OS “PAÇOS DO INFANTE” E O
ESPAÇO CONVENTUAL
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 22 de Março de 2018
"Continua-se hoje a publicação de excertos do meu
trabalho “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”
Muitos
dos edifícios que hoje podemos admirar no Centro Histórico de Tomar, apesar de
numerosas “reabilitações” os terem desfigurado, mantêm ainda grande número de
elementos que sobrevivem desde os séculos XV e XVI: janelas, portas, elementos
decorativos… Destaca-se especialmente a moradia nobre, o palácio, por muito relativa que essa designação possa ser , especialmente numa vila de
média dimensão como é o caso de Tomar. No entanto, muitos dos palácios aqui
existentes foram de tal forma adulterados que pouco conservam da traça
original, tendo alguns desaparecido de todo, hoje substituídos por edifícios
com diferentes funções mas, sobretudo, muito mais pobres do ponto de vista
estético.
Até
à nomeação do Infante D. Henrique, em 1420, como governador e administrador
apostólico da Ordem de Cristo, toda a vida social de Tomar se concentra em
torno e, principalmente, dentro das muralhas do Castelo Templário que, até
1499, continuam a dar abrigo a moradores laicos. Com a administração do Infante
assistimos a uma gradual deslocação do centro social da Vila para a margem do
Nabão, enquanto se acentua a separação física entre os dois núcleos: o Convento
e a Vila de baixo, cindidos mas interdependentes.
A
construção dos “paços velhos”, primeira fase construtiva do chamados Paços do Infante, tem lugar entre 1425
e 1435, na sequência da edificação dos
claustros góticos do Cemitério e
da Lavagem, como eles riscados por Fernão Gonçalves. Esta obra destinava-se a
acomodar D. Henrique num espaço digno da sua elevada posição e da imagem que pretendia
preservar, o Castelo. A sua contiguidade com a parede do Claustro da Lavagem
parece dar continuidade, no espaço e no tempo, a uma expansão na direcção da
Alcáçova medieval, ou seja, de poente para nascente. A construção do “Paço da
Rainha” ou “paços novos” manuelinos, obra confiada a João de Castilho cerca de
1515, deu-lhes um novo impulso nessa direcção, que viria a ser atingida, já sob
formas renascentistas, durante a regência de D. Catarina, entre 1557 e 1562.
O
conhecimento destes paços chega-nos, pela via documental, através do inventário
do desembargador Pedro Álvares Sêco que, entre outras valiosas informações,
refere grandes modificações estruturais, espaciais e, decerto, funcionais, a
que foram sujeitas estas edificações.
A
fachada, hoje muito modificada quanto às aberturas, pode ser admirada na
iluminura da portada do Livro IV da Estremadura, da Leitura Nova de D. Manuel I, de 1509. Nela se pode ver a “Porta dos
Arcos”, na base da escadaria manuelina e as janelas dispostas aos pares, talvez
geminadas, com uma sequência rítmica e uniforme entre as do Claustro da Lavagem
e as dos paços. As amplas e sóbrias janelas que hoje as substituem, têm
interiormente adossados, pequenos bancos laterais, as chamadas “conversadeiras”
Uma
sondagem arqueológica efectuada em 1985, sob a direcção de Salete da Ponte, no
espaço interior destes paços, rectangular e dividido em dois tramos de arcos
quebrados, pôs a descoberto uma calçada “em espinha”, possivelmente moçárabe,
anterior à construção dos “paços velhos”, bem como as fundações de um muro com
meio metro de espessura e vários pavimentos sobrepostos. Um deles, em
tijoleira, parece ser contemporâneo da remodelação dos mesmos paços.
A
contribuição moçárabe detectada no espaço civil do Monumento, adequa-se
perfeitamente à recusa da tese do ermamento, antes identificando mais uma das
sucessivas ocupações do território de Tomar, neste caso islâmica, pois só essa
contribuição explica a existência de moçárabes, isto é, cristãos vivendo sob o domínio
muçulmano e influenciados pela respectiva cultura.
Essa
diversidade cultural parece-me ser a chave do período áureo da tolerância
religiosa em Portugal e, especialmente, nesta Cidade, que se pode honestamente
considerar como “das três religiões monoteístas”. Aliás, a construção da
Sinagoga, sob o governo e a égide do Infante D. Henrique, completa esse quadro
excepcional de inclusão, uma palavra hoje tão corrompida pelo (mau) uso, que
quase perdeu o significado.
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