sexta-feira, 29 de junho de 2018


FUNDAMENTALISMOS: 
OS NOSSOS E OS DOS OUTROS

Carlos Rodarte Veloso


 “O Templário”, 28 de Junho de 2018

Um livro editado em 2017, “A Chegada das Trevas: Como os Cristãos Destruiram o Mundo Clássico”, de Catherine Nixey, dá uma inesperada actualidade à obra clássica de Edward Gibbon “Declínio e Queda do Império Romano” editado entre 1776 e 78.

A obra de Gibbon constitui a primeira reacção significativa e devidamente fundamentada à ideia cristalizada desde o triunfo do Cristianismo como religião do Estado romano, de que este teria dado um contributo decisivo para a paz e a amizade entre os povos que tinham constituído o maior império até então existente.
Entre as causas da decadência e queda de Roma surgiram inúmeras hipóteses, a começar pelas morais – ou melhor, imorais... – numa História falseada pela ideologia clerical, alimentada a partir do século XIX por cenas de banquetes orgiásticos e outras “imoralidades” em romances pseudo-históricos de grande êxito popular, como “Os Últimos Dias de Pompeia”, “A Túnica”, “Quo Vadis”, “Ben-Hur”, “Fabíola”, depois passados ao cinema, com êxito sempre crescente. Esta “imoralidade”, advinda de costumes muito diversos do puritanismo cristão que considerava o sexo uma actividade altamente pecaminosa, merecedora do castigo divino, era alimentada pela propaganda da Igreja Católica, apostada em assim degradar à quase condição de animais ferozes os “pagãos”, “adoradores de ídolos” e, assim, do próprio Satanás...
Muitas outras causas foram avançadas pela miríade de investigadores que estudaram o tema, desde causas económicas a políticas, militares e, até médicas, as quais poderão dar, por acumulação, uma aproximação à realidade histórica.
No entanto, nunca ninguém se atrevera, como Gibbon, à “blasfémia” de acusar o Cristianismo triunfante de ser uma das causas da queda do Império, devido à substituição de uma elite militar activa pela indolência da classe sacerdotal católica, especialmente os monges. Segundo o nosso autor, “a Igreja e o próprio Estado foram dilacerados por facções religiosas, cujas querelas se revelaram geralmente sangrentas e sempre implacáveis ”.
Não adiantarei muito mais acerca da importância desta obra heterodoxa, por não ser este o espaço indicado. No entanto, a abordagem de Catherine Nixey afasta-se e vai muito mais longe do que a de Gibbon sobre as “causas” da decadência do mundo romano, modelo acabado de uma Europa unida pelo Mediterrâneo com o norte de África e um Próximo e Médio Oriente, tendencialmente a arquitectura geográfica alargada da União Europeia...
Para a autora de “Chegada das Trevas”, a Igreja católica primitiva não apenas conduziu a divisões insanáveis entre os povos do Império, como as acirrou com base no proselitismo com que atacou os próprios fundamentos culturais do mundo clássico.
A própria ideia largamente generalizada de terem sido os Cristãos martirizados aos milhares por todos os imperadores não corresponde inteiramente à verdade num mundo em que havia larguíssima tolerância religiosa englobando os próprios Cristãos. É claro que é bem real o episódio sangrento das perseguições de Nero, com base na sua procura de bodes expiatórios para o grande incêndio de Roma. No entanto, as perseguições documentadas até ao reinado de Constantino não são massivas, sendo antes casos excepcionais, pontuais mesmo, muitas vezes provocadas pelo próprio proselitismo de numerosos cristãos, desejosos de encontrar no martírio a glória de Deus.
Mas a partir do momento em que o Cristianismo se torna religião oficial do Estado, logo começam novas perseguições, desta vez sistemáticas, mas aos “pagãos” e à sua religião, assim como a todas as correntes filosóficas greco-latinas, do Epicurismo ao Estoicismo, com única excepção de alguns dos ensinamentos de Platão e Aristóteles, que posteriormente acabariam por ser adoptados parcialmente pelas doutrinas da Igreja.
