sexta-feira, 20 de julho de 2018


TRUMP, O NOME DA BESTA

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 19 de Julho de 2018
"Os 4 Cavleiros do Apocalipse"
Gravura de Dürer
               Parece ser impossível dizer algo de novo acerca do pretenso imperador do mundo, Donald Trump, visto todos os epítetos possíveis terem já sido utilizados para definir a sua personalidade, se tal característica humana cabe na sua definição.
               Por isso mesmo, acrescentarei “diabólica” ao improvável nome: “diabólica personalidade” é que é!
               Na verdade, este indivíduo, alcandorado ao trono imperial dos Estados Unidos da América pela vontade de uma minoria ultramontana de pobres de espírito e outros racistas, xenófobos e analfabetos que grassam na “América profunda”, não podia ser mais antagónico com o espírito constitucional do seu país.
               No entanto, é a sua própria lei eleitoral, desajustada ao século em que vivemos, associada ao triunfo das famosas “fake news”, de origens variadas, em que a componente russa parece ombrear com a campanha interna dos ultras republicanos, que enfraqueceu e difamou toda a componente democrática estado-unidense.
               Mesmo com maior número de votos, os Democratas foram liquidados devido ao duplo critério de contagem de votos, além de um sem número de irregularidades que foram pura e simplesmente ignoradas ou, no mínimo, desvalorizadas.
               Um artigo recente de José Pacheco Pereira no jornal “O Público”, intitulado “Os gnomos de Trump e o Senhor das Moscas”, consegue pôr o dedo na chaga sangrenta que se abriu no antigamente generoso peito da nação norte-americana.
               A recente reunião da NATO foi nada menos do que um exercício de desavergonhada chantagem e intimidação por parte de Trump para com os seus alegados “aliados”, exercício esse, quando denunciado como tal, negado ainda mais desavergonhadamente por ele, já habituado a dizer todos os dias coisas diferentes e geralmente antagónicas, sendo as contradições – apesar de documentadas com todo o tipo de provas e gravações – imputadas a uma comunicação social “mentirosa” e “conspirativa”…
               Não vou insistir na já denunciada cobardia da maioria dos dirigentes políticos “aliados”, mais que todos de Theresa May, e dos próprios jornalistas do “Sun”, insultados e, no entanto, subservientes para com Trump, ridicularizado em privado, mas glorificado na praça pública, pois falta de todo a coluna vertebral a esta gente que o odeia e vê, logicamente, como o “amigo dos seus inimigos”— mas levantar a voz contra ele, que o façam as suas pobres vítimas, os emigrantes e os europeus que encheram as ruas com a sua revolta, gente que não conta na aritmética política deste anão com complexo de superioridade.
               Mas são apenas manifestações, e o que conta isso face à desproporção das riquezas, das forças, entre os exploradores e os explorados? E o que são os emigrantes senão simples lixo humano, apenas gente incómoda, inteiramente dispensável?
               E assim é, pois não há uma palavra deste triste histrião contra os ditadores declarados ou encapotados que enxameiam no mundo actual. Putin é um “amigo” desejável, Erdoğan é intocável, os diversos ditadores e candidatos a ditadores da detestada Europa nem sequer são referidos, a China é um respeitável rival, apenas sobrando munições – e com que fartura! – para o Irão, países da América Latina e a Coreia do Norte, mas para com este país o ódio apenas se manifesta dia sim, dia não, alternando psicopaticamente os insultos com os elogios!
               Qual é então a credibilidade deste ser diabólico, arrogante e vaidoso, Senhor do Botão do Apocalipse, ele próprio o 5º Cavaleiro e a Besta emergindo das águas dos últimos dias? Com as suas acções, ele já se classificou como o Senhor da Mentira, o aliado de todos os demónios apostados em usurpar as riquezas da terra e as forças de todos os seres vivos. E será o Senhor da Morte, se o deixarmos!

quinta-feira, 12 de julho de 2018

FRIDA KAHLO
Carlos Rodarte Veloso

"Enciclopédia Ilustrada", 12 de Julho de 2018

Frida #Kahlo, conhecida pintora e comunista mexicana, deixou na sua arte a recordação do terrível acidente que a vitimou em 17 de Setembro de 1925, na colisão entre um eléctrico e o autocarro em que seguia e a deixou refém de dolorosíssimos tratamentos e próteses que a acompanharam ao longo de toda a vida.
No ano seguinte, desenhou um esboço do acidente, segundo as regras gráficas das populares pequenas pinturas religiosas denominadas ex-votos, representando-se a si própria sendo transportada numa maca da Cruz Vermelha. O desenho é muito ingénuo, não utilizando quaisquer regras da perspectiva.




