domingo, 31 de dezembro de 2017


NO PRINCÍPIO DE UM NOVO ANO, PARECE APROPRIADO INVOCAR JANUS, A  MUITO ANTIGA DIVINDADE ROMANA
a quem foi consagrado o primeiro mês do ano, por isso chamado Janeiro. Mas assim como as suas duas faces representavam o primeiro mês do novo ano, também evocavam o último da ano anterior, sendo assim o deus das entradas e saídas, do Passado e do Futuro. Por isso era geralmente representado com uma face idosa e a outra jovem como se pode ver no busto italiano setecentista exibido no Museu do Hermitage. 

A sua dupla face tinha o seu equivalente no templo que lhe foi dedicado, com duas portas que deveriam estar abertas em tempo de guerra e só encerradas nos raros períodos em que Roma se encontrou em paz. Janus era, portanto, também um deus da guerra, mas ainda um importante protector dos homens, já que lhe atribuem, entre outros benefícios, a invenção do moeda, da navegação e da agricultura, emparelhando-o assim, de certo modo, com Prometeu, a divindade grega protectora da Humanidade, por isso cruelmente punido por Zeus.

O seu templo original foi destruído e uma igreja cristã ocupa o seu antigo local. Restam-nos algumas representações em moedas romanas, como o sestércio que a seguir se apresenta

 e as ruínas de um templo galo-romano alegadamente dedicado ao mesmo deus, na cidade francesa de Autun, antiga Augustodunum, embora sem quaisquer provas arqueológicas ou documentais dessa invocação.


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017



A MULHER NA ARTE E A ARTE 

DA MULHER EM PORTUGAL

Carlos Rodarte Veloso

"O Templário", 28 de Dezembro de 2017

 NOTA: Este artigo é a síntese de dois artigos dedicados ao mesmo tema, A Mulher na Arte I e II (O Templário, 16 e 23/2/2017), sendo este especialmente focado no caso português.

            Falar sobre a mulher na arte, é tema bem complicado pela ambiguidade da própria expressão: mulher na Arte, sim, mas como modelo, como autora, ou como mecenas? Recordando a referência no anterior artigo a esta última categoria, darei agora um especial realce à sua condição – milenar – de modelo e, finalmente, de artista.
            É que antes ser artista, a mulher na Arte era, quase exclusivamente, o modelo. De facto, a sociedade dominada pelo poder masculino sempre mostrou uma tendência crescente para retirar à mulher toda e qualquer capacidade de actuar sobre o mundo exterior à família. A ela, ser criador por excelência, restavam a procriação e as actividades artesanais domésticas, únicas funções vedadas ao sexo masculino, a primeira por motivos biológicos, as outras por interdito social … por outro lado, era obrigada a guardar um recato que lhe restringia quase totalmente a possibilidade de revelar os seus talentos.
No entanto, persiste a dúvida sobre o seu real papel na primeira criação artística, já que ignoramos tudo sobre a sua acção durante a Pré-História: as pinturas rupestres de Altamira ou de Foz Côa, ou as misteriosas figurinhas de vénus não trazem a assinatura… nem o sexo de quem as produziu… e bem poderiam ter sido mulheres as suas autoras, dado que a tradicional divisão do trabalho lhes atribuiria, provavelmente, tarefas mais sedentárias, enquanto ao homem, a exemplo do que se passa nas tribos ditas “primitivas”, caberia essencialmente a caça. Também nas Artes Aplicadas, nomeadamente na Cerâmica, na Cestaria, e na Tecelagem, é bem possível que fosse o sexo feminino o seu principal autor, desde a sua criação no período Neolítico.
            Raramente ligada às artes ditas “maiores”, a mulher torna-se, em todo o mundo, até aos dois últimos séculos, o motivo inspirador de gerações de artistas e escritores, que nela exaltam o “eterno feminino”. Em pinturas ou esculturas, em busto ou em corpo inteiro, ricamente vestidas ou desnudas, elas são rainhas e camponesas, santas e pecadoras, mulheres comuns, deusas pagãs ou simples alegorias…
            Na Arte portuguesa, aquela que aqui abordarei, essa tendência foi também dominante, e se dispomos de um inumerável contingente de santas — em que avulta Maria, mãe de Jesus Cristo — e piedosas rainhas, princesas e outras veneráveis damas, também podemos apreciar sugestivas pecadoras sofrendo as penas do Inferno (Fig.1 – Jorge Afonso – “O Inferno”, MNAA)  ou do Purgatório e, até, diabas!  Agentes do Bem ou do Mal, não havia meios-termos para as mulheres! Tolerados, porque fora do tempo, eram os belíssimos nus das deusas da Mitologia grega e romana, as alegorias e as representações da nossa venerável  mãe, Eva!


