente tórrido que fez estalar a pedra de base de algumas das colunas do
mesmo claustro. A onda de calor e os consequentes estragos teriam alastrado ao espaço
contíguo, o Claustro de Santa Bárbara onde se situa, a uma distância de cerca
de 20 metros do fogo, a famosa “Janela do Capítulo” de Diogo de Arruda,
ex-libris da Cidade e exemplo paradigmático do Manuelino, obra escultórica em
grave risco devido à poluição e à ausência, ao longo de décadas, dos mais
elementares cuidados de conservação e restauro. O delicado calcário que a
constitui, bem deveria ser poupado às menores agressões ambientais, quanto mais
ao calor provocado pela pira, cuja combustão, alimentada pelo gás butano, terá
atingido temperaturas altíssimas.
Também o corte,
total ou parcial de diversas árvores daquele espaço, pela equipa de filmagem,
constitui mais um prejuízo, neste caso sobre a natureza, um bem igualmente
inestimável, em minha opinião.
Impõe-se,
evidentemente, a definição dos estragos e a sua imputação à produção do filme,
cujas declarações fazem acreditar estar pronta para accionar os mecanismos de
reparação e indemnização. Mas falar em “reparação” de estragos no património
faz crer que não há nestas mentes a mais pequena ideia daquilo que representam
os estragos sobre o Património. Será, para eles, talvez como reparar um
automóvel que se avariou ou ficou com a chapa amolgada. Nada mais do que
isso...
As opiniões de
antigos directores do Convento, nomeadamente Luís Graça e Jorge Custódio, bem
como do historiador de Arte Pedro Dias e do director do grupo de Teatro “Fatias
de Cá”, são categóricas: quando no passado o simples acendimento de tochas era
proibido em todo o interior do Convento, só sendo autorizadas lamparinas ou
velas, quando os próprios espectáculos de Teatro foram interditados como medida
de protecção do Monumento, quando a própria aplicação de um prego tinha que ser
devidamente autorizada, é incompreensível e altamente chocante toda esta alegre
irresponsabilidade.
Isto aparentemente
para facturar 172.000 de euros, a tarifa pela utilização do espaço conventual.
Este dinheiro maldito parece ter obturado os sentidos dos responsáveis, tendo
os próprios funcionários receio de quaisquer declarações que pudessem pôr em
risco os seus empregos.
A denúncia apresentada no referido programa da
RTP, refere ainda um alegado esquema fraudulento relativo à cobrança das
entradas dos visitantes, acusação esta não comprovada.
Não tendo aceitado uma entrevista para a RTP, a resposta a estas acusações
foi feita por escrito pela Directora do Convento, em conjunto com uma
responsável da Direcção-Geral do Património, reduzindo este gravíssimo atentado
ao Património Nacional a um simples "acidente", embora afirmando ter
havido um acompanhamento diário de todo o processo das filmagens pela direcção
do Convento!
Tal "justificação", perfeitamente pueril dada a gravidade dos factos é inaceitável. Se há responsabilidades, elas têm que ser assumidas, mas não por “bodes expiatórios” sempre a jeito para assumirem as culpas. Conheço muitos dos funcionários da Convento de Cristo, muitos deles meus ex-alunos e alunas, outros, velhos e velhas amigas, e poria as mãos no fogo sobre a sua honestidade. Mas a investigação dos factos impõe-se como imperativo de consciência, até para eliminar qualquer clima de suspeição que possa ter sido gerado. Com todas as consequências.
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