PRAIA MARAVILHOSA
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 21 de Maio de 2020
Há
muito que me desinteressei dos prazeres da praia, talvez porque passei a
embirrar com a areia que se mete nos nossos locais mais indiscretos, com a
exposição impiedosa ao sol e os consequentes escaldões, as projecções de bolas
e outros objectos contundentes, além de objectos apenas adivinhados pela sua
disformidade, mas só identificáveis pelo cheiro e que se colam teimosa e
nojentamente às plantas dos pés, insectos zumbidores que nos picam
impiedosamente, a música pimba impingida através de amplificadores topo de gama
de gente que, mais que nos ouvidos, apenas pretende dar nas vistas…
Eu,
que era um fanático da Praia-a-todo-o-custo, deixei de me sentir seduzido,
embora o Mar, o grande Mar que cerca a Terra toda, onde mergulhamos, aí
recebendo uma fracção da grande energia nele contida, continue a atrair-me,
mesmo com a sabida presença nessas mesmas águas da poluição dos plásticos
omnipresentes, além de outros fragmentos da nossa “civilização”, que entopem os
animais marinhos e se infiltram nos próprios poluidores.
Dirão
que a idade fez o resto, e me agrada muito mais a tranquilidade das serras, do
campo sob uma brisa suave, de caminhadas por veredas sombreadas pela
magnificência de árvores centenárias, a paisagem das sucessões de montanhas
envoltas na misteriosa névoa da distância, a própria pachorra aldeã que
autoriza a contemplação de coisas imperecíveis como o pairar das aves de rapina
sobre os campos, os rios, lagos, a poesia do mundo…
Isso
é tudo verdade, mas custa-me que a pandemia que nos atingiu como um coice, dê
agora aso a que a natural paixão pela praia seja disciplinada de forma férrea e
que os regulamentos de utilização que começam a divisar-se a conduzam a
autênticos campos de concentração.
Sei
que as estranhas experiências já encetadas em Espanha e, segundo parece, em S.
Martinho do Porto, de “lavar toda a areia com lixívia” não estão felizmente previstas,
mas a aproximação do Verão e os regulamentos já esboçados fazem-me temer o
pior: que o lugar de liberdade que as praias significavam, apesar dos velhos inconvenientes
a que fiz referência, as tornem agora num lugar assustador, vigiado por um
aparato tecnológico que faz temer pelo exagero .
Sei
que é necessário manter a disciplina nos contactos interpessoais, para evitar a
todo o custo a difusão do contágio do coronavírus, mas considero que todas as
medidas previstas devem sê-lo tendo em conta a justa medida. A disciplina
começa e acaba na educação, e devem ser principalmente os jovens a sensibilizar
os adultos para cumprirem eles próprios as regras de ouro que poderão salvar a
espécie humana. O papel dos professores nessa sensibilização é fundamental!
Vigilância,
sim, e rigorosa, mas espaço para a liberdade! É o maior dos desafios!