A ARTE E OS SEUS
MECENAS
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 14 de Dezembro de 2017
O termo “mecenas” é hoje usado para caracterizar as
individualidades que protegeram ou protegem as Artes, conceito que engloba não
só as Artes propriamente ditas, mas também as Letras e as Ciências, a Filosofia
e todas as actividades intelectuais desenvolvidas deste a Antiguidade Clássica.
Foi o abastado romano Caio Cílnio Mecenas (Fig.1) – 70 a 8
a.C. – patrono das Letras, amigo pessoal do imperador Augusto e seu tribuno e
orador, protector de poetas como Horácio, Virgílio e Propércio, cuja
sensibilidade e conhecimento, aliados à sua fortuna, se converteram nos
atributos dos homens e mulheres que ao longo dos séculos protegeram as Artes e
os Artistas – em sentido lato – e por isso mereceram o título de “mecenas”.
Ao longo dos séculos outros mecenas surgiram, especialmente durante
o Renascimento, nalguns casos muito mais conhecidos que o original romano, de
que é paradigma Lorenzo de Medici (Fig.2), banqueiro e estadista florentino que
patrocinou figuras geniais como os artistas Botticelli, Ghirlandaio e Miguel
Ângelo, poetas como Pulci e Poliziano, filósofos como Marsílio Ficino e Picco
della Mirandola, ele próprio mecenas também. Miguel Ângelo viria ainda, tal
como Rafael e Bramante, a ser patrocinado pelo papa Júlio II que, depois de lhe
ter encomendado o próprio túmulo – que nunca foi finalizado – o obrigou a pintar – a ele, o escultor que menosprezava
a Pintura – a extraordinária abóbada da Capela Sistina. O não menos genial
Leonardo da Vinci foi ele próprio patrocinado pelo mecenato de Ludovico Sforza
“il Moro”, governante de Milão e mais tarde, por Francisco I de França, em
cujos braços viria a morrer.
Reis e rainhas, príncipes e princesas, papas, altos prelados,
banqueiros, magnatas da indústria e do comércio, notabilizaram-se ao longo dos
tempos associados às obras-primas dos seus protegidos e às mais diversas
descobertas científicas e tecnológicas da humanidade.
Seria fastidioso enumerá-los e se é verdade que contribuíram
materialmente para a sobrevivência, a prosperidade e a obra de figuras tão
geniais como Bernini ou Borromini, para apenas citar artistas, também frequentemente
se imiscuíram na sua criatividade pressionando-os a adoptar escolhas temáticas
ou formais, ou exigindo o seu retrato nas obras de arte encomendadas, como foi
comum a muitos deles, que assim tentaram ganhar visualmente a imortalidade.
Em Portugal, tal como nos restantes países, também alguns
reis se tornaram o paradigma do mecenato. É o caso de D. Manuel I, enriquecido
pelas especiarias dos Descobrimentos, encomendante de uma infinidade de
monumentos manuelinos, ainda tributários do Gótico Tardio, e o do seu sucessor,
D. João III, que promoveu a penetração em Portugal do gosto renascentista, quer
através de encomendas a famosos artistas estrangeiros, quer pelo envio para Roma e outras cortes europeias
de bolseiros, dos quais Francisco de Holanda foi o mais famoso, tendo em Roma conhecido
Miguel Ângelo e trazido para a corte numerosos desenhos e pinturas que
actualizaram e influenciaram poderosamente a Arte portuguesa.
D. João V,
destinatário do ouro do Brasil, responsável pela construção do mais emblemático
e colossal monumento de Portugal, o palácio-convento de Mafra, do estilo
barroco, para o qual contratou numerosos artistas estrangeiros, dominantemente
italianos, que contribuíram para modificar o panorama e o gosto artístico
nacionais, o Patriarcado de Lisboa, destruído pelo Terramoto de 1755, e a maravilhosa
Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra.
Também o nosso rei-consorte de D. Maria II, o alemão D.
Fernando II, protegeu activamente o património artístico nacional, então em
grave perigo, tendo promovido a construção do exemplo acabado da arquitectura
romântica nacional, o Palácio de Pena em Sintra.