É paradigmática a destruição da Biblioteca de Alexandria e o monstruoso assassínio, com inacreditável crueldade – esfolada em vida! – de uma mulher excepcional, filósofa e cientista, Hipátia, que não só não se submeteu às limitações a que a doutrina cristã sempre quis reduzir o seu sexo, como interveio por diversas vezes junto dos órgãos do poder da cidade para evitar a deriva ditatorial que o bispo de Alexandria conduziu contra “pagãos” e Judeus. Um filme também, “Ágora” de Alejandro Amenábar, foca este terrível momento histórico, quando a capital cultural do mundo antigo sofre o seu mais hediondo atentado.
Estas perseguições, tantas delas saldadas pelo morticínio dos sacerdotes e sacerdotizas “pagãs” assim como de quantos as defendessem, obrigam os cidadãos que desejam conservar a sua preponderância social e política a “converter-se” em massa, assim renunciando aos antigos deuses e assim, também à defesa dos seus antigos lugares sagrados, agora arrasados pela fúria devastadora de multidões de fanáticos ignorantes, que não poupam as obras-primas da arquitectura clássica, as esculturas e todas as manifestações artísticas e culturais nascidas do génio humano, identificando-as com o mal e, assim, reduzindo o corpo humano e as suas representações ao domínio do próprio Demónio
O mito de ter sido a própria Igreja católica a preservar, através dos mosteiros, grande parte desse património, cai pela base quando sabemos que cerca de 90 % das obras literárias greco-romanas foram destruídas selvaticamente e as suas folhas em pergaminho raspadas dos seus conteúdos clássicos para as preencher com textos teológicos cristãos, transcrições da Bíblia e diverso sermonário no espaço antes ocupado por peças de teatro, poesia lírica e épica, tratados filosóficos e científicos, obras históricas e mitológicas de autores de que hoje apenas conhecemos os nomes.
Na verdade, a partir do desenvolvimento do movimento monacal, vemos a preservação nos “scriptoria” dos conventos de um número razoável de escritos, muitos deles copiados pelos momges copistas, mesmo assim apenas uma infinitésima parte de tudo quanto antes fora destruído, queimado, profanado. Estes textos, como é visível noutro romance histórico, “O Nome da Rosa” de Humberto Eco, também passado ao cinema, não estavam disponíveis para o público mas apenas para uma elite religiosa, supostamente “vacinada” contra a perigosidade de textos de tal modo heréticos...
Hoje ficamos chocados com a barbárie do “estado islâmico” e as destruições causadas pelos seus prosélitos nas cidades sobreviventes do mundo antigo. Por isso transcrevo da primeira página do obra de Catherine Nixey um excerto muito ilustrativo, não esquecendo que se refere ao século VI d.C. e não ao XXI:
“Os destruidores vieram do deserto. Palmira devia estar à sua espera: durante anos, bandos saqueadores de fanáticos de barba e túnicas negras, armados com pouco mais do que pedras, barras de ferro e um sentido férreo de justiça tinham vindo aterrorizar o leste do Império Romano.
Os seus ataque eram primitivos, brutais, e muito eficazes. Estes homens moviam-se em matilhas – mais tarde em enxames de até quinhentos elementos - e quando surgiam seguia-se-lhes a absoluta destruição [...] Grande colunas de pedra que se erguiam há séculos caíam numa só tarde, estátuas que se haviam erguido durante meio milénio viam de súbito os seus rostos mutilados; templos que haviam assistido à ascensão do Império Romano caíam num só dia”.
Insistir, para quê? Os actos falam por si e o paralelismo entre o fanatismo dos “cristãos” vitoriosos dos primeiros séculos e a barbárie “islâmica” deste princípio do século XXI demonstra a triste repetição dos erros que há milénios assombram e ensombram a espécie humana.
Olhamos com esperança as excepções ao paradigma do ódio, dos ódios. Ingenuidade, ou simples prova de que ainda existe na espécie humana a semente de um futuro digno de se viver?