Curiosamente apesar da sua presumível descrença, 18 anos depois, utilizou uma pequena pintura religiosa, um ex-voto representando um acidente muito semelhante, a que acrescentou um pequeno texto, esse assumidamente ex-votivo, manifestando o agradecimento dos seus pais à Virgem das Dores pela sua salvação.




Penso que será uma homenagem póstuma a seus pais, falecidos em 1932 (a mãe) e em 1941 (o pai).
Transcrevo a seguir a dedicatória seguindo à letra as regras dos ex-votos:
“Los Esposos Guillermo Kahlo e Matilde C. de Kahlo Dan las gracias a la Virgen de los Dolores por haber salvado a su niña Frida del accidente acaecido en 1925 en la Esquina de Cuahutemarin y Calzada de Tlalpan”

UM VERÃO MUITO QUENTE, DIZEM...

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 12 de Julho de 2018

A próxima aprovação – ou não – do Orçamento de Estado está a desencadear uma autêntica tempestade reivindicativa, que revela, a meu ver, algumas contradições graves por parte dos seus protagonistas à esquerda do PS, parece que esquecidos dos tormentosos anos do “governo” de Passos Coelho e da verdadeira austeridade que então se fez sentir.
Dir-se-ia que a sua intenção inconfessada vai ao encontro dos desejos de uma direita ressabiada, que encontra agora, na relativa moderação do “novo” PSD de Rui Rio, uma recuperação de popularidade e uma “aproximação” aos sectores mais conservadores do PS, pretensamente convergentes com o famoso “bloco central”.
A recusa de quaisquer hipóteses de acordo institucional do Governo com este PSD pretensamente renovado, já por diversas vezes veementemente repudiado por António Costa, não sensibiliza minimamente os sectores aparentemente mais radicais da Esquerda, apostado a exigir, “aqui e agora”, tudo e mais alguma coisa, ou seja, a recuperação instantânea de todas as perdas sociais, económicas e políticas suscitadas pela deriva de direita de anteriores governos, com predominância do anterior.
Sem pôr em causa a justeza da grande maioria dos protestos incidindo sobre anos de serviço não contados, congelamento de carreiras, continuação da precaridade mesmo que atenuada, salários insuficientes, graves problemas com a habitação e a saúde, a verdade é que ao somar às manifestações, perfeitamente compreensíveis e justificadas, uma onda imparável de greves, se enfraquece a economia alimentando-se também o fogo cerrado de uma comunicação social – bem pouco social – claramente alinhada com a oposição de direita.
Na verdade, e estou a pensar no exemplo da RTP, restantes canais televisivos e em quase toda a imprensa nacional, as notícias estão completamente enfeudadas aos ataques ao Governo: um ouvinte é bombardeado por um tal volume de desgraças, que a única conclusão a tirar é que vivemos num país do terceiro mundo, a meio-caminho de uma ditadura, onde a corrupção não poupa ninguém!
E, no entanto, sabemos bem que há amplos motivos de optimismo, não apenas pelos sintomas de recuperação na Economia, e pelos progressos na Cultura e na Ciência, como pelo decréscimo do desemprego e tantos outros indicadores positivos.
É bem evidente que os meios financeiros do país, assoberbados pelas medidas já tomadas para a reposição parcial dos direitos de quem trabalha, não são suficientes para satisfazer todos os sectores agora – parece – apostados num coro de recriminações.
Aliás, a satisfação dos sectores com maior poder reivindicativo, caso de médicos, enfermeiros, juristas, professores, militares, levaria à injustiça global de deixar de fora, por absoluta impossibilidade financeira, as reivindicações das restantes camadas da população trabalhadora, na verdade as mais desfavorecidas.
Entretanto, o fantasma dos incêndios ressurge no horizonte, sendo certo que estes não vão decerto acabar milagrosamente, já que os seus agentes naturais se mantém intactos num mundo que caminha desenfreadamente para um cada vez maior desequilíbrio ambiental.
As medidas agora tomadas para proteger a floresta são a todo o momento boicotadas pela ganância de proprietários e empresas que continuam a plantar eucaliptos, por negociatas envolvendo madeira, meios aéreos e corrupção generalizada, pela permissividade de uma espécie de justiça que liberta os incendiários e não investiga os seus mandantes…
Num momento em que o exemplo governativo português, aquilo a que a direita chamou jocosamente “geringonça”, é modelo para o novo governo espanhol e começa a ser visto, num mundo em que surgem alguns exemplos importantes de resistência ao populismo protofascista, como um caminho alternativo à deriva do “liberalismo” neocapitalista, será que se vai instalar, novamente, a divisão das forças de esquerda?
Essa triste “tradição” que conduziu à criação de sinistras ditaduras que levaram o mundo à guerra e à miséria não pode ser repetida, sob pena de repetirmos, interminavelmente os erros do passado! No entanto, quando se estabelece artificialmente um clima de confronto social, agravado pela ameaça velada “de um verão muito quente”, tenho todas as razões do mundo para temer pelo futuro.
Bom seria que o diálogo substituísse o conflito e parássemos de oferecer argumentos aos grandes senhores do capital, que velam na sombra…
Unidos, venceremos!

