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Não
foi inventada por Voltaire, mas foi ele quem, no século XVIII, considerou a
Tolerância como a mais perfeita forma de relacionamento intercultural da
humanidade. Foi-lhe atribuída, correctamente ou não, a frase: “Posso não concordar com uma única das tuas palavras, mas
defenderei até a morte o teu direito de dizê-las.”
Ao combater todas as
atitudes de hostilidade para com outras culturas, especialmente nos aspectos
político e religioso, foi um precursor do pensamento democrático moderno que,
apesar dos crimes contra essa mesma tolerância cometidos durante a Revolução
Francesa, muito contribuiu para o seu triunfo.
Essa contradição com o
pensamento revolucionário resumido na máxima Liberdade, Igualdade,
Fraternidade é, no fim de contas, o paradigma humano de todas as
revoluções, momentos de excepção em que os princípios são frequentemente
traídos pelos meios considerados necessários para a sua concretização.
É evidente que o
próprio conceito de tolerância entra em choque com o da igualdade, pois ninguém
tem que tolerar os seus iguais. “Tolerar” contém em si a ideia da superioridade
de quem tolera. No entanto, nunca como hoje, passados dois séculos e meio sobre
a publicação da sua obra intitulada Tratado
sobre a Tolerância, se sente tão dramaticamente a necessidade dos
ensinamentos deste autor aparentemente desactualizado.
Em todos os quadrantes
do Mundo de novo se cerram fileiras em nome de princípios religiosos, rácicos
ou nacionais, como forma de perseguir minorias – muitas vezes nem sequer muito
minoritárias – cujas ameaçadoras diferenças em relação à ordem estabelecida
podem assentar apenas numa diferença no trajar, ou na forma de orar, ou na
língua, ou na cor da pele… Tão ridículo como isso!
E é bom relembrarmos,
algumas das palavras que Voltaire coloca na boca de uma das personagens do seu
“conto filosófico” Micrómegas, sobre
a chegada à Terra de dois gigantes extraterrestres. Estes, ao examinarem com
uma lupa um navio que atravessava o Oceano, para eles apenas um pequeno charco,
tentam saber alguma coisa das relações entre os terráqueos, para eles quase
micróbios.
A resposta de um dos
tripulantes, por acaso um sábio, é muito esclarecedora: “Sabei, por exemplo,
que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéu, matam cem
mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a
Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais.”
E assim continua a ser, com as necessárias modificações nos
adereços, de acordo com novas épocas. Mas, no fundo, continuamos a nossa marcha
de exércitos de micróbios a caminho da destruição.
Carlos
Rodarte Veloso
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