sábado, 21 de dezembro de 2019



REDES MUITO POUCO SOCIAIS

Carlos Rodarte Veloso

“Templário”, 19 de Dezembro de 2019


Desde que as chamadas redes sociais conquistaram a Internet, subiu em flecha a expectativa de que a abertura desse gigantesco fórum da opinião viria a unir as pessoas de todos os continentes e, assim, garantir um diálogo democrático a nível global, eliminando de vez a prepotência de todas as ditaduras.
Ingenuidade pura! A invasão da Internet não só foi rapidamente apropriada pelos poderes autocráticos que, onde estavam estabelecidos, sabiamente limitaram os seus poderes mediáticos através de formas mais ou menos habilidosas de censura e vigilância das opiniões “contra”, como se serviram da exposição a que se sujeitaram voluntária e gostosamente os seus actores, para interferir, anonimamente por vezes, mas também com o crescente “contributo” de muito público e dos próprios media, para intervir politicamente, não de acordo com as maiorias que teoricamente controlariam a opinião, mas frequentemente contra essas mesmas maiorias.
O semianonimato que os mecanismos da Net permitem, introduziram aos milhões – e o número cresce diariamente! – anónimos manipuladores cujo papel político se sobrepõe à lógica das maiorias reais, que já não há já forma de avaliar.
É assim fácil, mesmo nos países mais democráticos, que ideias que num diálogo aberto e face a face, dificilmente encontrariam apoiantes na sociedade no seu conjunto, são sentidas como tendencialmente maioritárias.
São assim fáceis as generalizações, quer para atacar determinado status quo, quer para promover outro, porventura abominável em termos históricos – caso do nazi-fascismo e das diversas formas de totalitarismo – ficando a população usuária completamente desinformada da ordem de grandeza da adesão a essa tendência.
Essa manipulação é agora um facto bem conhecido, apesar da extraordinária dificuldade em denunciá-la factualmente, como tem acontecido com a sua interferência nos actos eleitorais de um número crescente de países – ainda – democráticos, como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Espanha, o Brasil…
É evidente a interferência do grande capital internacional nesta manipulação, capaz de deturpar a própria autoridade da Ciência no que toca, muito especialmente, às alterações climáticas, cuja evidência continua a ser negada pelas “autoridades” políticas e religiosas de um número inacreditável de países.
Por outro lado e não desprezivelmente, os próprios utentes a nível individual – falo das pessoas singulares e não ligadas necessariamente a lobbies – servem-se deste mecanismo para se libertarem da opressão social, inevitável nas relações humanas, mas também face ao poder instituído, muitas vezes corrupto mas na maioria das vezes inevitavelmente errado nas suas opções, a mais das vezes devido às naturais limitações materiais, mais sentidas nos países mais pobres, mas também nos mais poderosos.
Não são assim apenas manipulados os dados reconhecidos sobre as opiniões dominantes, mas as próprias opiniões acabam por ser modificadas, muitas vezes radicalmente, dando origem a autênticas inversões de tendências tidas até então como a norma.
A toda esta triste situação se acrescenta a contaminação das relações interpessoais, o recurso crescente ao insulto, a exposição da intimidade da família assim prejudicando a sua própria segurança, a abertura ao discurso do ódio, da inveja e da maledicência…
Por vezes tenho sido tentado a abandonar de vez o Facebook, a rede “social” que ainda acompanho, e só não o faço porque procuro, fugindo evidentemente a esses aspectos mais do que negativos, nojentos, dar um contributo quanto possível isento para transformar este mecanismo de comunicação que tantas esperanças suscitou nos seus começos, numa esperança para o diálogo entre todos os seres humanos.
Com cada vez menos esperança, devo dizer!

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