VESTUÁRIO E CULTURA
Carlos Rodarte Veloso
"Correio Transmontano"
15 de Abril de 2019
Desde o tempo em que o vestuário foi “inventado”, até aos nossos dias, vemos que a sua utilidade inicial, a protecção contra uma natureza agreste, se converte, gradualmente, num símbolo de poder — ou falta dele… —, de diferenciação social e, frequentemente, de sedução. Formas, cores, tecidos, tudo foi ganhando significado ao longo dos tempos e das civilizações.
Quando, pela primeira vez, um ser humano se cobriu com uma grosseira pele de animal, morto pelas suas próprias mãos, pretendia decerto, em primeiro lugar, um abrigo portátil contra o frio, a chuva ou a neve e uma protecção adicional contra as feras ou os inimigos.
Não temos provas de que as coisas se tenham passado desta forma, mas o simples bom senso assim o indica. No entanto essa protecção distinguia decerto o seu utilizador dos restantes membros da comunidade levando, por imitação, à sua difusão. Era uma protecção que aumentava as possibilidades de sobrevivência do grupo, mas rapidamente seria enriquecida com ornamentos que a tornaram cada vez mais cobiçada.
Não temos provas de que as coisas se tenham passado desta forma, mas o simples bom senso assim o indica. No entanto essa protecção distinguia decerto o seu utilizador dos restantes membros da comunidade levando, por imitação, à sua difusão. Era uma protecção que aumentava as possibilidades de sobrevivência do grupo, mas rapidamente seria enriquecida com ornamentos que a tornaram cada vez mais cobiçada.
Tudo leva a crer que o costume, bem documentado em enterramentos pré-históricos, de pintar ou tatuar o corpo com corantes diversos, formando padrões variados, vai levar à ornamentação do vestuário primitivo com motivos semelhantes, sempre com um forte significado simbólico, destinado a identificar o seu utilizador e, decerto, a exteriorizar diversas informações a seu respeito.
Hoje não restam, no nosso vestuário quotidiano, muitos vestígios dessas marcas pessoais, sociais e profissionais do passado. Todos identificamos facilmente — embora nem sempre correctamente — certos trajes antigos, ligados a determinados povos ou funções: uma túnica remete para civilização greco-romana, uma armadura para os guerreiros medievais europeus, um toucado de penas para os líderes dos povos nativos da América, um albornoz para os habitantes dos desertos norte-africanos e do Médio e Próximo Oriente… Um conhecimento deficiente de tais vestimentas tem levado a muitas deturpações, especialmente em muitos filmes “históricos” made in Hollywood, que por sua vez criam terríveis confusões no público. A fonte dos mais diversos tipos de vestuário tem suporte nas artes figurativas contemporâneas dos mesmos, o que exemplificamos com as epresentações de trajos antigos. No entanto as respectivas figurações sãos muitas vezes erróneas quando os artistas tentavam figurar épocas anteriores, então ainda pouco conhecidas.
Dentro de cada espaço culturalmente caracterizado, antes da instituição dos sistemas igualitários que surgiram a partir da 1º Guerra Mundial, os diversos estratos sociais e/ou profissionais eram identificados de forma imediata pelo trajar de cada um dos seus membros, distinto ainda conforme os sexos, as etnias, as regiões e, em certos casos, a religião seguida.
É sabido que desde o século passado se desenvolveram inumeráveis estudos sobre os costumes populares nos diversos países, muito especialmente europeus. Essa verdadeira moda foi fruto do Romantismo do século XIX, um grande movimento cultural e nacionalista interessado em encontrar as raízes culturais dos diversos povos da Europa. Desse interesse nasceu a pesquisa etnográfica e a noção de folclore.
O reconhecimento das diferenças entre os vários grupos regionais que constituem um povo ou uma nação levou ao estudo e divulgação das marcas de identificação desses grupos, sendo uma dessas marcas, precisamente, o vestuário.
É evidente que a evolução das tecnologias e o enriquecimento das sociedades aumentaram de uma forma espantosa a diversificação do traje. Além do vestuário destinado ao trabalho, geralmente o mais simples possível para possibilitar a necessária liberdade de movimentos e produzido em tecidos resistentes ao uso e provenientes da região, existia aquele a que há poucos anos ainda chamávamos “roupa de Domingo”, marcado pela melhor qualidade dos têxteis, muitas vezes comprados fora da região e com um uso restrito aos domingos e dias de festa, de carácter excepcional e nem sempre ao alcance de todas as bolsas. Dentro desta categoria e mais marcado pela excepcionalidade que qualquer outro, surge o vestuário de cerimónia, muito especialmente o vestido de noiva, destinado a ser utilizado apenas uma vez numa vida inteira e, por vezes, reutilizado pela geração seguinte como uma herança preciosa passada de mães para filhas, com um fortíssimo valor simbólico.
O escasso uso que cada uma destas peças sofria permitiu-lhes sobreviver em muito bom estado ao longo de gerações, chegando muitos deles aos nossos dias, como um precioso testemunho do passado, tanto no campo como na cidade.
Assim, todo o vestuário, especialmente o popular, desde o rude traje de trabalho quotidiano ao garrido traje de festa, mormente o de casamento, representa, por direito próprio, a expressão mais íntima do sentir popular. A sua preservação e divulgação constituem uma obrigação a que ninguém se poderá eximir, sob pena de arriscar, mais ainda, a perda de um importantíssimo factor da identidade cultural .
FIGURAS: 1. Pintura rupestre levantina, “A Dança”; 2. Cerâmica grega clássica, “A Despedida do Guerreiro”; 3.Nuno Gonçalves, “Políptico de S. Vicente de Fora”; 4.Holbein, “Os Embaixadores”; 5.Hogart, “Mariage à la Mode”; 6.David, “Madame Récamier”; 7. Lempika, “Rapariga de verde com luvas”; 8.Júlio Pomar, “Fernando Pessoa".
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