quinta-feira, 7 de dezembro de 2017





ARTE E RELIGIÃO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 7 de Dezembro de 2017

Como atrás ficou dito e segundo o testemunho de pinturas rupestres várias representando animais trespassados por flechas (fig.1) e o que se julga ser “feiticeiros mascarados”, encontramos nessas imagens aquilo que tem sido considerado o testemunho documental que a Pré-História nos pôde transmitir de actos de Magia ou seja, de acções rituais destinadas, de forma evidentemente irracional, a dominar a natureza. Da mesma época são as estatuetas femininas baptizadas como “vénus”, possivelmente destinadas a  favorecer a fertilidade animal, do mesmo modo que as fêmeas grávidas dos grandes mamíferos de que se alimentavam estes povos favoreceriam a fecundidade animal.

Gruta de Lascaux - "O Cavalo Chinês"
As “mãos” impressas em negativo sobre paredes de cavernas, poderão ser também uma representação simbólica e, assim, mágica de apropriação do espaço pelo ser humano, sendo a sua datação ainda mais antiga, de cerca de 30 000 a.C., correspondente ao surgimento do “homo sapiens sapiens”, o homem moderno.
No limite, conhecemos a prática de enterramentos rituais em posição fetal praticada desde c. 100 000 a.C., aquando da eclosão do “homo sapiens neandertalensis” ou homem de Neandertal, o que revela uma atitude mágico-religiosa perante a morte que pressupõe a devolução do morto à Mãe-Terra, ou qualquer conceito afim.
Segundo o raciocínio do arqueólogo Leroi-Gourhan, na sua famosa obra As Religiões da Pré-História, “por falta de materiais realmente fundamentados para estabelecer uma separação, não se fará nenhuma distinção entre religião e magia”.
As atitudes humanas perante o mistério da vida e da morte, convergem assim nestas duas realidades, paralelas mas hoje separadas, não pela sua natureza, irracional em ambas, mas pelo favor diferencial que lhes é atribuído pelo poder instituído em cada cultura.
Assim, as religiões oficiais, correspondentes às culturas dominantes em cada Estado, são igualmente dominantes em termos sócio-políticos e assim julgadas as “verdadeiras religiões”. As religiões populares, praticadas pelos estratos mais frágeis e incultos da população, são geralmente classificados como superstições em que predomina a magia. Seja como for estão estreitamente unidas pela sua irracionalidade, oposta ao que Auguste Comte chamou o “estado positivo” ou seja, “a Ciência propriamente dita”.
Todas as actividades humanas, sobretudo a Arte, vão imiscuir-se nesta realidade que é comum a todos os povos do mundo, a adoração de deuses  ou de um deus criador, para os quais são construídos templos de todos os tipos e produzidas obras de Arte de todos os géneros, destinadas a glorificá-los e a expandir a sua adoração.
Na Antiguidade, Oriental ou Clássica, as grandes construções, a estatuária e a pintura eram dedicadas a deuses (fig.2), semideuses ou monarcas deificados, como o eram os faraós, os reis-sacerdotes ou os imperadores de diversas civilizações. 

Antíoco - Cópía da "Atena" de Fídias
A própria morte proporcionava a construção de grandiosos monumentos funerários, como o foram as pirâmides, mausoléus e outras edificações, além de toda uma iconografia relativa à glória de tão augustas personagens.
Com as religiões monoteístas, aquelas às quais os muçulmanos chamaram “as religiões do Livro” – ou “da Bíblia” – o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, a sua concretização em termos artísticos foi variável, havendo épocas e culturas de todas as três que ora recusaram como herético, ora cultivaram como ortodoxo ou, pelo menos, aceitável, o uso das imagens. A justificação dessas diferenças radicais obrigava os teólogos, a favor ou contra as imagens, a autênticas acrobacias mentais, enquanto os partidários das mesmas e os seus detractores – os iconoclastas – na Constantinopla do século VIII, se digladiavam nas ruas, fazendo correr rios de sangue.
Ao contrário do uso e do culto das imagens, não universalmente aceite, os edifícios religiosos monumentais são uma constante de todas as religiões, dos monumentos megalíticos aos templos, sinagogas, igrejas ou mesquitas. São espaços de culto, mas também domínio das mais requintadas formas artísticas.
Limitando-nos à realidade artística que nos é mais próxima, a da arte católica, assiste-se, na Idade Média, depois de uma considerável degradação da representação humana, a um regresso a formas cada vez mais próximas da Arte clássica, que triunfaria com o Renascimento e os estilos que depois dele vieram, sem esquecer a deriva não figurativa do século XX aos nossos dias, que não abordaremos aqui.
A adopção de formas clássicas foi desde logo incorporada na arte religiosa do Catolicismo, primeiro simbolicamente, depois atingindo um grau cada vez mais elevado de naturalismo, desde a Renascença (fig.3) aos estilos do século XIX. Nesse intervalo, o Concílio de Trento, na sua sessão de 1563, tentou responder ao repúdio das imagens defendido pela maioria das religiões da Reforma protestante, fixando uma série de regras a que os artistas deveriam obedecer para a produção das mesmas.

Miguel Ângelo - Capela Sistina - "A Criação do Homem"
Embora o seu grau de aceitação variasse da país para país, as regras então enunciadas passaram a ser, até aos nossos dias, o farol orientador da Arte católica. São elas, muito resumidamente: proibição de toda a lascívia, de modo a que as imagens não revelem formosura dissoluta; que não sejam colocadas nas igrejas “imagens extraordinárias” sem prévia aprovação pelo Bispo; que sejam especialmente valorizadas as cenas de milagres, a exaltação mística e o martirológio, para acção catequética.

Isso não impediu numerosas excepções, especialmente desde o século XIX até ao presente, que decerto fariam corar de raiva os prelados de Trento e os sinistros inquisidores do “Santo Ofício” (fig.4).

Paula Rego - Capela do Palácio de Belém - "Adoração"

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