UM VERÃO MUITO QUENTE, DIZEM...
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 12 de Julho de 2018
A próxima aprovação – ou não – do Orçamento de Estado está a desencadear uma autêntica tempestade reivindicativa, que revela, a meu ver, algumas contradições graves por parte dos seus protagonistas à esquerda do PS, parece que esquecidos dos tormentosos anos do “governo” de Passos Coelho e da verdadeira austeridade que então se fez sentir.
Dir-se-ia que a sua intenção inconfessada vai ao encontro dos desejos de uma direita ressabiada, que encontra agora, na relativa moderação do “novo” PSD de Rui Rio, uma recuperação de popularidade e uma “aproximação” aos sectores mais conservadores do PS, pretensamente convergentes com o famoso “bloco central”.
A recusa de quaisquer hipóteses de acordo institucional do Governo com este PSD pretensamente renovado, já por diversas vezes veementemente repudiado por António Costa, não sensibiliza minimamente os sectores aparentemente mais radicais da Esquerda, apostado a exigir, “aqui e agora”, tudo e mais alguma coisa, ou seja, a recuperação instantânea de todas as perdas sociais, económicas e políticas suscitadas pela deriva de direita de anteriores governos, com predominância do anterior.
Sem pôr em causa a justeza da grande maioria dos protestos incidindo sobre anos de serviço não contados, congelamento de carreiras, continuação da precaridade mesmo que atenuada, salários insuficientes, graves problemas com a habitação e a saúde, a verdade é que ao somar às manifestações, perfeitamente compreensíveis e justificadas, uma onda imparável de greves, se enfraquece a economia alimentando-se também o fogo cerrado de uma comunicação social – bem pouco social – claramente alinhada com a oposição de direita.
Na verdade, e estou a pensar no exemplo da RTP, restantes canais televisivos e em quase toda a imprensa nacional, as notícias estão completamente enfeudadas aos ataques ao Governo: um ouvinte é bombardeado por um tal volume de desgraças, que a única conclusão a tirar é que vivemos num país do terceiro mundo, a meio-caminho de uma ditadura, onde a corrupção não poupa ninguém!
E, no entanto, sabemos bem que há amplos motivos de optimismo, não apenas pelos sintomas de recuperação na Economia, e pelos progressos na Cultura e na Ciência, como pelo decréscimo do desemprego e tantos outros indicadores positivos.
É bem evidente que os meios financeiros do país, assoberbados pelas medidas já tomadas para a reposição parcial dos direitos de quem trabalha, não são suficientes para satisfazer todos os sectores agora – parece – apostados num coro de recriminações.
Aliás, a satisfação dos sectores com maior poder reivindicativo, caso de médicos, enfermeiros, juristas, professores, militares, levaria à injustiça global de deixar de fora, por absoluta impossibilidade financeira, as reivindicações das restantes camadas da população trabalhadora, na verdade as mais desfavorecidas.
Entretanto, o fantasma dos incêndios ressurge no horizonte, sendo certo que estes não vão decerto acabar milagrosamente, já que os seus agentes naturais se mantém intactos num mundo que caminha desenfreadamente para um cada vez maior desequilíbrio ambiental.
As medidas agora tomadas para proteger a floresta são a todo o momento boicotadas pela ganância de proprietários e empresas que continuam a plantar eucaliptos, por negociatas envolvendo madeira, meios aéreos e corrupção generalizada, pela permissividade de uma espécie de justiça que liberta os incendiários e não investiga os seus mandantes…
Num momento em que o exemplo governativo português, aquilo a que a direita chamou jocosamente “geringonça”, é modelo para o novo governo espanhol e começa a ser visto, num mundo em que surgem alguns exemplos importantes de resistência ao populismo protofascista, como um caminho alternativo à deriva do “liberalismo” neocapitalista, será que se vai instalar, novamente, a divisão das forças de esquerda?
Essa triste “tradição” que conduziu à criação de sinistras ditaduras que levaram o mundo à guerra e à miséria não pode ser repetida, sob pena de repetirmos, interminavelmente os erros do passado! No entanto, quando se estabelece artificialmente um clima de confronto social, agravado pela ameaça velada “de um verão muito quente”, tenho todas as razões do mundo para temer pelo futuro.
Bom seria que o diálogo substituísse o conflito e parássemos de oferecer argumentos aos grandes senhores do capital, que velam na sombra…
Unidos, venceremos!
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