sexta-feira, 22 de junho de 2018



EUCALIPTOS, PETRÓLEO E ALGUMAS 

INCONGRUÊNCIAS


Carlos Rodarte Veloso

(“O Templário”, 21 de Junho de 2018)

               Confesso que estou bastante confuso relativamente aos avanços e recuos da política ambiental do Governo no que toca a dois importantes problemas: a erradicação dos eucaliptos como forma fundamental de reordenamento e protecção da floresta e o uso das energias alternativas aos combustiveis fósseis
               Como sou um entusiástico apoiante da fórmula política representada pela aliança de Esquerdas que em boa hora evitou o desastre nacional que seria um novo desgoverno Passos Coelho-Assunção Cristas e estou ciente de que o actual Governo é uma solução enriquecedora para um País sucessivamente traído nas suas expectativas económicas, sociais e culturais, sinto o dever de criticar todos os desvios a essas mesmas expectativas.
               Saúdo, como é evidente, as preocupações e as medidas tomadas para evitar a repetição da catástrofe incendiária do ano apassado e isso leva-me a perguntar a quem me possa esclarecer: sendo evidente a perigosidade da manutenção de largas áreas  florestais dominadas pelo eucalipto, porque não vemos medidas eficazes para, pelo menos, evitar que os eucaliptais ardidos sejam replantados?
               É que, passada a desgraça dos fogos, que tão bem aproveitada foi pelas forças de Direita para enxovalhar um Governo de sucesso na reparação da irresponsabilidade criminosa da anterior governação, assisti, incrédulo, ao plantio quase imediato de espaços compactos de pequenos eucaliptos, quando a evidente solução para esse problema seria a plantação maciça de árvores nativas como carvalhos, castanheiros, azinheiras, sobreiros, nogueiras, recuperando assim a flora autóctone, muito mais resistente aos incêndios, como se comprovou nas propriedades que sobreviveram ao flagelo.
               Penso, e muita gente pensou como eu, que a solução radical passaria, não só pela não replantação de mais eucliptos mas, pelo contrário, pelo abate sistemático dos restantes, que ocupam uma boa parte do nosso País. Mas a triste verdade é que a paisagem continua dominada pela lucrativa espécie, apadrinhada pelas grandes empresas e comodisticamente perpetuada por proprietários apenas preocupados com o lucro rápido.
               Por isso, embora aplauda o aumento e melhoria dos meios materiais e humanos de ataque aos incêndios e da reorganização e saneamento das entidades competentes, a previsão de que os desequilíbrios provocados no ambiente pelo aquecimento global – que apenas o sr. Trump e retardados como ele contestam – levam-me a temer que o fenómeno incendiário vá manter-se na época de calor que se aproxima. Para mais, as muito leves medidas tomadas contra incendiários comprovados, fazem prever que também a frente da criminalidade não se alterará significativamente.
