A ILHA QUE NÓS SOMOS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 2 de Abril de 2020
No isolamento
destes dias da Peste, os nossos hábitos vão-se retraindo, em parte por
imposição da Lei, em parte – é o meu caso – por imperativo da consciência.
Apenas com as
janelas abertas ao mundo, num mundo em mutação devido à maldição de um simples
vírus, a casa é a minha fortaleza, cercada pela floração de uma Primavera
timidamente prometedora da recuperação de uma Natureza exausta.
E os sintomas
dessa restauração começam a surgir aqui e ali, não apenas nas águas de novo
límpidas das lagunas de Veneza, mas nos ventos e marés, e na Esperança, esse
bem precioso que sempre tem sido a última linha de defesa da Humanidade.
Teremos então que
olhar esta maldição que, sabemo-lo bem, não poupará muitos de nós, como aliada
do nosso ambiente e, assim da nossa própria salvação como espécie, uma segunda
oportunidade, portanto.
Não
há nestas contraditórias considerações qualquer laivo de optimismo em relação
às virtudes da nossa espécie.
Ela
decerto sobreviverá, mas não deixará de errar de novo, e de novo, e de novo…
reconduzindo o nosso Planeta a novos becos sem saída, até que, se a famosa
Evolução que nos conduziu a Senhores da Terra, nos torne os Cuidadores desta
esfera maravilhosa em que vivemos e tanto temos martirizado.
Os
nossos erros continuarão presentes nas guerras que irão muito para além das
gerações actuais, nos genocídios em nome de deuses, pátrias, cores de pele,
preconceitos.
Resta-nos
agarrarmos com ambas as mãos a herança – essa sim, sagrada – que são o nosso
Património cultural, herdado dos gigantes que construíram, com a inocência das
crianças, castelos e catedrais, viajaram em todos os Oceanos, chegaram à Lua e atrevem-se
a sonhar com longínquas galáxias, escreveram os mais belos textos e compuseram
todas as sinfonias, inventando a Beleza, ergueram as vozes em nome de ideais
inatingíveis, riram e choraram as suas fraquezas, mas também as suas forças, amaram-se
e odiaram-se, desvendaram os mais recônditos segredos da Natureza, viveram e
morreram semeando a Terra com as suas sepulturas, sempre prontos a
multiplicá-las até ao infinito, sempre prontos a glorificá-las até aos Céus,
poeira das estrelas que sempre seremos…
São
essas obras a que nos devemos agora agarrar, quando voltamos a procurar razões
para continuar a habitar esta Ilha de que fizemos Lar, esta casa cheia de
livros, de obras de Arte, de artifício, de criaturas espantosas com que
convivemos há milénios e, acima de tudo, de Gente que sofre a injustiça, a
frieza, a crueldade até dos seus semelhantes.
De
Beleza, de Sonho e de Pesadelo, que erra e continua a errar, procurando uma boa
razão para continuar a viver.
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