BELAS-ARTES E ARTES
APLICADAS,
A FALSA HIERARQUIA DO GOSTO
Carlos Rodarte Veloso
(“O Templário”, 19 de Outubro de
2017)
Só a partir do Renascimento surge, dentro das concepções de
gosto artístico, a oposição entre Belas-Artes, que englobam a Arquitectura, a
Escultura e a Pintura, e as Artes Aplicadas, também chamadas Ornamentais ou
Decorativas, que abrangem todas as restantes artes, da Ourivesaria ao
Mobiliário, da Talha ao Azulejo.
É bem verdade que já na Antiguidade Clássica os grandes
artistas produziram obras de tal forma
apreciadas pelos seus contemporâneos, que estes foram equiparados às grandes
figuras da cultura universal. Como é óbvio, sem o conhecimento dos seus nomes,
as obras ficavam relegadas ao estatuto de “anónimas”, o que acabava por
diminuir a sua importância.
O nome de Fídias, escultor do Parténon de Atenas, ficou para
a História como o mais “divino” dos artistas e assim também os seus seguidores
como Policleto, Lisipo e Praxíteles na Escultura, Ictino e Polícrates na Arquitectura,
Exéquias e Eutímedes na Pintura, embora apenas na decoração de vasos, pois
frescos e outras obras de pintura sobre grande superfícies não chegaram até nós.
A inferiorização dos valores estéticos humanistas durante a
Idade Média, quando a Igreja católica
diaboliza o corpo humano como nada menos do que uma “porta do pecado”, relega
todos os artistas para a condição, tida como inferior, de simples artesãos, não
havendo diferença entre um pintor de barcos ou de paredes e um pintor de
frescos ou de retábulos.
A revalorização do corpo humano como objecto estético e,
associado ao antropocentrismo renascentista, o principal objectivo de toda a
Arte surge, como acima afirmei, com o Renascimento artístico, quando os
“simples artífices”, associados em corporações, ganham vulto entre os seus
pares e são protegidos por mecenas, embora o seu estatuto os mantenha num nível
pouco superior ao da servidão
É com o reconhecimento social de artistas como Leonardo da
Vinci, Miguel Ângelo e Rafael, disputados por grandes senhores e por papas, que
as suas obras ganham a preponderância que viria a destacá-las em relação às
“outras” artes.
Estas não são propriamente “pobres”, como se deduz facilmente
do suporte material da Ourivesaria e da Joalharia, o mais valioso, mas também
da Talha dourada, revestida a folha de ouro, ou o Mobiliário riquíssimo dos
séculos XVII em diante, e a Porcelana importada da China e depois produzida na
Europa, paga a preço de ouro.
Por outro lado, a mestria exigida aos artistas das Artes
Aplicadas é muitas vezes tão exigente como a dos melhores pintores, escultores
e arquitectos. Aliás, a associação de todas estas Artes confere-lhes um papel
globalmente uno, como acontece com a obra de arte global que representam
edifícios barrocos como o Palácio de Versalhes, a Basílica de S. Pedro de Roma
ou o Convento de Mafra onde, não o esqueçamos, outras Artes não plásticas se
evidenciaram majestosamente, especialmente a Música.
No entanto e à parte estas considerações, o termo estava
consolidade e as Belas-Artes passaram a gozar de um estatuto de superioridade
que se reflecte nas exposições e respectivos catálogos em Museus de todo o
mundo, nos leilões e no senso comum.
Sendo assim, considero que o reconhecimento das Artes
Aplicadas como equiparáveis às Belas-Artes mais não é do que a prestação da
justiça mais elementar à qualidade e à beleza de obras de arte que revestem
paredes e tectos, os pavimentos, portas e janelas, os vastos espaços de
igrejas, palácios, teatros e outros edifícios públicos em Portugal e em todo o
mundo.
Por falar em Portugal, o estudo do nosso Património artístico
é indissociável do estudo e valorização da Talha, do Azulejo, do Vitral, dos
Estuques e Embrechados – ainda escassamente estudados – da Faiança e da
Porcelana, dos Marfins, do Mobiliário, da Tapeçaria, Paramentaria, Tecidos e
Bordados, e da própria Iluminura, arte intermédia entra a Pintura e a
Caligrafia, que produziu algumas das mais belas obras da Idade Média.
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