               Todas estas preocupações têm que ver com o ambiente, e de que maneira! No entanto, o crescimento do uso das energias alternativas facultado pela nossa riqueza natural, permitirá a médio prazo a sua utilização numa percentagem próxima dos 100% para satisfação das necessidades de energia a todos os níveis. Essa aposta, iniciada num anterior governo socialista e logo sufocada pelos lobies do executivo subsequente, foi retomada na actual solução governativa. Energia eólica, solar, das marés, geotérmica, além da hidráulica, já não tão desejável, mas importante, utilizadas de acordo com as características regionais, suprem cada vez mais cabalmente as necessidades em todos os sectores. O crescimento que se prevê imparável, dos transportes eléctricos colectivos e individuais e, possivelmente, num futuro próximo, da utilização da própria energia da electrólise da água, só pode ser visto como extremamente promissor.
               Daí, a minha questão: os combustíveis fósseis ainda serão usados por um bom par de anos, mas a própria sobrevivência da humanidade exige que estes sejam gradualmente substituídos. Gradualmente mas o mais depressa possível... Totalmente substituídos! As grandes empresas petrolíferas não estão pelos ajustes, como é evidente. Farão o seu “melhor” para o evitar ou, pelo menos, prolongar a sua hegemonia “ad aeternum”, por muito que isso adie a recuperação ambiental tão urgente como necessária.
               No entanto e totalmente contra-corrente, é o mesmo Governo que promoveu e promove o aproveitamento das energias renováveis que autoriza a prospecçção do petróleo no litoral algarvio e alentejano pelo consórcio Eni/Galp, contra a total e veemente oposição de autarcas algarvios e alentejanos, associações ambientalistas e a população organizada em diversos movimentos, nomeadamente a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP).
               Argumenta o Secretário de Estado da Energia que nem é necessário o estudo de impacte ambiental, dado que a prospecção se limitará a um “furo” sem quaiquer consequências... Mas quem o garante? E a grande pergunta que subsiste é esta: se não se pretende construir qualquer plataforma de exploração petrolífera, porque é que o consórcio Eni/Galp se dispõe a investir capital – não será decerto insignificante... – PARA NADA? É sabido que investimentos de capital têm sempre como fito o RETORNO do dinheiro empatado. Será então por interesse científico? Mas perfurar a crosta terrestre não provocará instabilidade nas placas tectónicas, propiciando porventura fenómenos sísmicos numa região propensa aos mesmos? Não esqueçamos que o Terramoto de 1755 afectou igualmente Lisboa e o Algarve. E, mais uma vez, todo um esforço que pode afectar o equilíbrio ambiental para NADA?! Alguém acredita que o investimento em causa não trará atrás as “naturais” exigências das empresas que vão empatar o seu rico dinheirinho? Apenas por amor à arte?...
               A quem de direito, acho que é tempo de travar um disparate porventura irreparável. Um Portugal livre de hidrocarbonetos não suporta mais asneiras contra o ambiente. Sejamos um exemplo, como já o somos a nível político, não uma lamentável incongruência!

