A Toscana
Carlos Rodarte Veloso
"O Templário" 27-4-2017
Depois de terminada uma curtíssima digressão pela cidade ímpar de Florença, era altura de mergulhar na paisagem e noutras cidades da Toscana e mais uma vez se punha a dificuldade da selecção, nos dois dias de que dispunha. E quanto não ficaria por ver, desde os vestígios da velha civilização etrusca, às muitas cidades toscanas, que exigiriam semanas e não horas apenas.
A solução mais prática levava a um percurso na direcção do Mar Tirreno, passando por Vinci e terminando em Pisa, assim acompanhando o curso do Rio Arno. Daí, regressando ao interior, o percurso terminaria noutra fascinante cidade, Siena, tal como Pisa, velha rival de Florença.Comecemos pela doce paisagem da Toscana com as suas suaves colinas pontuadas pela extraordinária profusão de ciprestes (Fig.1), e é curioso o seu paralelismo – guardadas as devidas proporções – com a zona de Tomar próxima do aqueduto dos Pegões e os arredores de Torres Novas, igualmente povoados destas árvores, tão “romanas”. Em seguida, a presença da vinha, da cevada e do milho, e as típicas casas, rústicas ou palacianas, com os seus inconfundíveis tons de ocre, que encantam os sentidos e fazem pensar no quanto a presença de tais belezas poderá ter influenciado o surto artístico e o bom gosto que, com boas razões, se atribui aos italianos.
E bem perto de Florença, também banhada pela Arno, a povoação de Vinci, terra natal de Leonardo, com o seu “Museo Leonardiano”, onde se expõem os extraordinários desenhos tecnológicos do Mestre acompanhados de maquetes e modelos em escala real dos seus inventos mais famosos, muitos deles já experimentados com êxito: gruas de várias dimensões e aplicações, asas diversas, umas mecânicas e outras planadoras, baseadas no voo das aves, modelos de helicóptero (Fig.2), paraquedas, mecanismos de relojoaria, pontes de construção rápida e concepção revolucionária, máquinas industriais de fiar e de tecer, veículos automotores de mola ou de manivela, uma bicicleta a pedais surpreendentemente moderna, barcos com pás locomotoras movidas braçalmente, flutuadores para caminhar sobre a água, um aparelho respirador para mergulhadores, fornos para a fusão do bronze, medidores da velocidade do vento e da água, e uma colecção inacreditável de armas de fogo, desde metralhadoras com canos em leque, a canhões a vapor e a um carro blindado circular, obras deste declarado pacifista, o que não era, como bem sabemos, o caso dos seus mecenas... e apenas indico aqui algumas das suas realizações mais famosas.
Continuando a seguir o curso do Arno e já próximo do Mar Tirreno, a rival de Florença, Pisa, a cidade do “Campo dei Miracoli” (Fig.3), grande extensão de terreno plano onde foram construídos os edifícios românicos do Duomo, do seu Baptistério e do Campanile, a famosíssima Torre Inclinada, cujas obras de consolidação têm travado a sua “ânsia do abismo”, visto terem adiada a sua inevitável queda. Iniciada em 1173, a Torre comunga com os outros edifícios da zona, mas em muito maior grau, de uma inclinação estrutural devido à sua implantação em solo arenoso. Para lá deste defeito construtivo, este conjunto monumental é o exemplo mais harmonioso e requintadamente único dum Românico que em nada fica a dever à elegância do Gótico. Trata-se de facto de um Campo dos Milagres!
Avanço agora para sul, na direcção da belíssima cidade de Siena, famosa pelo seu Duomo gótico com a fachada preciosamente decorada com embutidos de mármore, decoração também extensiva ao pavimento interior da catedral. Mas é o centro cívico da cidade que goza de maior popularidade, a “Piazza del Campo”, com a sua altíssima “Torre del Mangia” (Fig.4). É nesta piazza que se realizam ainda as seculares corridas de cavalo em pêlo das 17 “contrade” – os bairros da cidade – tendo como prémio para o vencedor o “Palio” ou estandarte de Siena. Estas festas anuais atraem um número espantoso de visitantes e são o reflexo de uma furiosa competição entre esses mesmos bairros. A cidade em si, é bem uma cidade medieval, com ruas estreitas e motivos pitorescos a espreitar a cada esquina.
De regresso a Florença é obrigatória uma visita a San Gimignano, com as suas múltiplas torres medievais (Fig.5), símbolos de poder local e das infindáveis disputas entre as suas famílias rivais.
Torres que Irrompem dos sonhos
e da terra ocre
como espadas cintilando ao sol
dum céu cobalto.
Delírios da razão
na terra fértil
dos ciprestes
da vinha e da oliveira.