O ÓDIO AOS POBRES (2)
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 15 de Novembro de 2018
(CONTINUAÇÃO)
Há também um número razoável de africanos, decerto descendentes dos antigos escravos que por aqui trabalhavam nas charqueadas, a indústria da salga da carne. Aqui bem perto existem ainda as ruínas de um quilombo, o do Morro de Quinongongo, local de fuga e resistência dos escravos fugidos, hoje apenas do interesse de historiadores e arqueólogos. São hoje evidentemente “livres”, mas mantém-se a sua herança de pobreza, vivendo a maioria na periferia.
Relativamente às casas de habitação mais representativas, estas raramente ultrapassam um piso de altura, com uma fachada que pouco excede a largura de uma porta e duas janelas, são invariavelmente rematadas por uma platibanda recortada e esculpida. Também as cores, geralmente vivas e contrastantes, aumentam o pitoresco das ruas de Pelotas. Um exemplo pobre desta tipologia está aí, em imagem, uma sede local do PT, o Partido do Trabalhadores, então a três anos de distância do poder, que depois, tão dramática e polemicamente perdeu.
Mas para saborear os gostos e os olhares que marcam as diferenças, nada melhor que o comércio popular, dos restaurantes às lojas de produtos religiosos afro-católicos, como a Iemanjá da figura anexa, do mercado municipal ao comércio paralelo.
Ver a recolha do lixo é um espectáculo desportivo, os funcionários a correr, à vez, atrás do camião, a apanhar os sacos em corrida… E os subúrbios nada têm que ver com a regularidade urbana do centro de Pelotas. Ruas que são caminhos serpenteantes de terra batida, ladeados por casas pequenas de um andar, muitas delas em cimento.
Em chocante contraste, aqui e ali, prédios altos com os telhados revestidos de arame farpado e torres de vigilância, algo que recorda graves clivagens sociais, aliás ilustradas por chocantes declarações de três jovens rio-grandenses das classes médias-altas, evidentemente brancas e racistas a um ponto inacreditável, que se horrorizaram no ano seguinte, ao visitar a nossa luminosa Lisboa, por ter que atravessar, “cheias de medo” um Rossio “cheio de pretos”!
Mais do que ódio racial, aqui bem documentado, o que me pareceu muito óbvio e bastantes vezes declarado, foi a atitude de “ódio aos pobres” revelado por gente bem colocada socialmente nessas comunidades do Sul. Inacreditável, no País do multiculturalismo! Entre os jovens estudantes que contactámos, essas atitudes negativas pareciam mais diluídas, embora se não possam comparar com as relações mais abertas existentes nos Estados do Norte.
Isto não explica nada, no contexto destas tão estranhas eleições brasileiras, em que os pobres forneceram todas as armas – literalmente! – aos seus inimigos mais figadais…
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