segunda-feira, 9 de julho de 2018



UM TORNEIO MEDIEVAL NA

FORMAÇÃO DE PORTUGAL

Carlos Rodarte Veloso

“Correio Transmontano”, 8-7-2018

            Um torneio medieval próximo de Arcos de Valdevez, nas margens do rio Vez, provavelmente no ano de 1137, levou à Paz de Tui entre Portugal e Leão e contribuiu para o reconhecimento de D. Afonso Henriques como nosso rei no Tratado de Zamora de 1143 e, mais tarde, para o reconhecimento internacional da nossa independência, em 1179, pela bula “Manifestis probatum” do papa Alexandre III.
            Este torneio foi a solução encontrada pelas forças portuguesas e leonesas, para evitar um sangrento confronto entre os dois exércitos, depois de uma incursão do nosso primeiro rei em terras da Galiza.

Arcos de Valdevez, Escultura de José Rodrigues (Foto. C.Veloso)

            Na verdade, um choque entre os dois exércitos cristãos levaria a um enfraquecimento dos mesmos, pondo assim em perigo o seu papel na protecção do território já reconquistado aos Muçulmanos e no prosseguimento da reconquista da Península Ibérica.
            Acordado o recontro, de acordo com as estritas regras medievais da Cavalaria, foi o mesmo travado entre os melhores cavaleiros de ambas as nações. A vitória dos Portugueses entregou os vencidos nas suas mãos, como reféns, evitando-se assim, sabiamente, um inútil derramamento de sangue.
            Testemunho artístico deste recontro, um notável painel de azulejos do conhecido artista Jorge Colaço, na estação dos caminhos-de-ferro de S. Bento, no Porto, instalado em 1916.

Porto, Estação de S.Bento, azulejos de Jorge Colaço, 1916

            Na vila de Arcos de Valdevez, em cujos arredores se travou o torneio, foram instaladas, precisamente na Avenida Recontro de Valdevez, as esculturas em bronze de dois cavaleiros simbolizando os dois exércitos, da autoria do escultor José Rodrigues, falecido em 2016. Estas estátuas são consideradas as melhores obras de sua autoria.
            Um padrão em pedra, inaugurado fora da vila, em 1940 – aniversário das comemorações de Independência de Portugal – por Duarte Pacheco, então ministro das Obras Públicas, foi trazido para esta avenida, assim se associando ambos os monumentos a este importante evento.