quinta-feira, 14 de junho de 2018



UM MUNDO DE PLÁSTICO

Carlos Rodarte Veloso

(“O Templário”, 14 de Junho de 2018)

A palavra AMEAÇA parece ser o denominador comum do mundo em que vivemos. Podemos apontar para o sinistro 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque como o espoletador de todos os demónios dum mundo exausto de ódio, mas que o não esquecera. O ataque às “torres gémeas” foi o pretexto maravilhoso para se fazer tábua rasa de todos os progressos obtidos no final do século XX. George W. Bush, vencedor de eleições bastantes controversas logo se colocou no centro do furacão que levou à invasão do Iraque sob o pretexto hoje sabidamente falso das “armas de destruição maciça”, com o apoio dos “amigos do costume” em que devemos incluir a vergonhosa cumplicidade do nosso governo de então, de Durão Barroso, que não demorou muito a colher muito mais do que os simbólicos 30 dinheiros bíblicos.
Terrorismo, guerra muito pouco cirúrgica, aumento do terrorismo agora organizado em “estado”, ampliação intercontinental dos campos de batalha, refugiados, mais refugiados, refugiados ainda rapidamente convertidos em pomo de discórdia e sementeira de medo, sementeira de ódios...
Não cabe aqui a análise das causas e efeitos quer do terrorismo suicidário do “estado islâmico”, quer do terrorismo super organizado e tecnológico dos Estados Unidos e aliados. Nem o período de Barack Obama à frente dos States, promissor de uma recuperação do diálogo internacional, conseguiu interromper a tendência suicida internacional – assim a considero – enquanto emergiam como cogumelos pequenas  ditaduras envergonhadas ainda, proto-fascistas, alimentadas pelo fogo do ódio e do MEDO perante a “invasão” do nosso mundo cada vez menos livre por multidões de gente pobre, ameaçada nas suas vidas pela guerra alimentada por interesses que lhes eram inteiramente alheios.
Essa gente, por ter uma religião erradamente identificada com o pseudo-islamismo do “estado islâmico”, sofre a suspeição de querer conquistar o Ocidente, suspeição essa alicerçada em demasiados comportamentos detestáveis de emigrantes de segunda e terceira geração, instalados no seio de uma esmagadora maioria desejosa apenas de acolhimento e trabalho.
Não vale a pena repetir as tristes cenas que marcaram a bola de neve criada a  partir de atentados terroristas cada vez mais sangrentos desse inacreditável “estado islâmico”, enquanto a ideia de tolerância, tão cara pelos nossos lados, se esvaía gradualmente. O radicalismo populista alastrou a novos países, nomeadamente da nossa Europa, e interrogamo-nos agora sobre a possibilidade de o “ovo da serpente” que eclodiu nos anos 20 e 30 do século passado, estar de novo presente nos bastidores do poder europeu.
A triste verdade é que, enquanto cresce o apoio a governos populistas cada vez mais descaradamente fascistas, os Estados Unidos se afastam de qualquer tipo de apoio aos antigos aliados e às suas tão proclamadas virtudes, confrontados com a emergência de um clima de confronto internacional alimentado até ao frenesim pela prosápia imbecil do pior dos presidentes jamais eleitos, em condições ainda mais suspeitas do que as que deram o poder a Bush, Donald Trump...
A coincidência do seu mandato com a emergência de novas super-potências governadas por ditadores de variável competência, capazes de fazer sombra ao poder económico e militar do seu país, alimenta mais ainda a ameaça de um confronto internacional completamente descontrolado que fará a 2ª Guerra Mundial parecer um conflito de média dimensão.
E o que podem fazer as massas humanas discordantes deste estado de coisas num planeta cada vez mais cheio e em que a Democracia é cada vez mais uma simples declaração de intenções, constantemente atropelada pela “realpolitik” nua e crua?
Podem, é claro, manifestar-se nas ruas e através dos órgãos de soberania ainda activos nos diversos Parlamentos, em abaixo-assinados de muito discutível eficácia, ou através da Imprensa, esta no entanto cada vez mais enfeudada aos interesses de grande grupos de pressão, traindo assim em toda a linha aquela que deveria ser a sua misssão social e política...
Mas há problemas não directamente associados a esta ameaça de guerra, o monstro que mais imediatamente nos preocupa, e que são aqueles que estão ligadas às ameaças cada vez mais evidentes ao nosso planeta, ao ambiente em que temos que sobreviver e que se mostra crescentemente ameaçado e ameaçador, leia-se, sufocante! Essa ideia assustadora é evidenciada pela acumulação maciça de LIXO por todo o mundo, nos milhares de toneladas diárias lançadas em monturos que abrangem áreas cada vez mais avassaladores dos arredores das grande cidades que, por sua vez, os “exportam” para os países do Terceiro Mundo. E todo ele, para os RIOS e para o MAR, o grande “caixote do lixo” que até há algum tempo parecia inesgotável pelo espaço que aparentava oferecer!
O útimo número da revista “National Geographic” faz um dramático ponto da situação deste problema, que está a entupir os oceanos com ilhas de plástico do tamanho de países e os animais marinhos com micropartícula também plásticas, que os matam e acabam por entrar igualmente na alimentação humana com resultados ainda desconhecidos, mas previsivelmente nefastos para a saúde e a vida.