            Pela sua beleza ou pela lenda que as rodeou, deixaram marca na arte portuguesa e, até, europeia, figuras reais como Inês de Castro, Leonor Teles, a “Flor de Altura”, Santa Joana, Isabel de Portugal, esposa do imperador Carlos V, que chegou a ser pintada pelo grande Ticiano (fig.2 – Ticiano, “Imperatriz Isabel de Portugal”), ou Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra, onde introduziu o hábito do chá e a quem foi dedicado o famoso bairro novaiorquino de Queens.


            Se é verdade que, especialmente em Portugal, foram poucas as mulheres que, antes do século XX, sobressaíram como artistas, há, mesmo assim, um razoável número de exemplos. Ocorre-nos facilmente o nome da pintora seiscentista Josefa d’Óbidos, especialmente famosa pela ingenuidade tocante com que compôs algumas das mais pitorescas pinturas do nosso período barroco:  quem não conhece os Cordeiros Místicos, as Naturezas-mortas, a infindável série de cenas religiosas, especialmente incidindo sobre a vida da Virgem e de alguns santos especialmente populares em Portugal, ou os Meninos Jesus Salvadores do Mundo? Com uma sensibilidade muito própria de quem contactou muito de perto com a realidade da vida religiosa dos conventos femininos do nosso século XVII, multiplicou-se em rendinhas, laços, bordados e outros mimos, com que enfeitou “Meninos Jesus” (Fig.3 – Josefa de Óbidos, “Menino Jesus Salvador do Mundo), tal como as freiras iam vestindo amorosamente, com desvelo de mães que não poderiam ser, as rechonchudas imagens rosadas
            As próprias naturezas-mortas ou “bodegones”, gulosas imagens de frutos, flores, queijos, doces e bolos, correspondem a esse ambiente em que o grande misticismo da maior parte do tempo era frequentemente mitigado com os saborosos doces conventuais que eram importante parte das receitas dos milhares de mosteiros espalhados pelo País, obra de mulheres, a maior parte das vezes…



