sexta-feira, 28 de setembro de 2018


SERRALVES. SEXO E TABU NO SÉCULO XXI

Carlos Rodarte Veloso

"O Templário", 27-9-2018

A época pretensamente livre que hoje vivemos denota, em todas as suas manifestações, contradições que de dia para dia se tornam mais evidentes, a ponto de nos perguntarmos se houve de facto uma evolução significativa nos comportamentos e na própria liberdade sexual que aparentemente teria agora atingido o seu ponto mais alto.
Isto a acreditarmos nos inúmeros censores que sempre diabolizaram a expressão mais espontânea do comportamento humano, o sexo, a afirmação do género voluntariamente assumido, o prazer físico, tudo quanto aumenta a vontade de estar vivo e activo.
Isto a propósito da exposição de fotografias de Robert Mapplethorpe agora apresentada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, cujo conteúdo sexual implícito ou explícito, tem causado fortes reacções de puritanismo por parte da administração da instituição, que, segundo João Ribas, director artístico do Museu agora demissionário, teria interditado a sua visionamento a menores de 18 anos, ao mesmo tempo que teria retirado vários exemplares considerados mais chocantes.
Este diferendo é justificado de parte a parte com diversas razões e ataques que me abstenho de comentar, até porque este “dizes tu direi eu” que implica também declarações contra João Ribas por parte da Fundação Robert Mapplethorpe, está longe de estar esclarecido, ou seja, de quem é a iniciativa de censurar uma vasta obra artística de um dos maiores fotógrafos mundiais ou, no limite, se foi mesmo censurada.
No entanto e sem tomar partido por qualquer das partes até completo esclarecimento dos factos, há uma causa que não hesito em abraçar: a condenação mais veemente de qualquer forma de censura da Arte, tendência que desde Maio de 1968, a partir da Revolta Estudantil francesa, foi devidamente enquadrada na palavra de ordem “é proibido proibir”.
A condenação de imagens explícitas do sexo e do próprio corpo humano é já milenar, nascida na Alta Idade Média na sequência da queda do império romano e da consequente vitória do Cristianismo. As únicas excepções eram a representação de Adão e Eva, das cenas do Inferno e, posteriormente das Almas do Purgatório, únicos casos em que os nus eram permitidos. Porque sexo e corpo humano passaram a ser diabolizados sistematicamente, como se a própria igreja não os considerasse obra de um deus que fizera a humanidade à sua imagem e semelhança.
O Renascimento atenuou este interdito, com a glorificação dos nus heróicos ou francamente sensuais da Mitologia Clássica, que invadiram os palácios dos próprios papas e outros príncipes da Igreja. A beleza e harmonia destas obras-primas de génios da pintura e da escultura como Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci ou Botticelli, levou ao coração do Vaticano este gosto pronunciadamente pagão, nomeadamente ao tecto da Capela Sistina, com o mecenato de papas como Júlio II.
Claro que a Contra-Reforma, apoiada pela censura inquisitorial lidava contraditoriamente com esta licença herética e o Concílio de Trento tratou de proibir todas as manifestações de arte “pagã”, ao menos no interior das igrejas.
A Revolução Francesa e todas as revoluções liberais acentuaram a permissão e o gosto pelo nu, sob as mais diversas formas, muitas vezes sob o pretexto da representação de alegorias laudatórias dos novos valores dos séculos XIX e início do XX, a Pátria, a Raça, a Nação, o Império, que fomentaram as guerras mais sangrentas da História.
Mas a glorificação do corpo humano passou a estar presente, mesmo com todas as hipócritas reservas que o tabu sexual impunha. Porque havia uma estranha dissociação entre o nu e o sexo, mas apenas o sexo explícito, porque imagens de incontida sensualidade invadiam as galerias da época vitoriana, para não falar das colecções particulares, onde a própria pornografia era regra.
O final do século XX e o nosso início do XXI pareciam não ter peias no domínio da representação artística – e não só – do sexo, implícito ou explícito. Nas Artes Plásticas, no Teatro, no Cinema, a grande arte do nosso tempo. As próprias manifestações de alternativas sexuais, até então consideradas como manifestações patológicas, são autorizadas e publicamente defendidas por multidões que se agregam em torno da liberdade de género.
Mas nos últimos anos um “manto diáfano” recomeçou a disfarçar a “nudez forte da Verdade”, na frase genial de Eça de Queirós, manto esse cada vez menos diáfano, por vezes em nome da protecção de sensibilidades religiosas como a dos muçulmanos radicais ou de cristãos ultraconservadores, sempre atentos à “ameaça” do Inimigo com maiúsculas, o Demónio…
A preocupação, agora a invadir as redes sociais, de que menores possam ver imagens chocantes para estes adultos ultra-sensíveis, torna-se bastante ridícula face ao acesso desses mesmos menores a conteúdos não apenas sexuais, mas verdadeiramente pornográficos, a caricatura acabada do sexo.
Como se as fotografias de Mapplethorpe fossem um “cavalo de Tróia” destinado a modificar as próprias tendências sexuais ou a opção de género seja de quem for. Como se, mais uma vez, a homossexualidade ou outras opções de vida fossem doenças!

