quinta-feira, 6 de dezembro de 2018


FALSAS TRANSPARÊNCIAS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 6 de Dezembro de 2018

Não há nada como a Arte para enganar os sentidos e, assim, a percepção do mundo: Sugerir o movimento na total imobilidade de uma pintura ou escultura, as três dimensões numa superfície plana, a aspereza de uma textura macia ou a macieza de uma forma rude, a distância daquilo que está perto, ou a proximidade do infinito… Os famosos “trompes d’oeil”, as ilusões de óptica praticadas desde a pré-história, sempre deixaram atónitos os seres humanos.
Desde a multiplicação dos membros dos animais, ou a duplicação da cabeça em algumas pinturas rupestres chegadas até nós, sugerindo corrida ou o simples rodar da cabeça, artifício reutilizado na actual banda-desenhada, até aos tectos de edifícios monumentais – igrejas, palácios, teatros… - enormes janelas abertas para o céu, atravessadas por revoadas de anjos ou deuses, fazendo das nuvens o seu apoio…
Mas no capítulo dessas ilusões, suponho que a “transparência” da matéria opaca – mármore principalmente – obtida por alguns escultores da época rococó e neoclássica atinge a quase impossibilidade absoluta. Tive a oportunidade de confrontar essa inacreditável realidade na escultura “La Velata” – ou “Vestale Tuccia” – do artista italiano Antonio Corradini (1688-1751), exposta quase timidamente no Palazzo Barberini, em Roma. 

1. "La Velata" de Corradini

Digo timidamente, porque além de uma localização pouco saliente no espaço museológico, nunca lhe é foi atribuído o título de genial embora se trate de uma extraordinária realização do engenho humano. Da habilidade, não do génio, essa tão difícil classificação, para mais quando exposta junto de obras-primas de artistas como Rafael, Ticiano, Greco, Holbein, Pietro da Cortona, Caravaggio, Bernini…
A ilusão de óptica é tão perfeita que nos apetece soprá-la para observar a impossível ondulação dos tecidos, alquimia que Bernini já alcançara no “Rapto de Proserpina”, ao cravar os avaros dedos de Plutão na carne tenra da também marmórea deusa que podemos admirar noutra galeria da Roma barroca, o Museu Borghese… 

 
 2. "O Rapto de Proserpina", de Bernini
3. "O Rapto de Proserpina" de Bernini, pormenor

O mármore feito carne, a pele acetinada pelo calor do toque, pelo calor do desejo, o milagre do génio!
Habilidade, magia, génio, o que reivindicar perante exemplos de tal forma extremos? Diremos então que Bernini é Bernini, Corradini é Corradini, mas será justo compará-los? Diremos simplisticamente que assim se distingue a matéria dos sonhos, ou trata-se “apenas” de aferir o valor das coisas pela sensibilidade de cada um?
Na verdade, Corradini fez alguma escola: artistas posteriores como Giuseppe Sanmartino (1720-93) Giovanni Strazza (1818-75) e Raffaelle Monti (1818-81) esculpiram novas esculturas marmóreas, igualmente assombrosas, exercícios de pura ilusão… Ainda hoje vemos novos escultores seduzidos por esse hábil experimentalismo. Simples “artesãos” dirão os notáveis do Conceptualismo e de todo o Pós-Modernismo, que põem as palavras à frente das formas plásticas e para quem, se calhar, Bernini está ao nível de um Corradini… mas pelo mais baixo nível!
Pudessem eles aproximar sequer os seus intelectualizados ensaios dos resultados desses “pobres” artesãos, temperados no ardor da suada experimentação artística na oficina, no calor da inspiração!

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