Aterros sanitários já deixaram de ser condição suficiente para resolver o problema pois eles mesmos têm um limite de capacidade facilmente ultrapassada, e a incineração dos resíduos perigosos trás problemas graves de poluição que exigem medidas bastante despendiosas e difíceis de aplicar.
Apenas a reciclagem diferenciada parece resultar, mas a percentagem de pessoas – para falar apenas em Portugal – que utilizam os contentores de plásticos, metais, papel e vidro ainda está bastante abaixo dos 50%, sendo que desses cidadãos cumpridores muitos deles não o fazem correctamente.
Alguma experiência em países escandinavos sugere a entrega das embalagens de plástico, de longe o maior poluidor e o mais durável, como depósito nos grandes estabelecimentos comerciais, em troca de talões de compras.
O pagamento nos supermercados dos sacos de plástico pode ajudar a reduzir o seu uso, mas nesses mesmos estabelecimentos – e em todo o comércio – a esmagadora maioria dos produtos vêm embalados, muitas vezes duplamente embalados, em plásticos de diversos tipos, levando a um consumo aproximado de 1 quilo e meio de plástico por pessoa e por dia! É nesse problema que deverão incidir todas as medidas para reduzir o seu uso e aumentar drásticament o seu reaproveitamento.
Não sei se conseguiremos, através da Democracia que nos resta e de alguma vergonha que sobre na cara dos dirigentes que tão mal nos dirigem, conter uma guerra generalizada de índole militar, ou se ela ficará “reduzida” a agressões “puramente económicas”, nem por isso inócuas para as vidas humanas, ao mesmo tempo que nos países da periferia se ensaiam as novíssimas armas que um dia nos poderão matar a todos...
Enquanto tal não acontece, resta-nos, pelo menos, não fazer orelhas moucas aos perigos mortíferos desse maravilhoso material que, desde o final do 2ª Guerra Mundial inundou o mundo do consumo e as nossas vidas: o “inefável” PLÁSTICO!

FOTO: National Geographic






quinta-feira, 7 de junho de 2018


CORFU. APONTAMENTOS DE VIAGEM 
À MARGEM DE UM CONGRESSO
Carlos Rodarte Veloso


“O Templário”, 7 de Junho de 2018

Corfu, 23 de Junho de 2004 

Para mim, terminou o Congresso, o 4th International Congress of Maritime History, organizado pelo Departamento de História da Universidade Iónica, realizado em Corfu em Junho de 2004, onde apresentei uma comunicação subordinada ao título "Causes de naufrage dans les routes maritimes portugaises de l’ancien régime - de l’erreur humaine a la violence organisée". Passada a “iniciação” e a comunicação, posso respirar fundo. Foi bom, mas com o calor e a confusão babilónica do encontro, já chegava…
Corfu é uma linda cidade, tão luminosa sob o seu azul mediterrânico, como anárquica no seu trânsito que, em muitos aspectos, lembra Portugal. Sobre Corfu e o seu enquadramento geográfico, político e paisagístico, publiquei já um pequeno apontamento n’ O Templário de 29 de Dezembro de 2016
No centro da cidade, à revelia dos outros estrangeiros, os seis portugueses que para aqui tínhamos viajado, almoçámos coisas da terra e trocámos impressões sobre Corfu e o Mediterrâneo, os nossos antigos contactos com os povos que o habitaram e, como é evidente, a aventura marítima de Portugal! Nós os cinco, que não nos conhecemos de lado nenhum, encontramo-nos numa ilha mediterrânica a falar sobre assuntos que só nos interessam a nós, NÓS que fomos “apenas” os descobridores do mundo, enquanto os OUTROS, mais sofisticados, nossos herdeiros em muitos aspectos, falam de números — produtos, tráfego, seguros, estatísticas — que fazem de cada um um senhor do mundo…
Os franceses são muito sui generis, com a sua atitude de perpetuamente ofendidos por não serem a maioria dos participantes e de o Francês, embora língua oficial do Congresso, ser minoritária. Falam uns com os outros, em circuito fechado, a comemorar, quase 400 anos depois, o terem sido momentaneamente os senhores dos mares e da navegação, com a sua inventiva e as lições que deram na arte da navegação, sobretudo aos ingleses.
Os de língua não anglo-saxónica submetem-se à hegemonia do Inglês e, sendo mais numerosos que os francófonos, sujeitam-se a debitar as suas verdades nas suas versões de variável competência das línguas oficiais… Foi o que eu disse a M. X, que se manifestava indignado pelo pequeno número de delegados utilizando o francês. Sempre lhe fui recordando que o Português, muito mais falado no mundo do que o francês, não era sequer língua reconhecida pelo Congresso… Isso não o perturbou minimamente, mantendo o discurso autista que nunca abandonou…


