NATUREZA MORTA e "TROMPE
L’OEIL" NA
HISTÓRIA DA ARTE
HISTÓRIA DA ARTE
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 8 de
Fevereiro de 2018
O conceito de “natureza morta” é
quase tão antigo como a História da Arte, embora essa designação apenas surja,
nas várias línguas europeias, a partir do século XVII, nomeadamente no
Neerlandês. Anteriormente era associado a temas mais restritos, como a
representação de fruta (fruytagie), de
um banquete (bancket), ou de pequeno-almoço
(ontbijt). Estas designações acabaram
concentradas numa única, stilleven,
significando objecto inanimado, ou natureza imóvel. Rapidamente adoptada em
outras línguas, ficou “Natureza Morta” no Português, “Bodegón” no Castelhano (associado
a “bodega” ou taberna), “Nature morte” no Francês, “Still life” no Inglês...
É conveniente acentuar uma característica
que acompanha desde o berço este conceito artístico: o de um naturalismo
extremo na representação dos produtos naturais que o constituem, a ponto de
enganar o observador. Esse naturalismo enganador deu origem à noção de “trompe
l’oeil” (literalmente, “engana o olho”), o mesmo que ilusão de óptica.
Um excelente exemplo, é o do pintor
grego Zeuxis que, segundo o naturalista romano Plínio o Velho, teria pintado um
quadro com uvas, de tal modo perfeito na ilusão, que pássaros o teriam debicado
gulosamente. Não tendo chegado até nós qualquer pintura grega para além de
pinturas em vasos e do “Rapto de Proserpina”, já pertencente à cultura
helenística, resta-nos este testemunho de Plínio.
No entanto, são os próprios romanos,
com os famosos frescos encontrados nas cidades destruídas pelo Vesúvio e noutras
no Império Romano, que revelam a sua mestria no naturalismo genial com que
criaram nas paredes das suas domus e villae, paisagens ilusionísticas
representando jardins, vistas de cidades e bucólicas paisagens rurais, com um
tal grau de sofisticação que revelam uma inesperada aproximação às regras da
perspectiva que só viriam a ser desenvolvidas no Renascimento.
Do mesmo modo, quer em pintura,
quer em mosaico, os romanos deixaram-nos ainda deliciosos apontamento de naturezas
mortas tal como as classificávamos já na época barroca ou seja, reproduções de
conjuntos de seres inanimados como frutos, flores, utensílios domésticos, em
que a cerâmica e o vidro (fig.1) são magnífica e ilusionisticamente
representados, alimentos ricamente confeccionados e apresentados, mas também
animadas pela ocasional presença de animais vivos, muitas vezes verdadeiras
obras-primas do naturalismo.
Fig. 1 - Fresco de Pompeia |
Condenada pelos teólogos católicos
durante a Idade-Média, a Natureza Morta vem a ressurgir no pré-renascimento associada
a cenas generalistas, como acessório ou ornamento, só vindo a autonomizar-se no
Maneirismo e no Barroco, com as primeiras naturezas mortas holandesas e
italianas, nomeadamente a “Cesta de Fruta” de Caravaggio pintada c. 1596 (fig.2),
revelando já propósitos não apenas naturalísticos, mas a introdução da ideia de
transitoriedade da vida, evidente nas marcas de podridão reveladas em alguns
frutos, o que convergia com um especíalíssimo tema, o da “vanitas”, também já documentado
desde a Antiguidade em representações em que se associam objectos relacionados
com a efemeridade da vida e, portanto, a “inutilidade” de quanto foi feito de
notável por um ser efémero como o é o ser humano. Também se caracteriza pela
presença de caveiras ou esqueletos humanos. A este conceito voltarei, em
próximo texto.
Fig. 2 - Caravaggio, "Cesta com Fruta" |
Caso também especialíssimo de “natureza morta” é boa parte da obra do pintor maneirista Arcimboldo, com os seus retratos e alegorias preenchidas com elementos heteróclitos, desde animais e vegetais, a livros e outros objectos culturais (fig.3), prenunciando o que viria a ser o Surrealismo do século XX.
Fig. 3 - Arcimboldo, "Água" |
Entre tantos outros exemplos, é caso que especialmente nos interessa, o das naturezas mortas de Josefa de Óbidos, representando flores e os doces e outras iguarias preparadas nos conventos, hoje famosas especialidades regionais (fig.4), a par de cenas hagiográficas e de representações do “Agnus Dei”, ele próprio uma natureza morta.
Fig. 4 - Josefa de Óbidos |
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