segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O Templário, 18-9-2014
 
Primárias

As próximas eleições primárias no Partido Socialista serão, seja qual for o seu resultado, uma iniciativa que dificilmente deixará de ter consequências futuras na vida da nossa democracia. E nem é tanto pelas figuras em presença, muito menos por se tratar de uma fórmula existente noutros países, especialmente nos Estados Unidos da América, nem sequer pelas expectativas que o actual secretário-geral do PS, seu promotor, nelas punha.
Bem ou mal, os outros partidos dificilmente deixarão de considerar as vantagens e desvantagens eleitorais que esta novidade poderá constituir e também o perigo de, por comparação, serem considerados “menos democráticos” se não lhe seguirem o exemplo.
Seja como for, o confronto já existia antes destas anunciadas Primárias, e ele dar-se-ia em quaisquer circunstâncias. No entanto, o seu anúncio por António José Seguro, sendo as mesmas aceites pelos órgãos do PS, não legitima qualquer ataque a um adversário que nelas participe, para mais apodendo-o de “traição” e outros mimos.
A manifesta paciência de Costa perante as injúrias e o “muro de lamentações” de um muito in-Seguro opositor, a sua fuga à demagogia fácil de promessas a longo prazo, o rigor das respostas dadas, parecem indicar um legítimo vencedor.
A descarada manobra eleitoralista de pôr mortos a votar ou de tirar o direito de voto nas Distritais aos militantes que mais recentemente regularizaram as quotas do PS, parecem muito mal. Vitórias de Secretaria, diz-se no futebol. E a quem acusa Costa e os seus apoiantes de dividirem um partido vencedor, recordo que há vitórias e vitórias.
As vitórias de Pirro, como muito correctamente foi classificado o resultado das Eleições Europeias, é mais um prémio de consolação do que a solução que ambicionamos. É apenas o caminho aberto ao compromisso. Não ao compromisso, muitas vezes inevitável, de unir diferentes vozes, mas vozes próximas, numa aliança harmónica para o bem comum, mas à união contanatura dos predadores e das presas.
Quem se contenta com isto, não é o tipo de governante de que necessitamos neste momento extremo da nossa História. Se os outros partidos socialistas europeus tiveram piores resultados que o nosso, se calhar isso deve-se mais ao governo tão extraordinariamente mau que nos “governa” do que à excelência da Oposição.


Carlos Rodarte Veloso
O Templário, 11-9-2014
 
O Banco Bom e o Banco Mau
Não pretendo ironizar sobre as possíveis semelhanças entre os herdeiros do Espírito Santo – e aqui está outra interessante, embora blasfema, oportunidade de ironizar – e o polícia bom e o polícia mau  das técnicas de interrogatório que, diz-se, fazem parte da prática policial. Por isso não estabelecerei um tentador paralelismo entre a situação dos utentes do banco, vítimas apenas da sua ingenuidade, e a dos seus dirigentes, gente decerto irrepreensível e duma honestidade a toda a prova.
Foi decerto essa reconhecida honestidade que levou o mais alto magistrado da nação a convidar o povo português a confiar na instituição e a investir nela as suas poupanças, mesmo quando já soavam discretamente as sereias de alarme da bancarrota eminente. Os cidadãos que entenderam seguir esse conselho, só por má fé o podem agora acusar desse erro, que só poderá ser equiparado ao seu erro, ainda maior, de o elegerem.
O alto magistrado já nos habituou à sua finíssima intervenção nos momentos críticos da nossa história recente, assim comprovando as suas certezas absolutas em que, dizia ele, raramente se enganava. E já o demonstrava na sua anterior condição de primeiro ministro, quando legislava o fim de actividades marítimas tradicionais como a pesca e a marinha mercante que, agora como Presidente da República, considera essenciais à nossa sobrevivência como Estado.
Tanta coerência quase nos faz esquecer o despesismo de que o seu magistério é acusado, decerto injustamente, visto que bem conhecemos as suas aflitivas queixas quanto às dificuldades domésticas que os seus parcos rendimentos lhe fazem sentir. Nem podemos pôr em causa o seu patriotismo quando em 2010, viu Portugal ser enxovalhado publicamenente pelo presidente da República Checa, sem ter aberto a boca para defender o nosso país. Na verdade a sua cuidada educação, o seu cavalheirismo, não permitiriam uma miserável peixeirada num local público, ainda por cima internacional. Assim é Portugal, terra de honra, mas também de educação. Ainda hoje a sua atitude de firme silêncio, deixa envergonhado todo o povo checo.
Voltando ao agora falecido Banco Espírito Santo, assisto emocionado à originalíssima estratégia dos nosso governantes, a dividirem o mal pelas aldeias: de um lado, o Banco Bom, aquele que vai render mais uns milhões para o Estado arrecadar no tal cofre sem fundo que sempre tem disponível para os outros bancos, bons e maus, a que se juntará alguma coisinha dos contribuintes, no caso de qualquer das habituais derrapagens. E o Mau, enfim, vai para o inferno dos paraísos fiscais... Esta frase até tem a sua piada.