O meu almoço foi um prato que, traduzido para a “língua universal”, era “chicken in ‘koum-kouat sauce Corfu stille” (sic!), que era uma coisa com pedaços de frango (assado? guisado?) com rodelas minúsculas dumas laranjinhas doces, batatas e arroz, com o tal molho por todos os lados e era deliciosamente estranha. Demos depois uma volta pelo centro da cidade, visitámos a Igreja de Agio Spiridion (São Espiridião) que é o patrono de Corfu e é ortodoxa, com uma acumulação quase kitsch de ícones — na maioria, ingénuos, alguns belíssimos — e com a urna em prata do santo coberta por inúmeras lanternas de prata e ex-votos, também em prata, penduradas do tecto, oferendas devotas como as que vemos nos nossos santuários. Nas lojas de recordações, dominam as cópias de vasos gregos e, principalmente, de ícones bizantinos, como o que comprei com “certificate”, e tudo...


Estou agora sozinho, num snack-bar de uma rua sossegada da parte moderna de Corfu, a comer uma bela tosta de queijo com pepino, tomate e não sei o que mais, com uma laranjada vulgaríssima. Vou voltar ao hotel, embora não faça a mais pequena ideia do caminho a seguir, depois de, como sempre, me ter perdido estrategicamente, para ver coisas diferentes. Uma delas foi o Museu de Arqueologia, que já fechou há 1 hora (às três!) e agora só numa nova viagem ou numa próxima encarnação!


Ainda deambulei naquela parte da cidade, com vista para este mar incomparável, por uma aprazível alameda onde circulavam charretes como os de Sintra. Num supermercadinho tive que recorrer à linguagem gestual, a algumas palavras mais ou menos internacionais e ao meu Italiano pobrezinho, para adquirir alguns géneros indígenas. A “língua universal” não me serviu aqui para nada: ou Grego ou Italiano, a língua dos Venezianos, que ocuparam a ilha durante cerca de 400 anos.
Amanhã vai ser Atenas e o regresso, e espero que seja um dia memorável. No fundo, apesar de tudo que vi e fiz, tem sido esse o centro das minhas preocupações. Vamos ver se tenho tempo para ver, ao menos, a Acrópole! Já me chegava… Se chegava!
Corfu - Atenas, 24 de Junho de 2004
Estou literalmente no ar a caminho de Atenas (Αθήνα), a Cidade por excelência! Sobrevoei Corfu e as Ilhas Iónicas mais próximas – como é pequena Ítaca, a ilha de Ulisses, tão cobiçada! – e estou agora sobre a Grécia continental, e é sempre o mesmo: dorsos de monstros marinhos emergindo das águas, com as suas cristas e rugosidades, rochas e alguns vales verdes, canais e lagoas marinhas, com ilhotas no meio, ligadas a terra por pontes.
A viagem foi rapidíssima. Mal me dispus a escrever — o que demorou algum tempo — e já nos fazemos à pista. A viagem anunciada era de 1 hora, mas pouco passou de meia e já estou, mais uma vez literalmente, a apertar o cinto… Atenas, alma mater da nossa Civilização, mergulhada numa névoa que nada tem de poético e faz dela uma das cidades mais poluídas da Europa!
Sobre essa breve mas tão rica estadia, pode ler-se, também n’O Templário, o meu artigo “6 horas em Atenas”, no número de 5 de Janeiro de 2017.
FOTOS: C. Veloso

terça-feira, 5 de junho de 2018


O COLÉGIO UNIVERSITÁRIO DA ORDEM DE CRISTO EM COIMBRA
Carlos Rodarte Veloso
“Correio Transmontano”,4 de Junho de 2018