            Desde Josefa d’Óbidos ao século seguinte, vão surgindo algumas mulheres dedicadas às Artes, mas sempre mais como excepção do que como regra: uma escultora, Inácia de Almeida e três arquitectas,  Agustina Barbosa e Silva, Umbelina Joana Mendes de Távora e D. Margarida de Noronha, autora da planta da Igreja da Anunciada, em Lisboa, ombreiam com razoável número de mulheres dedicadas à pintura, especialmente freiras e damas da alta aristocracia, de cuja formação faziam parte aulas de pintura. É o caso de Soror Maria dos Anjos, D. Maria de Guadalupe e Lencastre Cardenas, duquesa de Aveiro, D. Ana Catarina de Lorena e a própria Infanta D.Maria Benedita, a quem é atribuído um dos quadros da Basílica da Estrela. Algumas familiares — e discípulas — de pintores se destacam: Catarina Vieira, irmã de Vieira Lusitano, e Teodora Maria Andrina, filha de João Rodrigues Andrino, além de algumas portuenses de origem inglesa, como Isabel Brown e, também no Porto, Luísa Maria Rosa, que não só conseguiu viver da profissão, mas aí chegou a abrir uma escola de pintura para raparigas. Mas a pintora portuguesa mais destacada no século XVIII, foi sem dúvida Joana do Salitre, que pintou diversos retratos do Marquês de Pombal e de seus irmãos, hoje no Palácio de Oeiras, e quadros religiosos para a Conceição Velha de Lisboa.
            Na passagem do século XIX para o XX, sobressaem as pintoras Josefa Garcia Greno e Aurélia de Sousa, correspondendo ao movimento naturalista. Esta rarefacção de mulheres nas artes apenas viria a ser ultrapassada em pleno século XX.           
         Nos dois últimos séculos são inúmeras as artistas portuguesas de renome, desde as mais internacionais, Maria Helena Vieira da Silva (Fig.4 – Vieira da Silva, “O Desastre” ou “A Guerra”, 1942), Graça Morais e Paula Rego (Fig. 5 – Paula Rego “O Tempo – Passado e Futuro”, 1990), uma das mais originais criadoras do nosso tempo, a um conjunto de nomes de que poderei salientar Sarah Afonso, Maria Keil, Menez, Mily Possoz, Maria José Aguiar e Ana Vidigal, além da tomarense Maria de Lourdes de Mello e Castro que cultivou o naturalismo do seu mestre José Malhoa até meados do século XX.

Embora seja ainda aos pintores do sexo masculino que cabe a maior parte da produção artística nacional, há bons motivos de esperança num futuro mais equilibrado em termos de género. 




