quarta-feira, 4 de outubro de 2017


RAJOY, O NOVO "CAUDILLO" DA ESPANHA

Carlos Rodarte Veloso

(“O Templário”, 5 de Outubro de 2017)

No passado dia 1 de Outubro, três países ibéricos puseram em prática os mecanismos políticos da participação popular. Três países?! Eu explico.
De Portugal já sabemos: a esperada e esmagadora vitória do Governo e a triste actuação do PSD e do seu ainda líder, Passos Coelho, reconhecendo a derrota com o seu neurónio semi-activo e hesitando na desistência com o outro, um tanto deficiente... Por outro lado, a alegada vitória de uma Assunção Cristas bastante mais espevitada do que o mais elementar bem-senso autorizaria, embandeirando em arco com a claríssima transfusão dos votos do PSD para o seu pequeno partido, que continua a ser um pequeno partido por muitos saltos que ela e os seus jovens apoiantes dêem, por muita gritaria com que tentem disfarçar o enorme vazio desse “sucesso”... Mas a comunicaçãozinha social da Direita apoia essa ficção, “logo existe”!
Os dois restantes países são a Espanha e a Catalunha, a primeira parece que esquecida momentaneamente da Democracia aí instaurada após a morte do “Caudillo”, o sanguinário ditador, o Generalíssimo Franco, esquecida dos cravos rubros herdados do Portugal de Abril, regressando à violência pela mão do seu primeiro ministro, o tresloucado Mariano Rajoy, disposto a considerar todo um povo como criminoso. Um pequeno político  infectado pelo vírus do autoritarismo, repetindo em nome da “legalidade constitucional” as lições dos ditadores dos anos trinta do século XX. Para ele, tal como para Franco, tudo é permitido em nome de uma “Espanha una, grande e livre”, até as cargas da Guardia Civil contra uma população indefesa, balas de borracha, a mais selvagem repressão que não poupou sequer idosos, mulheres e crianças. Mais de oitocentos feridos parece ser um preço demasiado alto para proclamar a “grandeza da Espanha”. E o que mais virá, pois as cenas ocorridas na Catalunha do Primeiro de Outubro são a vergonha de um país dito civilizado, enquanto a União Europeia se alheia em parte deste “susto”, reconhecido como muito grave por muitos dos seus dirigentes, e a ONU, honra lhe seja feita, exige um diálogo entre as partes, que Madrid nem sequer teve em consideração.
O outro país, a Catalunha, resgatada pela sua coragem da subalternidade de “região autónoma” ao enfrentar pacificamente, de peito descoberto, a repressão das “forças de ocupação” de Castela, mobilizadas para evitar a todo o custo o referendo que o seu povo deseja há tão longos anos. O referendo que, embora algo ferido na sua legalidade pela destruição de muitos boletins de voto – não decerto devido à declaração de “inconstitucionalidade” com que Rajoy o crismou – o encerramento dos locais de votação, a repressão mais sangrenta, conquistou mais de dois milhões de votantes e ganhou o direito de se autoproclamar um Estado independente e Republicano, pela voz do seu Presidente do Governo, Puigdemont, que para isso aguarda apenas o resultado da contagem dos votos.

Assim vai a Península Ibérica, a “Jangada de Pedra”, como José Saramago lhe chamou num dos seus momentos mais brilhantes de inspiração. Mas não tenham ilusões os aprendizes de ditador: o milhão de mortos de uma guerra civil que terminou há quase 80 anos e preparou uma outra guerra, ainda mais terrível, a segunda mundial, serão – parece-me – suficientemente trágicos e assustadores, para que uma réstea de esperança subsista acima do nacionalismo desenfreado de um “Arriba España” que parece estar no espírito deste galego tão arrogantemente castelhano que domina o governo de Madrid.

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