Carlos Rodarte Veloso

O Templário, 4-9-2014


Voltaire e a Tolerância

Não foi inventada por Voltaire, mas foi ele quem, no século XVIII, considerou a Tolerância como a mais perfeita forma de relacionamento intercultural da humanidade. Foi-lhe atribuída, correctamente ou não, a frase: “Posso não concordar com uma única das tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las.”
Ao combater todas as atitudes de hostilidade para com outras culturas, especialmente nos aspectos político e religioso, foi um precursor do pensamento democrático moderno que, apesar dos crimes contra essa mesma tolerância cometidos durante a Revolução Francesa, muito contribuiu para o seu triunfo.
Essa contradição com o pensamento revolucionário resumido na máxima Liberdade, Igualdade, Fraternidade é, no fim de contas, o paradigma humano de todas as revoluções, momentos de excepção em que os princípios são frequentemente traídos pelos meios considerados necessários para a sua concretização.
É evidente que o próprio conceito de tolerância entra em choque com o da igualdade, pois ninguém tem que tolerar os seus iguais. “Tolerar” contém em si a ideia da superioridade de quem tolera. No entanto, nunca como hoje, passados dois séculos e meio sobre a publicação da sua obra intitulada Tratado sobre a Tolerância, se sente tão dramaticamente a necessidade dos ensinamentos deste autor aparentemente desactualizado.
Em todos os quadrantes do Mundo de novo se cerram fileiras em nome de princípios religiosos, rácicos ou nacionais, como forma de perseguir minorias – muitas vezes nem sequer muito minoritárias – cujas ameaçadoras diferenças em relação à ordem estabelecida podem assentar apenas numa diferença no trajar, ou na forma de orar, ou na língua, ou na cor da pele… Tão ridículo como isso!
E é bom relembrarmos, algumas das palavras que Voltaire coloca na boca de uma das personagens do seu “conto filosófico” Micrómegas, sobre a chegada à Terra de dois gigantes extraterrestres. Estes, ao examinarem com uma lupa um navio que atravessava o Oceano, para eles apenas um pequeno charco, tentam saber alguma coisa das relações entre os terráqueos, para eles quase micróbios.
A resposta de um dos tripulantes, por acaso um sábio, é muito esclarecedora: “Sabei, por exemplo, que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéu, matam cem mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais.”
E assim continua a ser, com as necessárias modificações nos adereços, de acordo com novas épocas. Mas, no fundo, continuamos a nossa marcha de exércitos de micróbios a caminho da destruição.


Carlos Rodarte Veloso


O Templário, 28-8-2014
 
O século XXI
Os historiadores das mais diversas tendências são quase unânimes em afirmar que o século XX só teve o seu início com o desencadear da 1ª Guerra Mundial, em 1914.
Esse terrível conflito global, o primeiro que mereceu a designação de mundial, alterou radicalmente todo um estilo de vida, redimensionou a geografia política e social do planeta e preparou, com as medidas tomadas durante o armistício, não apenas o maior de todos o conflitos, como todos os outros terríveis confrontos regionais que ensanguentaram o século.
Em vésperas da chegada ao século XXI, a queda do Muro de Berlim e a dissolução do império soviético pareciam apontar para um futuro radioso, de paz e prosperidade, quase esquecidos já os motivos de divisão que na Europa e no mundo tinham provocado tantos anos de guerra.
Ingenuidade das ingenuidades, pois os motivos básicos dos conflitos se mantinham de pedra e cal:
- uma geografia política traçada a régua e esquadro pelas potências mais poderosas, mantendo dentro de fronteiras artificiais diferentes povos, por vezes inimigos, tanto na Europa dos impérios, como num Terceiro Mundo em ebulição crescente;
- o domínio do mundo por poderes económicos apátridas, cada vez mais afastados dos interesses nacionais e completamente alheios às mais elementares regras de humanidade;
- um fosso cada vez mais profundo entre as classes sociais desfavorecidas e os ricos, do mesmo modo que entre os países mais pobres e as grandes potências.
Quando às diferenças apontadas se somam diferenças culturais profundas, agudizadas por conflitos religiosos ainda latentes, temos reunidas as condições para o regresso a um passado que parecia enterrado pela História. E ressurge o espírito bélico que conduziu no passado às guerras religiosas e hoje conduz à expansão extremista de uma guerra santa que, de novo, poderá incendiar o mundo.
Radicalismo religioso, pobreza, desumanidade, domínio impiedoso do capital, tudo se reúne para compor o quadro que, adivinha-se, de novo conduzirá a uma guerra global. E isto num tempo em que pareciam superados todos os limites materiais à evolução da Humanidade!


