ARTE E PROPAGANDA NOS
SÉCULOS XX E XXI
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 23 de Novembro de 2017
A utilização da Arte na Propaganda
sócio-política e religiosa sofre uma autêntica explosão ao longo de todo o
século XX através do recurso às novas artes e técnicas nascidas desde o século
anterior e aplicadas também à irmã gémea da Propaganda, a Publicidade, isto é,
a promoção de produtos comerciais em vez de valores ideológicos, governantes ou
instituições.
A Fotografia, o Cinema, a Rádio, a
Televisão, o desenvolvimento do Design, a Psicologia e a Psiquiatria e,
recentemente, as novas técnicas de Informação criadas pela Internet, vão sendo
gradualmente incorporadas na mensagem ideológica dos diversos Estados no
sentido da sua aceitação, tanto na ordem interna como ao nível internacional.
Estas novas técnicas tornam-se de tal
modo avassaladoras, que a competição internacional conduz ao desenvolvimento dos
métodos de contra-informação que, sendo já identificados desde a Antiguidade,
se tornam a regra universal num mundo cada vez mais globalizado.
Embora seja nos regimes mais
autoritários que estas práticas se desenvolvem de um modo mais evidente,
recorrendo às velhas “receitas” repressivas, inclusivamente ao uso da tortura e
do extermínio puro e simples, também nos regimes democráticos se procura captar
as respectivas populações para a adesão a medidas impopulares ou de difícil
aceitação, como o recrutamento militar para as muitas guerras que ensombraram o
mundo contemporâneo ou para as causas ditas fracturantes que o progresso impõe.
Todo o século XX e este início do XXI
viveram no fio da navalha face às ameaças à paz mundial associadas à difusão de
armas de destruição maciça, e as duas guerras mundiais incentivaram um cada vez
maior uso dos mais imorais métodos de arrebanhamento das massas em ordem a
projectos ditatoriais.
Para o conseguir mantém-se o recurso
às diversas Artes tradicionais, das Belas-Artes às Artes Aplicadas dando-se,
dentro destas, um lugar muito especial às Artes Gráficas, associadas à
crescente difusão da Imprensa escrita. Limitar-me-ei assim à referência a essas
artes tradicionais, na sequência do anterior artigo englobando os séculos
anteriores.
Entre os anos 20 e 30 do século XX
desenvolveram-se na Europa diversos regimes ditatoriais, em parte como resposta
às graves consequências económicas e sociais da 1ª Guerra Mundial, nomeadamente
a Revolução bolchevique de 1917, agravadas pela crise económica de 1929.
Sucessivamente, diversos países
enveredaram por formas totalitárias de governo, sendo a Itália de Mussolini em
1922 o primeiro exemplo de governo fascista que rapidamente se expandiu para
Portugal (1926), para a Alemanha (1933) e a Espanha (1939), e daí para outros
estados europeus.
As Artes visuais foram, em consonância
com os valores ideológicos defendidos pelos respectivos regimes, uma das armas
de propaganda preferidas, apesar da poderosa concorrência do Cinema e de outras
técnicas entretanto surgidas.
A glorificação das diversas nações
governadas por regimes autoritários como destinadas a uma futuro grandioso, em
boa parte à custa das minorias religiosas ou étnicas aí residentes, ou das
riquezas das colónias que possuíam ou de que tentavam apoderar-se, tiveram o
seu eco na Arte, sendo as poderosas
comissões de censura o mecanismo utilizado para a direccionar para os
objectivos políticos pretendidos.
Esta arte propagandística procurou
representar as virtudes raciais da população dominante, nomeadamente a coragem,
a inteligência, a competência profissional e científica, os valores estéticos,
a obediência ao Estado, o nacionalismo e, até, no caso do Portugal de Salazar,
o valor da humildade e da pobreza, e dos valores ruralistas de que a canção de
Amália Rodrigues, “Uma Casa Portuguesa” é quase um resumo.
Do mesmo modo a obra gráfica chamada
“A Lição de Salazar”, cartazes de propaganda do regime, não por acaso editados
pelo Secretariado da Propaganda Nacional (S.P.N.), tem a sua mais significativa
expressão no cartaz “Deus, Pátria, Família” (fig.1) do prestigiado pintor
Martins Barata, que deixou obra na mais consagrada realização do “Estado Novo”,
a “Exposição do Mundo Português” realizada em 1940, ela própria o ponto cimeiro
da propaganda salazarista.
Fig.1 |
Neste cartaz enaltecem-se os valores rurais, o
domínio familiar do patriarca, a militarização da juventude na “Mocidade
Portuguesa”, a subalternização da Mulher e das filhas, e a “pobreza honrada” da
esmagadora percentagem da população.
No entanto, foi sob o regime nazi,
pela mão de Joseph Goebbels, seu ministro da Propaganda, que a Arte de
vanguarda mundial foi perseguida de uma forma especialmente feroz, chegando ao
ponto de organizar uma “Exibição de Arte Degenerada”, em Munique, no ano de
1938 advogando, contra todos os “modernismos”, uma arte figurativa e académica
destinada a exaltar a beleza e virtudes dos Arianos (fig.2) e a promover os
líderes nazis.
Fig.2 |
Também a Rádio e o Cinema mereceram especial favor deste
indefectível apoiante de Hitler, um dos mais mais anti-semitas dos seus
colaboradores, também famoso por defender que “uma mentira repetida mil vezes
torna-se verdade”, a base de toda a propaganda política, no seu pior.
Curiosamente, o regime por excelência
nos antípodas do fascismo, o Comunismo bolchevique triunfante na União
Soviética, depois de uma fase inicial de vanguarda face à evolução das
diversas Artes no Mundo, vai acabar por enveredar por um retrocesso às formas
mais conservadores, através do “Realismo Socialista”, destinado a glorificar o
povo russo, os seus governantes e a Mãe-Pátria soviética, muito em consonância
com a arte política dos nazis. Aqui é exaltado o seu heroísmo, tanto na guerra
civil contra os contra-revolucionários como na 2ª Guerra Mundial contra os
nazis. Do mesmo modo são exaltados os valores operários e camponeses, muito em
contradição com a política estalinista fortemente repressiva do campesinato
(fig.3).
Fig.3 |
O “Realismo Socialista” denota
demasiadas convergências com a arte pró-ariana dos nazis, pelo menos ao nível
formal, não só na pintura e escultura, mas na arquitectura monumental que ambas
cultivaram. Do mesmo modo embarca num “culto da personalidade” relativamente a
Lenine e, muito especialmente, a Estaline, muito ao jeito da arte alemã
empenhada no culto de Hitler.
Esta tendência para a glorificação e o
culto de personalidade de governantes totalitários vai prosseguir nos regimes
comunistas do mundo, mormente na China de Mao Tsé Tung e na Coreia do Norte de Kim Jong-un, para não citar dezenas de dirigentes
alinhados com estas controversas figuras e muitos outros das mais diversas
tendências neo-fascistas, neo-nazis e populistas de todo o género.
Ponto comum, a
manipulação dos factos e da própria História, o controlo pela censura de toda a
Comunicação, da Literatura e da Arte, da livre expressão do pensamento, dos
mais elementares direitos humanos e a sua ocultação através da pesada cortina
de fumo da propaganda.