segunda-feira, 29 de setembro de 2014


O Templário, 4-9-2014


Voltaire e a Tolerância

Não foi inventada por Voltaire, mas foi ele quem, no século XVIII, considerou a Tolerância como a mais perfeita forma de relacionamento intercultural da humanidade. Foi-lhe atribuída, correctamente ou não, a frase: “Posso não concordar com uma única das tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las.”
Ao combater todas as atitudes de hostilidade para com outras culturas, especialmente nos aspectos político e religioso, foi um precursor do pensamento democrático moderno que, apesar dos crimes contra essa mesma tolerância cometidos durante a Revolução Francesa, muito contribuiu para o seu triunfo.
Essa contradição com o pensamento revolucionário resumido na máxima Liberdade, Igualdade, Fraternidade é, no fim de contas, o paradigma humano de todas as revoluções, momentos de excepção em que os princípios são frequentemente traídos pelos meios considerados necessários para a sua concretização.
É evidente que o próprio conceito de tolerância entra em choque com o da igualdade, pois ninguém tem que tolerar os seus iguais. “Tolerar” contém em si a ideia da superioridade de quem tolera. No entanto, nunca como hoje, passados dois séculos e meio sobre a publicação da sua obra intitulada Tratado sobre a Tolerância, se sente tão dramaticamente a necessidade dos ensinamentos deste autor aparentemente desactualizado.
Em todos os quadrantes do Mundo de novo se cerram fileiras em nome de princípios religiosos, rácicos ou nacionais, como forma de perseguir minorias – muitas vezes nem sequer muito minoritárias – cujas ameaçadoras diferenças em relação à ordem estabelecida podem assentar apenas numa diferença no trajar, ou na forma de orar, ou na língua, ou na cor da pele… Tão ridículo como isso!
E é bom relembrarmos, algumas das palavras que Voltaire coloca na boca de uma das personagens do seu “conto filosófico” Micrómegas, sobre a chegada à Terra de dois gigantes extraterrestres. Estes, ao examinarem com uma lupa um navio que atravessava o Oceano, para eles apenas um pequeno charco, tentam saber alguma coisa das relações entre os terráqueos, para eles quase micróbios.
A resposta de um dos tripulantes, por acaso um sábio, é muito esclarecedora: “Sabei, por exemplo, que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéu, matam cem mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais.”
E assim continua a ser, com as necessárias modificações nos adereços, de acordo com novas épocas. Mas, no fundo, continuamos a nossa marcha de exércitos de micróbios a caminho da destruição.


Carlos Rodarte Veloso


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