Carlos Rodarte Veloso

sexta-feira, 5 de setembro de 2014


    O Templário, 7-8-2014
 
Os direitos dos animais

A recente aprovação na Assembleia da República de uma lei de criminalização de maus tratos a animais, parecia trazer a um mundo baseado no direito discricionário dos seres humanos sobre todos os animais, finalmente, uma luz de verdadeira humanidade.
Enganava-se quem o pensou, porque para além da correctíssima defesa dos direitos dos animais de companhia, a douta assembleia engasgou-se e excluiu da lei a defesa dos animais utilizados em espectáculos, mormente aqueles que sofrem verdadeira tortura ao serem crivados pelo ferro de farpas e outros objectos perfurantes, tudo para a duvidosa satisfação de um público ávido de sangue, que mais parece ter saído das bancadas das antigas arenas romanas.
Claro que estou a falar de um tabu português, melhor, ibérico: as touradas. É evidente que trazem divisas, alimentam o turismo e, principalmente, exibem a coragem do bicho-homem, assim glorificado pela utilização da inteligência no patamar mais baixo em que jamais foi utilizada: a crueldade.
Esta luta, aparentemente equilibrada, apenas revela a “superioridade” de um intelecto que criou as regras de um jogo que não é entre iguais e se permite julgar da “nobreza” de um animal através de uma manifestação de estupidez: marrar na capa, em vez de na figura... Se fosse o touro a julgar, se calhar premiava o bicho que primeiro espetasse nas suas pontas o corajoso adversário.
É sem dúvida uma vergonha a permanência, nestes dias supostamente civilizados, de um espectáculo bárbaro cujos defensores, ainda por cima, não hesitam em exercer violência sobre os seus detratores. É vê-los a carregar, a cavalo ou de carro, sobre manifestantes anti-tourada e, mais incrível, declararem a sua “razão” com base na “provocação”!
O lobbie pró-tourada é muito forte, já não pelo número dos seus apoiantes, mas pelo poder económico e/ou político que tem por trás. A tibieza do Parlamento prova-o.
No entanto, outras excepções a esta lei histórica demonstram o muito que fica por fazer: a caça, esse “desporto” tão popular, o sofrimento desnecessário no abate de animais nos matadouros, as condições desumanas dos aviários...
E no entanto, incrivelmente, um partido surge a votar contra uma lei como esta, tão tímida na defesa dos animais: o PCP, que considera as penas desproporcionadas! Se calhar, dez pais-nossos e dez avé-marias seriam o suficiente para penalizar os infractores...
Afinal, no meio disto tudo, quem são os animais?

Carlos Rodarte Veloso



sexta-feira, 5 de Setembro de 2014




REGRESSO À CINZENTA REALIDADE

Quase três anos passaram desde a minha última intervenção, sem que os temas que então nos preocupavam tivessem mudado significativamente. A nível nacional as coisas quase estagnaram e a crise então vivida mantém-se, apesar dos cantos de sereia dos nossos governantes nos asseverarem o contrário. Uma mudança significativa numa esquerda que teima em desunir-se é a frágil esperança que ainda resta a quem anseia por uma restauração dos ideais de Abril e da independência nacional. 
No exterior, a deterioração da situação internacional atinge um ponto de quase rotura em várias frentes: as do costume, no Próximo e no Médio Oriente, onde se defrontam fundamentalismos religiosos agravados pelo aparecimento de um auto-denominado califado que pretende reconstruir o império muçulmano da Idade-Média, com a agravante de reivindicar o nosso pedaço de terra e o dos nossos vizinhos para reconstruir al-andaluz... A sua selvajaria parece não conhecer limites.
Como novidade, em jeito de regresso à Guerra-Fria, a Rússia tenta reconstruir o antigo império à custa de pedaços de uma Ucrânia que lhe parece demasiado atraída pelo Ocidente e pelo euro, enquanto o petróleo e a situação estratégica da Crimeia já levaram ao acto consumado de uma anexação que dificilmente poderá ser revertida. O que mais virá está prenhe de ameaças à paz mundial.
Entretanto, o referendo agendado na Escócia com vista à sua possível independência, poderá relançar velhas aspirações autonomistas em países como a Espanha multinacional... e ainda monárquica.
Estes e outros temas serão retomados, nomeadamente através da publicação de alguns artigos de minha autoria recentemente publicados no jornal O Templário.