quinta-feira, 23 de novembro de 2017


ARTE E PROPAGANDA NOS

 SÉCULOS XX E XXI

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 23 de Novembro de 2017

A utilização da Arte na Propaganda sócio-política e religiosa sofre uma autêntica explosão ao longo de todo o século XX através do recurso às novas artes e técnicas nascidas desde o século anterior e aplicadas também à irmã gémea da Propaganda, a Publicidade, isto é, a promoção de produtos comerciais em vez de valores ideológicos, governantes ou instituições.
A Fotografia, o Cinema, a Rádio, a Televisão, o desenvolvimento do Design, a Psicologia e a Psiquiatria e, recentemente, as novas técnicas de Informação criadas pela Internet, vão sendo gradualmente incorporadas na mensagem ideológica dos diversos Estados no sentido da sua aceitação, tanto na ordem interna como ao nível internacional.
Estas novas técnicas tornam-se de tal modo avassaladoras, que a competição internacional conduz ao desenvolvimento dos métodos de contra-informação que, sendo já identificados desde a Antiguidade, se tornam a regra universal num mundo cada vez mais globalizado.
Embora seja nos regimes mais autoritários que estas práticas se desenvolvem de um modo mais evidente, recorrendo às velhas “receitas” repressivas, inclusivamente ao uso da tortura e do extermínio puro e simples, também nos regimes democráticos se procura captar as respectivas populações para a adesão a medidas impopulares ou de difícil aceitação, como o recrutamento militar para as muitas guerras que ensombraram o mundo contemporâneo ou para as causas ditas fracturantes que o progresso impõe.
Todo o século XX e este início do XXI viveram no fio da navalha face às ameaças à paz mundial associadas à difusão de armas de destruição maciça, e as duas guerras mundiais incentivaram um cada vez maior uso dos mais imorais métodos de arrebanhamento das massas em ordem a projectos ditatoriais.
Para o conseguir mantém-se o recurso às diversas Artes tradicionais, das Belas-Artes às Artes Aplicadas dando-se, dentro destas, um lugar muito especial às Artes Gráficas, associadas à crescente difusão da Imprensa escrita. Limitar-me-ei assim à referência a essas artes tradicionais, na sequência do anterior artigo englobando os séculos anteriores.
Entre os anos 20 e 30 do século XX desenvolveram-se na Europa diversos regimes ditatoriais, em parte como resposta às graves consequências económicas e sociais da 1ª Guerra Mundial, nomeadamente a Revolução bolchevique de 1917, agravadas pela crise económica de 1929.
Sucessivamente, diversos países enveredaram por formas totalitárias de governo, sendo a Itália de Mussolini em 1922 o primeiro exemplo de governo fascista que rapidamente se expandiu para Portugal (1926), para a Alemanha (1933) e a Espanha (1939), e daí para outros estados europeus.
As Artes visuais foram, em consonância com os valores ideológicos defendidos pelos respectivos regimes, uma das armas de propaganda preferidas, apesar da poderosa concorrência do Cinema e de outras técnicas entretanto surgidas.
A glorificação das diversas nações governadas por regimes autoritários como destinadas a uma futuro grandioso, em boa parte à custa das minorias religiosas ou étnicas aí residentes, ou das riquezas das colónias que possuíam ou de que tentavam apoderar-se, tiveram o seu  eco na Arte, sendo as poderosas comissões de censura o mecanismo utilizado para a direccionar para os objectivos políticos pretendidos.
Esta arte propagandística procurou representar as virtudes raciais da população dominante, nomeadamente a coragem, a inteligência, a competência profissional e científica, os valores estéticos, a obediência ao Estado, o nacionalismo e, até, no caso do Portugal de Salazar, o valor da humildade e da pobreza, e dos valores ruralistas de que a canção de Amália Rodrigues, “Uma Casa Portuguesa” é quase um resumo.
Do mesmo modo a obra gráfica chamada “A Lição de Salazar”, cartazes de propaganda do regime, não por acaso editados pelo Secretariado da Propaganda Nacional (S.P.N.), tem a sua mais significativa expressão no cartaz “Deus, Pátria, Família” (fig.1) do prestigiado pintor Martins Barata, que deixou obra na mais consagrada realização do “Estado Novo”, a “Exposição do Mundo Português” realizada em 1940, ela própria o ponto cimeiro da propaganda salazarista.

Fig.1
 Neste cartaz enaltecem-se os valores rurais, o domínio familiar do patriarca, a militarização da juventude na “Mocidade Portuguesa”, a subalternização da Mulher e das filhas, e a “pobreza honrada” da esmagadora percentagem da população.
No entanto, foi sob o regime nazi, pela mão de Joseph Goebbels, seu ministro da Propaganda, que a Arte de vanguarda mundial foi perseguida de uma forma especialmente feroz, chegando ao ponto de organizar uma “Exibição de Arte Degenerada”, em Munique, no ano de 1938 advogando, contra todos os “modernismos”, uma arte figurativa e académica destinada a exaltar a beleza e virtudes dos Arianos (fig.2) e a promover os líderes nazis.

Fig.2
Também a Rádio e o Cinema mereceram especial favor deste indefectível apoiante de Hitler, um dos mais mais anti-semitas dos seus colaboradores, também famoso por defender que “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, a base de toda a propaganda política, no seu pior.
Curiosamente, o regime por excelência nos antípodas do fascismo, o Comunismo bolchevique triunfante na União Soviética, depois de uma fase inicial de vanguarda face à evolução das diversas Artes no Mundo, vai acabar por enveredar por um retrocesso às formas mais conservadores, através do “Realismo Socialista”, destinado a glorificar o povo russo, os seus governantes e a Mãe-Pátria soviética, muito em consonância com a arte política dos nazis. Aqui é exaltado o seu heroísmo, tanto na guerra civil contra os contra-revolucionários como na 2ª Guerra Mundial contra os nazis. Do mesmo modo são exaltados os valores operários e camponeses, muito em contradição com a política estalinista fortemente repressiva do campesinato (fig.3).

Fig.3

O “Realismo Socialista” denota demasiadas convergências com a arte pró-ariana dos nazis, pelo menos ao nível formal, não só na pintura e escultura, mas na arquitectura monumental que ambas cultivaram. Do mesmo modo embarca num “culto da personalidade” relativamente a Lenine e, muito especialmente, a Estaline, muito ao jeito da arte alemã empenhada no culto de Hitler.
Esta tendência para a glorificação e o culto de personalidade de governantes totalitários vai prosseguir nos regimes comunistas do mundo, mormente na China de Mao Tsé Tung e na Coreia do Norte de Kim Jong-un, para não citar dezenas de dirigentes alinhados com estas controversas figuras e muitos outros das mais diversas tendências neo-fascistas, neo-nazis e populistas de todo o género.

Ponto comum, a manipulação dos factos e da própria História, o controlo pela censura de toda a Comunicação, da Literatura e da Arte, da livre expressão do pensamento, dos mais elementares direitos humanos e a sua ocultação através da pesada cortina de fumo da propaganda.






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