UM
CAMPO DE EXTERMÍNIO NAZI EM FRANÇA
Carlos
Rodarte Veloso
("Correio Transmontano", 30-7-2017)
O final da 2ª Guerra Mundial, há 72
anos, revelava, perante a incredulidade do mundo inteiro, a verdadeira dimensão
do horror nazi quando, sucessivamente, foram sendo descobertos e libertados dos
diversos campos de extermínio, os sobreviventes de mais de 6 milhões de seres
humanos, na sua maioria Judeus, mas também opositores políticos, outras
minorias étnicas e “diferentes”, que nesses anos sombrios foram fria e
metodicamente assassinados e incinerados.
Nunca visitei Auschwitz, o campo de concentração na Polónia que se tornou o símbolo acabado do Holocausto e da sinistra “solução final”, mas tive oportunidade de conhecer Struthof - Natzweiler, na Alsácia, o único campo construído em território francês. É uma experiência traumática, muito mais do que o poderá imaginar alguém que tenha tido já contacto com as imagens fotográficas ou com filmes reais desse pavoroso genocídio. Neste local somos cercados pela memória da morte, asfixiados pelo grito lancinante que se nos forma no fundo da garganta, e não sai…
Auschwitz matou muito maior número de pessoas, mas as diferenças são mínimas: esta foi também uma fábrica de morte e tudo nela contribui para o recordar. Nos campos de extermínio a morte era provocada segundo uma lógica tecnológica, científica, coisificando a pessoa ao nível de uma peça mais na grande máquina produtiva. Há aqui uma distorção maléfica dos valores e os carrascos não têm sequer o pejo de esconder os seus actos. A abundância de fotografias e filmes sobreviventes dos actos hediondos aqui praticados, dum quotidiano infernal, revela a total amoralidade instalada. Eram documentos burocráticos “para memória futura” ou puras e simples recordações…
Em Struthof foram experimentadas todas as gradações do sadismo, desde o espancamento e a tortura às experiências “científicas” mais perversas e, inevitavelmente, o extermínio a tiro, por enforcamento, pelo gás. Judeus, ciganos, membros da Resistência, prisioneiros de delito comum, estão registados na documentação do campo como gaseados ou como cobaias humanas. Podemos apenas imaginar o que seria o “império de mil anos” nascido de uma vitória de Hitler sobre os Aliados!
O campo, que assenta num ponto alto dos Vosgos, cadeia de montanhas junto à fronteira alemã, a uma altitude de 800 metros , desfruta duma vista grandiosa sobre cadeias sucessivas de montanhas. Essa é mais uma perversidade sem perdão: associar o máximo horror à maior beleza natural. A frescura da Primavera que então se fazia sentir, fez-me imaginar os frios glaciais que no Inverno enregelavam os prisioneiros, horas a fio formados nus na parada, observados atentamente pelos guardas, apenas aguardando a queda de alguns corpos e, assim, algum divertimento gratuito… Numa ravina próxima, para onde eram atirados os corpos, cresce ainda um vazio inexplicável, que faz secar as bocas e inundar os olhos.
Pois até este monumento à ignomínia tentaram apagar: os neo-nazis, dignos sucessores dos carniceiros da suástica ao incendiar alguns barracões deste campo, assim procurando destruir algumas provas físicas do horror nazi. Restaurados os barracões, recorda-se assim todo o mal que aqui se viveu. Mas eu sei que, mesmo sem os barracões, sem a forca, os fornos crematórios, o potro onde eram torturados os prisioneiros, a câmara de gás pudicamente afastada das habitações e outros acessórios, este local ficou poluído para sempre, para memória da humanidade. Este e todos os locais congéneres.
Por isso, espero que o “Povo Eleito”, que tanto sofreu, tire as necessárias conclusões do drama que então viveu e aprenda a partilhar com os seus irmãos Palestinianos o território que lhe coube nas inúmeras reviravoltas da História. Que o orgulho de ter sobrevivido não seja definitivamente substituído pela arrogância. Para que se não torne o herdeiro dos seus próprios carrascos.
Por isso, espero que o “Povo Eleito”, que tanto sofreu, tire as necessárias conclusões do drama que então viveu e aprenda a partilhar com os seus irmãos Palestinianos o território que lhe coube nas inúmeras reviravoltas da História. Que o orgulho de ter sobrevivido não seja definitivamente substituído pela arrogância. Para que se não torne o herdeiro dos seus próprios carrascos.
(Fotografas do autor)