Exemplo de prelados portugueses que se notabilizaram pela sua
cultura e protecção das Artes com a contratação de artistas e a construção de
monumentos, é o Bispo de Coimbra D. Jorge de Almeida, que beneficiou a Sé Velha
de Coimbra com o concurso de Olivier de Gand e Jean d’Ypres para o magnífico
retábulo gótico da altar-mor, e de João de
Ruão para a criação da sua belíssima “Porta Especiosa” já renascentista.
Também
o bispo de Viseu D. Miguel da Silva, mecenas do grande pintor Vasco Fernandes,
o “Grão Vasco” e, exilado em Roma onde foi nomeado cardeal, tornou-se de tal
forma famoso pela sua cultura e espírito humanista, que lhe foi dedicado o
famoso livro de Baldassare Castiglione, “O Cortesão”, que descreve o completo homem do
Renascimento, de que ele seria o melhor exemplo.
O bispo de Beja, depois
arcebispo de Évora, frei Manuel do Cenáculo Vilas-Boas, além de uma acção
persistente a favor do desenvolvimento dos estudos científicos em Portugal
dentro do espírito do Iluminismo, foi colaborador do marquês de Pombal na reforma da
Universidade de Coimbra e coleccionou um valioso espólio arqueológico e
literário que o tornou o pioneiro dos museus em Portugal. Fundou a Academia Eclesiástica de Beja em
1793, e instituiu no seu próprio paço episcopal um curso de humanidades.
Também
a rainha D. Leonor (Fig.3), esposa de D. João II se notabilizou, não só pela
criação das Misericórdias, mas também pela protecção a escritores como Gil
Vicente e a encomendação de obras como a igreja manuelina de Nossa Senhora do
Pópulo nas Caldas da Rainha, localidade que prosperou sob a sua protecção até
se tornar cidade.
A
Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, a mulher mais rica de Portugal,
impedida pelo próprio pai de se casar, tornou-se a verdadeira patrona das Artes
na nossa época renascentista, sendo a figura central de um círculo cultural na
sua corte privada.
Além dos exemplos mencionados e fora da esfera
real e eclesiástica, a figura decerto mais significativa no âmbito do mecenato
em Portugal e da própria educação artística foi sem dúvida o engenheiro e
empresário arménio Calouste Sarkis Gulbenkian (Fig.4) – 1869-1955 – pioneiro da
exploração do petróleo no Médio-Oriente que, a partir da sua vinda para o nosso
país e mercê da sua fabulosa fortuna, se converteu num quase “ministro da
cultura”, quando não existia um Ministério da Cultura, ao criar o Museu e a
Fundação Gulbenkian, patrocinadora de boa parte dos estudos artísticos e
científicos através da concessão de bolsas de estudos e a publicação de uma
infinidade de ensaios e revistas de grande qualidade.
Finalmente e deixando injustamente de parte mais
de uma dúzia de individualidades nacionais, terminarei referindo a acção de
Ricardo do Espírito Santo Silva – 1900 a 1955 – banqueiro, coleccionista de
arte, mecenas e desportista, próximo assim do ideal renascentista do “homem
total” e criador da Fundação com o seu nome, destinada à musealização e
conservação e restauro do património artístico português e editora de numerosas
publicações destinadas à História da Arte.
Outras individualidades se têm destacado, como
ficou dito, embora muitas vezes o seu mecenato seja favorecido por benefícios
fiscais concedidos pelo Estado o que, sendo de todo justificado, “envenena” por
vezes a sua acção cívica e cultural com a suspeição do mercantilismo. Mas será
que ele não é uma constante na maior parte dos casos?
Fig.
1 – “Caio Cílnio Mecenas” – busto italiano no Coole Park, Galway, Irlanda
Fig.
2 – Verrocchio – “Busto de Lourenço de Medici”, terracota
Fig. 3 - Francisco Franco – “Rainha D. Leonor” - Caldas da
Rainha, 1935
Fig. 4 - Leopoldo
de Almeida – “Gulbenkian” - Jardins da Fundação Gulbenkian, 1965
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