quinta-feira, 5 de julho de 2018


OS TEMAS “FRACTURANTES”, ou
OS DIREITOS DOS ANIMAIS
Carlos Rodarte Veloso 

“O Templário”, 5.7.2018

Todos quantos escrevem para um público mais ou menos alargado hesitam por vezes em abordar determinados temas, não por terem dúvidas sobre as próprias opiniões, mas por temerem a reacção dos leitores, principalmente quando há uma corrente dominante, geralmente tradicionalista, que choca violentamente com a sua.
Este choque de opiniões acontece principalmente quando nos encontramos perante assuntos considerados “fracturantes” pela opinião dominante. Isso varia de época para época, de país para país, e até de região para região.
Há apenas uns meses, poderia ter graves consequências para um jornalista da Arábia Saudita defender o direito das mulheres à condução de automóveis. No entanto, as alterações legais que aboliram essa proibição, deitaram por terra esse tabu e, assim, o tema deixou de ser “fracturante”.
Servi-me de um exemplo estrangeiro mas, diz a opinião pública, com o mal dos outros estamos nós bem – e não deveríamos estar, acrescento – embora tenhamos os nossos próprios temas que só podemos “pegar com pinças”, dada a sua delicadeza.
Alguma revolução de mentalidades vem gradualmente permitindo a abordagem de temas que há apenas uns anos seriam classificados como verdadeiras heresias ou, no mínimo, como exemplos de puro mau gosto. Alguns poderiam até ser sujeitos ao peso da Lei.
No caso concreto da sociedade portuguesa, já ninguém se atreve a contestar publicamente a proibição da violência doméstica, o que não impede que, na intimidade, muitos continuem a exercê-la… O mesmo se passa com a pedofilia, a violação de mulheres – ou de homens, que também ocorre – a perseguição aos homosexuais, o racismo, a xenofobia, a deigualdade de género, a liberdade religiosa e tantas outras atitudes publicamente condenadas, quanto mais não seja em nome do conceito hoje muito expandido do “politicamente correcto”. A propósito, a generalização desta ideia, aplicada acriticamente, conduz por vezes a autênticas aberrações que só prejudicam a aplicação destes princípios.
Se estes temas deixaram de ser problemáticos entre nós – pelo menos “da boca para fora” – outros, alicerçados na Tradição, assim mesmo, com maiúscula, não podem sequer ser ventilados em certos meios ou regiões sob pena de sérios conflitos.
No Ribatejo, por exemplo, e para pegar literalmente “o touro pelos cornos”, é a tauromaquia um dos temas “mais tabus”, sendo frequentemente exercida violência sobre os seus opositores, quando contestam corridas, largadas de touros ou garraiadas no próprio local. É claro que noutras regiões, como Barrancos, o pior exemplo, são os próprios “touros de morte” que constituem tema tão delicado que o próprio poder político o tenta ignorar em nome de um populismo inaceitável.
Pessoalmente, não só condeno todas as actividades tauromáquicas, aliás dentro do espírito da actual lei que proíbe toda a violência contra os animais, como recordo aos aficionados que nas origens desta pugna “animal-besta”, como tem sido frequentemente caracterizada, há uma clara e injusta desigualdade entre os dois protagonistas, o touro e o homem: é este, o organizador da luta, que estabelece as regras, impondo-as pela força a um animal que as não pode conhecer e se limita a defender-se da violência imposta, ainda agravada com a utilização de ferros sadicamente afiados. 


A própria “pega”, embora não aplique farpas nos touros, utiliza a sua prévia utilização, como forma de enfraquecer o animal. Tudo isto para provar a “bravura” dos toureiros e saciar multidões sedentas de sangue, como o antigo público dos jogos de anfiteatro romanos, em que eram massacrados milhares de animais e de pessoas, uns e outros igualmente escravizados.


Não podemos esquecer que na caça, outra actividade popular e inatacável entre grande número de portugueses, há uma “igual desigualdade”, embora seja considerada como uma actividade “desportiva”. Devo dizer que só consigo admitir a caça como meio de sobrevivência, ou se destinada a controlar demograficamente uma espécie cuja expansão ameaça o próprio equilíbrio ambiental, caso dos javalis entre nós. Nunca como “desporto”!
Esta minha condenação é, em suma a de quaisquer práticas que induzam o sofrimento gratuito em animais, ou a sua exibição – nos circos, por exemplo – sob formas que não correspondam à sua natureza. E não me respondam com a aparente contradição de eu, e tantos outros que pensam como eu, nos alimentarmos de carne. Isso corresponde a uma exigência milenar da própria natureza humana. Nem todos conseguem adoptar uma alimentação exclusivamente vegetariana. Mas o próprio abate desses animais deveria ser, também, tão isento de sofrimento quanto possível, o que infelizmente não acontece, quando vemos as condições penosas – e criminosas! – com que são “armazenados” antes do momento fatal.
Passo a passo nos vamos libertando da barbárie de outros tempos. Mas, acima de tudo, há que abolir definitivamente a ideia de haver “temas fracturantes”. Nunca esqueçamos que “da discussão nasce a luz”… às vezes tão brilhante que nos cega!