A criação do Colégio de Nossa Senhora da Conceição, conhecido em Coimbra como de Tomar e em Tomar, como de Coimbra, está indissociavelmente ligada a dois factores: à reforma da Ordem de Cristo, decidida em 1523 por D. João III, e à transferência definitiva da Universidade para Coimbra, no ano de 1537.
Nasce assim o Convento ou Colégio de Coimbra, também chamado de Nossa Senhora da Conceição, destinado a facultar aos freires da Ordem de Cristo uma preparação universitária, espécie de ensino liceal muito antes da criação dos Liceus.
Relativamente ao período de 147 anos que medeia entre o início da construção e a bênção da igreja, há uma falta confrangedora de documentação, tanto relativamente à sua autoria, como quanto aos seus artífices. A documentação relativa a este período diz respeito, fundamentalmente, às doações e subsídios que diversos reis entenderam conceder ou confirmar ao Colégio.
Só depois de grandes atribulações será finalmente benzida, pelo Bispo de Coimbra, em 17 de Abril de 1713, a Igreja do Colégio de Tomar, na presença do D. Prior Geral da Ordem de Cristo e do Prior do Colégio.
O raiar do século XIX assiste à franca decadência da Ordem e dos seus estabelecimentos, como, aliás, à das restantes ordens e, como é sabido, de todo o sistema do Antigo Regime.
A Revolução Liberal traz a secularização do Colégio de Tomar, tal como aconteceu com as ordens militares de Santiago e de Avis, transformando-o em colégio literário.
Mas é com a extinção das ordens religiosas, decretada em 1834, que o Colégio de Nossa Senhora da Conceição recebe o golpe de misericórdia. Vendido em hasta pública, em 1 de Abril de 1852, é abandonado à sua sorte durante mais 21 anos, até que o Município o recuperou, por pouco tempo, com as novas funções de escola de tiro, esgrima e ginástica.
Mas não demoraria a morte de tão maltratado monumento: em 4 de Outubro de 1873 o Município indica o edifício do Colégio de Tomar para a construção de uma Cadeia Distrital, a ser construída segundo os novos preceitos científicos das penitenciárias de segurança máxima, o sistema “panóptico”. Consumava-se assim o destino do Colégio de Tomar, de que não ficou pedra sobre pedra, aproveitadas estas para a construção da Penitenciária. Apenas o topónimo, Rua de Tomar, recorda a Cidade dos Templários e da Ordem de Cristo.



O que era e como era então este monumento que o desprezo mais míope das autoridades de então assim marginalizou? Iconograficamente, para além da planta do monumento, existem algumas fotografias de fraca qualidade e três desenhos de um álbum de vistas de Coimbra (Fig.1) que revelam diferentes perspectivas do Colégio, assim como uma estampa inglesa algo fantasista. Uma fotografia de Silva Magalhães (Fig.2) é o último testemunho visual conhecido do Colégio. As suas características maneiristas são evidentes, e seria um dos mais monumentais edifícios nascidos da reforma quinhentista da Universidade.
Restam-nos apenas algumas relíquias que sobreviveram da mole majestosa do Colégio de Tomar, hoje recolhidas no Museu Machado de Castro e, evidentemente, a própria Penitenciária (Fig.3), que integra na sua construção provavelmente a totalidade do material pétreo original.

sexta-feira, 1 de junho de 2018


UM DIA EM QUE AS PREOCUPAÇÕES
COM O FUTURO DAS CRIANÇAS SÃO
AS MAIORES DE SEMPRE