domingo, 23 de setembro de 2018



A PROPÓSITO DE SERRALVES E DA CENSURA

Carlos Rodarte Veloso

22-9-2018


Os "nossos" puritanos a levantar as cabeças, quais cogumelos venenosos, saídos sabe-se lá de onde... Essa gente está sempre à espreita, com o terror de encontrar um pénis na sopa ou um seio no refresco! E, acima de tudo, que outros/as os vejam...

quinta-feira, 20 de setembro de 2018



UMA DIREITA BASTANTE TORTA

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 20-9-2018

               A rentrée política portuguesa não tem primado pela originalidade apesar dos esforços de Assunção Cristas para se pôr em bicos de pés, multiplicando fisicamente a sua imagem – como fez no congresso do seu partido – o que augura um culto da personalidade que seria mais consentâneo com pessoas acima de todas as críticas devido a um comportamento, real ou imaginário, irrepreensivelmente ético.
               Ora a “azougada” dirigente do CDS – estou a usar o adjectivo que tenho visto em alguns media nacionais, embora o termo correcto devesse ser “estouvada”, “irresponsável” ou “mentirosa” – critica a torto e a direito a maior parte dos comportamentos que ela própria incentivou ou de que foi autora durante o seu período no governo com Passos Coelho, quer no que se refere à política agrícola, quer à defesa da floresta ou à habitação, em que agora se apresente como “especialista” emérita...


               O momento complicado vivido pelo PSD, claramente dividido depois da eleição de Rui Rio, provavelmente o mais inteligente dos representantes da Direita, foi descaradamente aproveitado pelo assumido oportunismo de Cristas, assumindo-se agora como a líder incontestável de uma Direita a que junta a sua “alma gémea”, Santana Lopes que, com a sua “Aliança”, vem esfrangalhar um pouco mais a oposição ao governo socialista.
               Digo “alma gémea” porque ainda está fresca a irresponsabilidade com que Lopes governou o país no felizmente pequeno período em que foi 1º ministro. Como políticos “light”, estão perfeitamente equiparados, “muito frescos, muito leves”, muito “tios”, isto é, completamente alheios à realidade nacional e divorciados da vida de todos os dias. Pode a Dr.ª Cristas vestir jeans ou até fato macaco, que só engana quem quiser ser enganado.
               Quanto ao PSD, os ressabiados “barões” que assessoravam Passos Coelho temem cada vez mais a inteligente política de Rio ao tentar aproximar-se do PS e – espanto total! – do próprio Bloco de Esquerda na questão da habitação. É pragmatismo a mais para aquelas privilegiadas cabeças! Nunca exemplares como Miguel Relvas ou Hugo Soares poderão aceitar um afastamento, mesmo que apenas táctico, dos “princípios” sem princípios do liberalismo económico e da vassalagem ao capitalismo selvagem.


               Mas não haja ilusões. Rui Rio comunga de todos os “valores” da Direita e o seu actual estilo não pode fazer esquecer a sua prática autoritária e também anti cultural como Presidente da Câmara do Porto. O seu pragmatismo é isso mesmo: a manha da Raposa da fábula para convencer o Corvo a cantar para lhe largar o queijo… Portanto, é melhor não cantar antes do tempo…
               Entretanto, gente que foi – e ainda será, dizem… – do PS, como Francisco Assis, que tão crítico foi em relação à solução de Esquerda do actual governo, reaproxima-se agora, com pés de lã, reconhecendo que o apoio dos partidos de esquerda radical não obrigou António Costa a trair os seus princípios, nomeadamente nos compromissos europeus, meia confissão de arrependimento sobre o seu afastamento durante o período politicamente riquíssimo de correcção de desvios e recuperação de direitos do povo português. Veremos se este recuo relativo lhe permitirá manter-se no Parlamento Europeu… As travessias do deserto são tão… secas!    

