Portugal e a Catalunha,
de 1640 a 2017
Carlos Rodarte Veloso
(“O Templário”, 28 de Setembro de
2017)
No próximo dia 1 de Outubro, dois sufrágios de muito diferente
natureza vão ter lugar em Portugal e na Catalunha: por cá, as eleições autárquicas,
dentro do quadro constitucional português, plenas de tensões mas “normais”, por
muito que essa “normalidade” enferme de uma série de comportamentos menos
correctos em termos democráticos, entre os quais avultam a demagogia e o
oportunismo de uma Direita ressabiada e cada vez mais temerosa dos resultados
da consulta popular. Lá, na Catalunha indómita, um referendo cuja dramatização
e repressão pelo governo central de Madrid, de dia para dia mais impossibilita
qualquer acordo, qualquer negociação de uma independência ou de qualquer
solução intermédia que pacifique aquela Região que há séculos quer voltar a um
ser um Estado independente.
Portugal tem uma dívida de gratidão e de solidariedade para
com a Catalunha que em 7 de Junho de 1640 se revoltou contra a hegemonia
castelhana e, ao pegar em armas, desviou de Portugal as forças que sem dúvida
teriam mantido a opressão de Madrid sobre o nosso velho país. Foi o momento
oportuno para a Restauração da Independência efectivada em 1 de Dezembro desse
ano e os 19 anos que durou a rebelião catalã possibilitaram a organização de um
exército nacional, a expulsão das colónias dos invasores estrangeiros, os
necessários acordos diplomáticos com as potências anteriormente nossas inimigas
e a preparação para a longa Guerra da Restauração.
Elvas, Castelo Rodrigo e Montes Claros são, entre outras, as
vitórias mais expressivas do exército português e que levaram à assinatura do
tratado de paz com a Espanha em 1668. David tinha, mais uma vez, vencido Golias
e Portugal reiniciava o seu percurso independente numa Espanha multinacional
sempre temerosa das forças centrífugas que ameaçavam a hegemonia de Castela.
Neste ano de 2017, depois de várias anteriores tentativas de
consulta popular, a Catalunha avança com a preparação de um referendo cuja
aceitação popular representará a sua separação do colosso ibérico e a vitória
de um novo regime político, a República.
As objecções do governo central de Madrid residem na pretensa
inconstitucionalidade do dito referendo e a prisão de governantes autonómicos,
a apreensão dos boletins de voto e a repressão nas ruas pela Guardia Civil
representam uma velha atitude que ressuscita as lutas de 1640.
É evidente que o medo essencial da Rajoy e, decerto, de
Filipe VI, reside no possível efeito de dominó que poderá acompanhar a
independência da Catalunha: o País Basco, a Galiza e, possivelmente, outras
comunidades autónomas poderão acompanhar este movimento, tornado irreversível.
E não é a economia de Castela que se notabiliza positivamente no quadro
“espanhol”...
Por isso, o dia 1 de Outubro será um dia de luta para o povo
da Catalunha. Oxalá seja uma luta vitoriosa, assente no reconhecimento pelo
governo espanhol do direito inalienável de todos os povos à autodeterminação e
de que seja afastada qualquer manifestação de força. Isso implica um regresso
ao diálogo entre as partes envolvidas.
Isso implica que a Espanha regresse à Democracia plena de que
aparentemente se desviou nas últimas acções contra os independentistas ou,
simplesmente, contra uma consulta popular de que devia ser parte
interessada. Para que a História não se repita!