sexta-feira, 15 de dezembro de 2017



A ARTE E OS SEUS MECENAS

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 14 de Dezembro de 2017


O termo “mecenas” é hoje usado para caracterizar as individualidades que protegeram ou protegem as Artes, conceito que engloba não só as Artes propriamente ditas, mas também as Letras e as Ciências, a Filosofia e todas as actividades intelectuais desenvolvidas deste a Antiguidade Clássica.
Foi o abastado romano Caio Cílnio Mecenas (Fig.1) – 70 a 8 a.C. – patrono das Letras, amigo pessoal do imperador Augusto e seu tribuno e orador, protector de poetas como Horácio, Virgílio e Propércio, cuja sensibilidade e conhecimento, aliados à sua fortuna, se converteram nos atributos dos homens e mulheres que ao longo dos séculos protegeram as Artes e os Artistas – em sentido lato – e por isso mereceram o título de “mecenas”.
Ao longo dos séculos outros mecenas surgiram, especialmente durante o Renascimento, nalguns casos muito mais conhecidos que o original romano, de que é paradigma Lorenzo de Medici (Fig.2), banqueiro e estadista florentino que patrocinou figuras geniais como os artistas Botticelli, Ghirlandaio e Miguel Ângelo, poetas como Pulci e Poliziano, filósofos como Marsílio Ficino e Picco della Mirandola, ele próprio mecenas também. Miguel Ângelo viria ainda, tal como Rafael e Bramante, a ser patrocinado pelo papa Júlio II que, depois de lhe ter encomendado o próprio túmulo – que nunca foi finalizado – o  obrigou a pintar – a ele, o escultor que menosprezava a Pintura – a extraordinária abóbada da Capela Sistina. O não menos genial Leonardo da Vinci foi ele próprio patrocinado pelo mecenato de Ludovico Sforza “il Moro”, governante de Milão e mais tarde, por Francisco I de França, em cujos braços viria a morrer.
Reis e rainhas, príncipes e princesas, papas, altos prelados, banqueiros, magnatas da indústria e do comércio, notabilizaram-se ao longo dos tempos associados às obras-primas dos seus protegidos e às mais diversas descobertas científicas e tecnológicas da humanidade.
Seria fastidioso enumerá-los e se é verdade que contribuíram materialmente para a sobrevivência, a prosperidade e a obra de figuras tão geniais como Bernini ou Borromini, para apenas citar artistas, também frequentemente se imiscuíram na sua criatividade pressionando-os a adoptar escolhas temáticas ou formais, ou exigindo o seu retrato nas obras de arte encomendadas, como foi comum a muitos deles, que assim tentaram ganhar visualmente a imortalidade.
Em Portugal, tal como nos restantes países, também alguns reis se tornaram o paradigma do mecenato. É o caso de D. Manuel I, enriquecido pelas especiarias dos Descobrimentos, encomendante de uma infinidade de monumentos manuelinos, ainda tributários do Gótico Tardio, e o do seu sucessor, D. João III, que promoveu a penetração em Portugal do gosto renascentista, quer através de encomendas a famosos artistas estrangeiros, quer  pelo envio para Roma e outras cortes europeias de bolseiros, dos quais Francisco de Holanda foi o mais famoso, tendo em Roma conhecido Miguel Ângelo e trazido para a corte numerosos desenhos e pinturas que actualizaram e influenciaram poderosamente a Arte portuguesa.
 D. João V, destinatário do ouro do Brasil, responsável pela construção do mais emblemático e colossal monumento de Portugal, o palácio-convento de Mafra, do estilo barroco, para o qual contratou numerosos artistas estrangeiros, dominantemente italianos, que contribuíram para modificar o panorama e o gosto artístico nacionais, o Patriarcado de Lisboa, destruído pelo Terramoto de 1755, e a maravilhosa Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra.
Também o nosso rei-consorte de D. Maria II, o alemão D. Fernando II, protegeu activamente o património artístico nacional, então em grave perigo, tendo promovido a construção do exemplo acabado da arquitectura romântica nacional, o Palácio de Pena em Sintra.
Exemplo de prelados portugueses que se notabilizaram pela sua cultura e protecção das Artes com a contratação de artistas e a construção de monumentos, é o Bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida, que beneficiou a Sé Velha de Coimbra com o concurso de Olivier de Gand e Jean d’Ypres para o magnífico retábulo gótico da altar-mor, e de João de Ruão para a criação da sua belíssima “Porta Especiosa” já renascentista.
Também o bispo de Viseu D. Miguel da Silva, mecenas do grande pintor Vasco Fernandes, o “Grão Vasco” e, exilado em Roma onde foi nomeado cardeal, tornou-se de tal forma famoso pela sua cultura e espírito humanista, que lhe foi dedicado o famoso livro de Baldassare Castiglione, “O Cortesão”, que descreve o completo homem do Renascimento, de que ele seria o melhor exemplo.
O bispo de Beja, depois arcebispo de Évora, frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas, além de uma acção persistente a favor do desenvolvimento dos estudos científicos em Portugal dentro do espírito do Iluminismo, foi colaborador do marquês de Pombal na reforma da Universidade de Coimbra e coleccionou um valioso espólio arqueológico e literário que o tornou o pioneiro dos museus em Portugal. Fundou a Academia Eclesiástica de Beja em 1793, e instituiu no seu próprio paço episcopal um curso de humanidades. 
Também a rainha D. Leonor (Fig.3), esposa de D. João II se notabilizou, não só pela criação das Misericórdias, mas também pela protecção a escritores como Gil Vicente e a encomendação de obras como a igreja manuelina de Nossa Senhora do Pópulo nas Caldas da Rainha, localidade que prosperou sob a sua protecção até se tornar cidade.
A Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, a mulher mais rica de Portugal, impedida pelo próprio pai de se casar, tornou-se a verdadeira patrona das Artes na nossa época renascentista, sendo a figura central de um círculo cultural na sua corte privada.
Além dos exemplos mencionados e fora da esfera real e eclesiástica, a figura decerto mais significativa no âmbito do mecenato em Portugal e da própria educação artística foi sem dúvida o engenheiro e empresário arménio Calouste Sarkis Gulbenkian (Fig.4) – 1869-1955 – pioneiro da exploração do petróleo no Médio-Oriente que, a partir da sua vinda para o nosso país e mercê da sua fabulosa fortuna, se converteu num quase “ministro da cultura”, quando não existia um Ministério da Cultura, ao criar o Museu e a Fundação Gulbenkian, patrocinadora de boa parte dos estudos artísticos e científicos através da concessão de bolsas de estudos e a publicação de uma infinidade de ensaios e revistas de grande qualidade.
Finalmente e deixando injustamente de parte mais de uma dúzia de individualidades nacionais, terminarei referindo a acção de Ricardo do Espírito Santo Silva – 1900 a 1955 – banqueiro, coleccionista de arte, mecenas e desportista, próximo assim do ideal renascentista do “homem total” e criador da Fundação com o seu nome, destinada à musealização e conservação e restauro do património artístico português e editora de numerosas publicações destinadas à História da Arte.
Outras individualidades se têm destacado, como ficou dito, embora muitas vezes o seu mecenato seja favorecido por benefícios fiscais concedidos pelo Estado o que, sendo de todo justificado, “envenena” por vezes a sua acção cívica e cultural com a suspeição do mercantilismo. Mas será que ele não é uma constante na maior parte dos casos?