terça-feira, 18 de setembro de 2018



UM ASTRONAUTA NA CATEDRAL DE SALAMANCA

Carlos Rodarte Veloso

Publicado em "Correio Transmontano", 17-9-2018

Na minha primeira viagem a Salamanca, a cidade conquistou-me de imediato: pela sua beleza e harmonia, pelas suas  ruas estreitas com fachadas de bela pedra dourada, a sua Plaza Mayor – a mais bela de todas, diz-se, e eu, que conheço uma boa e bela meia dúzia das mais famosas, concordo – a velha Unversidade, a catedral e uma série de monumentos, a estatuária antiga e moderna celebrando alguns dos grandes nomes que dela fizeram a Alma Mater de Espanha, como Coimbra o é de Portugal…
Poderia citar um bom número de intelectuais que a cobriram e se cobriram de glória, mas limitar-me-ei a dois, ambos reprimidos pelas forças mais sinistras que oprimiram a pátria de Cervantes: Frei Luís de Léon (1527-91), reprimido pela Inquisição, e Miguel de Unamuno (1864-1836), pela ditadura de Francisco Franco. A eles voltarei, em próximo artigo.


Não abordarei hoje essas glórias, nem os aspectos mais conhecidos desta linda e magnífica cidade, mas apenas um pormenor escultórico que cria a mais pura estupefacção em quem o vê pela primeira vez: o Astronauta esculpido na fachada da Catedral de Salamanca que foi acrescentado durante o restauro de 1992 para simbolizar a era moderna. Também foi acrescentada iconografia dos contos tradicionais (um Lobisomem) e um apontamento ecológico do belíssimo animal em vias de extinção – também em Portugal – que é o Lince Ibérico. Ciência, Antropologia e Ecologia, dando continuidade ao espelho da Cultura que, mesmo em tempos sombrios, os grandes monumentos constituem.

 

Será desnecessário mencionar o monte de “informação” que os desavisados turistas de imediato foram lançando nas redes sociais, como antes o tinham feito nas fotos e apontamentos de viagem anteriores à revolução informática: teses completamente descabeladas, “provando” fabulosos avanços tecnológicos na Idade Média, e coisas semelhantes… É que a literatura turística disponível em Salamanca é extraordinariamente omissa na explicação desses “pormenores”. Talvez porque o “mistério” rende muito mais, em termos económicos, do que a verdade nua e crua…


(Fotos de C.Veloso)

sexta-feira, 14 de setembro de 2018



BOLSONARO, UM "MÁRTIR" DESASTRADO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 13 de Setembro de 2018

               Mais uma figura de ópera bufa, o inqualificável Bolsonaro – esta gente tem-me obrigado a tentar evitar a repetição de designações… –, que com o “atentado” de que teria sido vítima enriqueceu a sua história pessoal, como já a tinha enriquecido anteriormente com as suas declarações sobre o período em que esteve ligado à ditadura brasileira e aos seus horrores – torturas, assassínios, censura, racismo, repressão - que, afinal, diz ele, nunca existiu… Apenas uma Democracia límpida e pura, um exemplo para o Mundo!



               Este títere da direita latifundiária do Brasil, estúpido e ignorante a ponto de ser plenamente merecedor do epíteto de “Trump da América Latina”, é fotografado no bloco operatório do hospital para onde foi levado depois do pretenso esfaqueamento, deitado na marquesa respectiva, com o corpo desprotegido dos lençóis regulamentares, o médico sem luvas cirúrgicas, e outras discrepâncias graves, além de uma outra fotografia da faca com que teria sido esfaqueado, já limpa do sangue com que aparece manchada noutra fotografia…
               Não vou valorizar excessivamente estes testemunhos, sempre suspeitos de manipulação – “fake news”, para usar a terminologia trumpiana – mas não posso deixar de estranhar a sobrevivência do perpetrador no meio da multidão fanatizada pela onda de ódio que o próprio candidato semeara. É inacreditável que não tenha tido lugar um linchamento imediato!
               Mas ainda bem que tal não aconteceu e que os seus adversários tenham condenado democraticamente o sucedido, embora se mantenha a tónica em torno do ditado popular “quem semeia ventos, colhe tempestades”… Na verdade, um homem que insulta a torto e a direito, não havendo grupo social, político, genérico ou racial exterior à sua própria condição que ele não tenha provocado ou ameaçado com a maior violência, dificilmente pode esperar outra coisa senão atentados. Por isso, suspeito da ligação íntima entre as provocações constantes de Bolsonaro e este “imaculado” resultado das mesmas, um atentado “de faca e alguidar” com a simples e civilizada prisão do perpetrador e a pressurosa vigília dos seus crentes, também fanatizados a nível religioso, dando assim lugar à desejável promoção a “mártir”.



