segunda-feira, 17 de abril de 2017
COIMBRA, 17 DE ABRIL DE 1969 – A CAMINHO DA REVOLUÇÃO
Carlos Rodarte Veloso
(Actualização de artigo publicado no Cidade de Tomar de 17-4-1998)
Faz hoje 48 anos, iniciou-se em Coimbra um dos mais significativos movimentos estudantis portugueses de todos os tempos, cuja dinâmica abalou as bases do próprio regime marcelista, último estertor do “Estado Novo”, então em fase de pseudo-liberalização.
Tudo começou com a inauguração de edifício universitário “das Matemáticas”, que contou com a presença de Américo Thomaz, então Presidente da República e de diversas figuras do Governo, nomeadamente o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva… Após o discurso de Thomaz, levantou-se, na assistência, trajando impecável traje académico, o Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, solicitando a palavra, em nome dos estudantes. Visivelmente perturbado, Américo Thomaz titubeou “Sim, mas primeiro fala o senhor Ministro da Educação…”.
É conveniente explicitar que este episódio se passa pouco tempo depois da reconquista da Associação pelos estudantes de Coimbra, a qual fora, durante anos, gerida por comissões administrativas nomeadas pelo Governo. A nova Direcção, votada pela esmagadora maioria dos estudantes eleitores, tentava, deste modo, reivindicar diversas reformas e, ao mesmo tempo, testar a boa-vontade e o “liberalismo” propalado pelo próprio Marcelo Caetano…
Mas a sessão foi apressadamente encerrada sem dar aso a Alberto Martins de ler a mensagem da Academia. Perante a saída precipitada das autoridades, a indignação das centenas de estudantes presentes brindou-as com a maior assuada de que há memória contra membros do Governo. É claro que a nova face “liberal” do “Estado Novo” não correspondia aos seus propósitos e tal humilhação não podia ser tolerada… Nessa mesma noite o Presidente da AAC foi preso pela polícia política e, de madrugada, tinha lugar a primeira e violentíssima carga da polícia de choque contra os estudantes que se tinham concentrado em frente do edifício da PIDE-DGS, esperando conhecer a situação do seu Presidente.
O que aconteceu depois, pertence já à História. A greve às aulas, continuada com a greve aos exames, atingindo os mais altos valores de adesão jamais atingidos; as ameaças torvas de José Hermano Saraiva garantindo, na Televisão, que a ordem seria mantida; a solidariedade da população de Coimbra perante as brutais cargas policiais — de que o mesmo senhor negava, mais tarde, a existência! —; a prisão de mais de duzentos estudantes, o corte de bolsas de estudo, a expulsão de casas académicas oficiais, as acusações de “comunismo” contra os representantes dos estudantes; a antecipada incorporação no serviço militar de muitos dos dirigentes académicos, tudo o que, no fim de contas, sempre caracterizou os fascismos…
Ironicamente, ao chamar para as fileiras, como “castigo”, algumas centenas de jovens universitários, quase todos dirigentes estudantis, o Governo deu autêntico “tiro no pé”. A influência destes jovens oficiais milicianos junto dos oficiais do quadro das Forças Armadas viria a frutificar na revolta que originou o abortado levantamento do Regimento das Caldas da Rainha, em 16 de Março, e o vitorioso 25 de Abril de 1974!
É pois mais uma oportunidade para relembrar a quem já quase esqueceu, e de dar a conhecer às jovens gerações, tão trivializadas em relação às suas obrigações cívicas e culturais, o papel da Academia de Coimbra no derrube do “Estado Novo”. Inspirado, como todos os movimentos estudantis da época, na revolta estudantil de Maio de 1968, o movimento conimbricense de 17 de Abril enfrentou com êxito condições muito mais adversas do que as que os estudantes franceses conheceram e contribuiu poderosamente para a verdadeira revolução cultural que transformou este nosso país patriarcal e retrógrado numa nação do século XX.
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