                   
Fig. 1 – “Caio Cílnio Mecenas” – busto italiano no Coole Park, Galway, Irlanda



Fig. 2 – Verrocchio – “Busto de Lourenço de Medici”, terracota

 
      
                
            Fig. 3 - Francisco  Franco – “Rainha D. Leonor” - Caldas da Rainha, 1935



            Fig. 4 - Leopoldo de Almeida – “Gulbenkian” - Jardins da Fundação Gulbenkian, 1965



quinta-feira, 7 de dezembro de 2017





ARTE E RELIGIÃO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 7 de Dezembro de 2017

Como atrás ficou dito e segundo o testemunho de pinturas rupestres várias representando animais trespassados por flechas (fig.1) e o que se julga ser “feiticeiros mascarados”, encontramos nessas imagens aquilo que tem sido considerado o testemunho documental que a Pré-História nos pôde transmitir de actos de Magia ou seja, de acções rituais destinadas, de forma evidentemente irracional, a dominar a natureza. Da mesma época são as estatuetas femininas baptizadas como “vénus”, possivelmente destinadas a  favorecer a fertilidade animal, do mesmo modo que as fêmeas grávidas dos grandes mamíferos de que se alimentavam estes povos favoreceriam a fecundidade animal.

Gruta de Lascaux - "O Cavalo Chinês"
As “mãos” impressas em negativo sobre paredes de cavernas, poderão ser também uma representação simbólica e, assim, mágica de apropriação do espaço pelo ser humano, sendo a sua datação ainda mais antiga, de cerca de 30 000 a.C., correspondente ao surgimento do “homo sapiens sapiens”, o homem moderno.
No limite, conhecemos a prática de enterramentos rituais em posição fetal praticada desde c. 100 000 a.C., aquando da eclosão do “homo sapiens neandertalensis” ou homem de Neandertal, o que revela uma atitude mágico-religiosa perante a morte que pressupõe a devolução do morto à Mãe-Terra, ou qualquer conceito afim.
Segundo o raciocínio do arqueólogo Leroi-Gourhan, na sua famosa obra As Religiões da Pré-História, “por falta de materiais realmente fundamentados para estabelecer uma separação, não se fará nenhuma distinção entre religião e magia”.
As atitudes humanas perante o mistério da vida e da morte, convergem assim nestas duas realidades, paralelas mas hoje separadas, não pela sua natureza, irracional em ambas, mas pelo favor diferencial que lhes é atribuído pelo poder instituído em cada cultura.
Assim, as religiões oficiais, correspondentes às culturas dominantes em cada Estado, são igualmente dominantes em termos sócio-políticos e assim julgadas as “verdadeiras religiões”. As religiões populares, praticadas pelos estratos mais frágeis e incultos da população, são geralmente classificados como superstições em que predomina a magia. Seja como for estão estreitamente unidas pela sua irracionalidade, oposta ao que Auguste Comte chamou o “estado positivo” ou seja, “a Ciência propriamente dita”.
Todas as actividades humanas, sobretudo a Arte, vão imiscuir-se nesta realidade que é comum a todos os povos do mundo, a adoração de deuses  ou de um deus criador, para os quais são construídos templos de todos os tipos e produzidas obras de Arte de todos os géneros, destinadas a glorificá-los e a expandir a sua adoração.
Na Antiguidade, Oriental ou Clássica, as grandes construções, a estatuária e a pintura eram dedicadas a deuses (fig.2), semideuses ou monarcas deificados, como o eram os faraós, os reis-sacerdotes ou os imperadores de diversas civilizações. 