               Esta situação decerto destinada a engrossar as intenções de voto a seu favor, converge com as decisões dos estranhíssimos juízes federais que têm julgado Lula da Silva e os seus apoiantes do PT, e agora, pelos vistos, se preparam para ilegalizar o seu sucessor, Fernando Haddad, agora também sob a acusação de corrupção!... Isto no país onde o actual Presidente da República e a maioria dos seus ministros estão acusados da mais maciça onda de actos dessa natureza, sem que haja qualquer acção legal contra qualquer deles!
               No entanto, a onda popular mantém o seu apoio aos candidatos do PT, seja a Lula da Silva ou a Fernando Haddad, seu sucessor. Só um atentado coroado de êxito poderia permitir a Bolsonaro o estatuto de Mártir, com maiúsculas. Mas, morto o herói, ele torna-se inelegível…

quinta-feira, 6 de setembro de 2018



NO RESCALDO DA SILLY SEASON, 

TRUMP DE NOVO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 6 de Setembro de 2018

               Um mês de intervalo na minha colaboração com "O Templário" e recomeço onde terminei: com o inenarrável Trump. Agosto só serviu para reforçar a impressão de fim do mundo que a sua acção suscita nas mentes das pessoas civilizadas.
               O abandono sucessivo de organizações internacionais – a próxima será, se a ameaça se concretizar, a Organização Mundial do Comércio – a permanente vitimização dos Estados Unidos perante em mundo dirigido por “bad guys”, mesmo do pior, que se têm “aproveitado” dos pobres States, tanto económica, como militarmente, num muro de lamentações que tem sempre como resposta uma acção – ou uma ameaça de acção – que vem lançando o mundo num abismo de incertezas quanto ao futuro, enevoa cada vez mais o firmamento.
               Os “inimigos” somam-se geometricamente, dentro e fora de portas, enquanto o seu ex-conselheiro Steve Bannon, em piedosa peregrinação, acicata e junta as hostes da extrema-direita europeia, e uma sinistra colecção de ditadores emerge na América Latina e na Ásia. Só falta organizá-los num novo Eixo alargado…


               É assustadora a imagem das multidões fanatizadas que assistem aos comícios de Trump, gente sedenta do sangue dos “liberais” – como lhes chamam –, dos hispânicos e dos negros, enquanto este psicopata piroso, devidamente denunciado nos media e no mundo das Artes, classifica todas essas denúncias como “fake news” numa simplificação de banda desenhada rasca.
               Mas a verdade é que o seu antecessor mais verosímil é nem mais nem menos do que Hitler, há 85 anos “eleito” chanceler dos alemães e cuja acção política e militar conduziu o mundo a um mar de ruínas. Tal como Trump, foi devidamente ridicularizado pela sua megalomania, enquanto colocava como meta “tornar a Alemanha grande outra vez”, à conta da derrota de 1918 e da crise mundial iniciada em 1929.


               Desde o fracasso do seu golpe de estado de 1923, sempre apoucado pelas forças democráticas internas e externas, foi captando partidários entre as classes sociais mais desgraçadas, mas também entre os capitalistas – que ele era o primeiro a atacar – até que as eleições de 1933 lhe deram um inesperado poder que depressa se tornou totalitário.
               Assim como Trump tem multiplicado contactos de mais que duvidosa coerência e constantes altos e baixos com potências estrangeiras rivais, caso da Rússia e da China, também Hitler estabeleceu, em vésperas da 2ª Guerra Mundial, uma aliança contranatura com a União Soviética, enquanto se aproximava de potências europeias politicamente afinadas com os populismos desse tempo, o “seu” nazismo e os diversos fascismos.
               Tal como com a Hungria de Viktor Orbán, a Itália do vice-primeiro ministro Mateo Salvini, e a líder da oposição francesa, Marine Le Pen, para falar apenas dos casos mais emblemáticos da extrema-direita europeia, Trump tem repetido todos os passos que conduziram à catástrofe do século XX: um “Eixo” vai-se formando, não como então tendo por alvo os Judeus e outras minorias étnicas, mas contra os fugitivos de todo o chamado Terceiro Mundo. Mesmo Israel, vítima do horrendo Holocausto, persegue agora ferozmente os Palestinianos, seus conterrâneos há séculos, esquecendo aparentemente a sua própria terrível experiência!
               É difícil encontrar, no mundo actual, razões para optimismo, quando os campos estão cada vez mais extremados e à catástrofe natural que nos ameaça se junta a tragédia humana que a cada momento aumenta. Mas há países que parecem resistir... Gostaria muito que um deles fosse Portugal.