quinta-feira, 18 de janeiro de 2018


ARTE E ICONOGRAFIA

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 18 de Janeiro de 2018



As artes figurativas, isto é, a pintura, a escultura e as artes aplicadas, exigem dos seus estudiosos – historiadores da arte e das mentalidades, conservadores e restauradores do património, e todos os profissionais que de alguma forma lidam com objectos artísticos – a observação e identificação dos temas representados através de duas disciplinas auxiliares, a Iconografia e a Iconologia, desde as suas origens renascentistas muitas vezes confundidas uma com a outra.
No entanto, o grande historiador da Arte que foi Erwin Panofsky, distinguiu-as na sua obra “Estudos de Iconologia”, publicada em 1939. Para ele, Iconografia era a descrição mais imediata do assunto representado numa obra de arte, enquanto a Iconologia aprofundava o seu significado.
Panofsky exemplificava com o acto de “tirar o chapéu”, costume masculino hoje já caído em desuso. Num primeiro momento, (Iconografia), o homem descobre a cabeça, retirando o chapéu. Num segundo momento (Iconologia), identifica-se tal hábito como um acto de cortesia, “resquício do cavalheirismo medieval: os homens armados costumavam retirar os elmos para deixarem claras as suas intenções pacíficas“.
Sendo assim, é fundamental o conhecimento dos costumes quotidianos e o estado das mentalidades nas diversas épocas, mormente naquela a que pertence o universo do artista em causa, para se compreender as representações simbólicas que produziu.
No livro citado, Panofsky explicita as suas ideias sobre os três níveis da compreensão da obra de arte:
“Primário, aparente ou natural: o nível mais básico de entendimento, que consiste na percepção da obra na sua forma pura. Tomando-se, por exemplo, a pintura da Última Ceia de Leonardo da Vinci, no primeiro nível o quadro poderia ser percebido somente como uma pintura de treze homens sentados à mesa. Este primeiro nível é o mais básico para o entendimento da obra, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural.
Secundário ou convencional: Este nível avança um degrau e traduz a equação cultural e o conhecimento iconográfico. Por exemplo, um observador do Ocidente entenderia que a pintura dos treze homens sentados à mesa representaria a “Última Ceia de Cristo com os Apóstolos”.
Significado Intrínseco ou conteúdo (Iconologia): este nível leva em conta a história pessoal, técnica e cultural para entender uma obra de arte. Parece que a arte não é um incidente isolado, mas um produto de um ambiente histórico.”
Por que motivo teria então Leonardo da Vinci pintado na extensa parede frontal do refeitório do Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, em tamanho natural, as treze personagens evangélicas que, em vez de revelarem Judas como o apóstolo traidor – como era típico até então – manifestam magistralmente a dúvida que corrói a assembleia, o clima de suspeita que se instala, decerto bastante semelhante àquele que imperava nas várias cortes das cidades-estados italianas, nomeadamente na de Ludovico Sforza, mecenas e protector de Leonardo? De facto, os homicídios políticos por envenenamento eram então comuns na Itália das repúblicas e dos principados, especialmente em banquetes. Por outro lado, a presença quase carnal dos doze apóstolos e de Cristo em face dos monges reunidos numa refeição, dramatiza especialmente este momento fundador do sacramento mais sagrado da Igreja católica, a Eucaristia.
A Iconografia e a Iconologia não se limitam à descrição e interpretação das imagens históricas ou simplesmente míticas, mas estudam também três categorias especiais de representação, que auxiliam a sua identificação e interpretação: as Alegorias, os Símbolos e os Atributos.
As Alegorias, representações que materializam ideias abstractas, como a Ira, a Bondade, a Guerra, o Ciúme e tantas outras, sempre assumindo a forma de homens ou mulheres consoante o género da abstracção: a Virtude como mulher, o Patriotismo como homem.
Os Símbolos, que são insígnias, emblemas e outros sinais convencionais relacionados com a respectiva ideia. A Estrela de David, a Cruz de Cristo, o Crescente muçulmano, a Esfera Armilar, a Coroa imperial...
Os Atributos, muito associados aos elementos anteriores, elementos gráficos que caracterizam figuras históricas ou lendárias, sacras ou profanas, caso de Jesus menino ao colo da Madonna, das setas cravadas na corpo nu de S. Sebastião ou a coroa de louros e a venda no olho cego de Camões.
Ferramentas essenciais no estudo e divulgação das obras de arte, a Iconografia e a Iconologia vêm-se tornando cada vez mais presentes nos curricula dos estudos artísticos.



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