Antíoco - Cópía da "Atena" de Fídias
A própria morte proporcionava a construção de grandiosos monumentos funerários, como o foram as pirâmides, mausoléus e outras edificações, além de toda uma iconografia relativa à glória de tão augustas personagens.
Com as religiões monoteístas, aquelas às quais os muçulmanos chamaram “as religiões do Livro” – ou “da Bíblia” – o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, a sua concretização em termos artísticos foi variável, havendo épocas e culturas de todas as três que ora recusaram como herético, ora cultivaram como ortodoxo ou, pelo menos, aceitável, o uso das imagens. A justificação dessas diferenças radicais obrigava os teólogos, a favor ou contra as imagens, a autênticas acrobacias mentais, enquanto os partidários das mesmas e os seus detractores – os iconoclastas – na Constantinopla do século VIII, se digladiavam nas ruas, fazendo correr rios de sangue.
Ao contrário do uso e do culto das imagens, não universalmente aceite, os edifícios religiosos monumentais são uma constante de todas as religiões, dos monumentos megalíticos aos templos, sinagogas, igrejas ou mesquitas. São espaços de culto, mas também domínio das mais requintadas formas artísticas.
Limitando-nos à realidade artística que nos é mais próxima, a da arte católica, assiste-se, na Idade Média, depois de uma considerável degradação da representação humana, a um regresso a formas cada vez mais próximas da Arte clássica, que triunfaria com o Renascimento e os estilos que depois dele vieram, sem esquecer a deriva não figurativa do século XX aos nossos dias, que não abordaremos aqui.
A adopção de formas clássicas foi desde logo incorporada na arte religiosa do Catolicismo, primeiro simbolicamente, depois atingindo um grau cada vez mais elevado de naturalismo, desde a Renascença (fig.3) aos estilos do século XIX. Nesse intervalo, o Concílio de Trento, na sua sessão de 1563, tentou responder ao repúdio das imagens defendido pela maioria das religiões da Reforma protestante, fixando uma série de regras a que os artistas deveriam obedecer para a produção das mesmas.

Miguel Ângelo - Capela Sistina - "A Criação do Homem"
Embora o seu grau de aceitação variasse da país para país, as regras então enunciadas passaram a ser, até aos nossos dias, o farol orientador da Arte católica. São elas, muito resumidamente: proibição de toda a lascívia, de modo a que as imagens não revelem formosura dissoluta; que não sejam colocadas nas igrejas “imagens extraordinárias” sem prévia aprovação pelo Bispo; que sejam especialmente valorizadas as cenas de milagres, a exaltação mística e o martirológio, para acção catequética.

Isso não impediu numerosas excepções, especialmente desde o século XIX até ao presente, que decerto fariam corar de raiva os prelados de Trento e os sinistros inquisidores do “Santo Ofício” (fig.4).

Paula Rego - Capela do Palácio de Belém - "Adoração"

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017


DIA DA RESTAURAÇÃO, AGORA TAMBÉM RESTAURADO

Carlos Rodarte Veloso

Neste aniversário da Restauração da nossa Independência, lembremos as ameaças, passadas, presentes e futuras à nossa condição de povo LIVRE... Ameaças externas, mas também internas, quando um governo de vendidos aboliu o feriado nacional, restaurado em 2016. A todos os vendidos e a todos os candidatos a ocupantes deste maravilhoso País, o poema imortal de Camões ou, simplesmente, o poema popular de Rafael Bordalo Pinheiro sob a forma de barro, ISTO: