ARTE E PODER
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 9 de Novembro de 2017
Uma das mais
reiteradas utilizações da Arte, mesmo que sob a capa da estética pura e
simples, foi a sua aplicação às manifestações de poder, fosse ele político ou
religioso, o que, em termos históricos, geralmente coincidiu.
Das armas cerimoniais,
mesmo letais, destinadas apenas à exibição de um poder possuído por poucos, à
construção de tronos, já correspondentes ao poder de um só, assim elevado a um
nível superior ao dos seus súbditos, esses mesmos objectos tiveram equivalente
nas armas de uso comum, assim acessíveis ao comum dos mortais, enquanto que os
tronos se foram muito gradualmente vulgarizando até darem origem à peça de
mobiliário que conhecemos como cadeiras.
Entre estes dois casos
essa equivalência não é total: as armas dos comuns mortais antecederam a sua
nobilitação através de uma decoração que quase as inutilizava como instrumento
de morte. Os famosos propulsores paleolíticos,
Propulsor paleolítico |
destinados a multiplicar a
potência do braço humano no arremesso de projécteis, são um caso muito evidente
dessa reconversão, sendo evidente que os mais elaborados artisticamente seriam
decerto objectos de prestígio embora pouco funcionais nos termos tradicionais. Do
mesmo modo os ceptros, espadas cerimoniais, coroas e afins não escondem a sua primitiva
finalidade, possivelmente cacetes e outras armas contundentes, espadas comuns
ou capacetes de guerra.
Inversamente, os
tronos não correspondem a objectos preexistentes, dado que, como está
documentado abundantemente através da iconografia, as primeiras civilizações
não se sentavam em cadeiras ou bancos, mas no chão, na melhor das hipóteses
sobre esteiras, tapetes ou cochins. O trono só muito mais tarde é vulgarizado como
“móvel de sentar”, isto é, cadeira, especialmente nas culturas europeias.
O trono, documentado
na Suméria através das famosas estátuas do patesi (rei) Gudeia de Lagash (séc.
XXI a.C.),
O "Patesi" Gudeia de Lagash |
tem equivalentes no Egipto dos faraós e nas restantes civilizações
da Antiguidade. Na Idade-Média, o trono coexistia com diversos tipo de
assentos, apenas acessíveis aos escalões mais altos da hierarquia, situação que
se prolongou até ao fim do Absolutismo, já no século XVIII. Tem assim o trono
um lugar literalmente cimeiro na História do Mobiliário.
Também símbolos do
poder são as representações de certos animais especialmente associados à força
ou ao seu hipotético domínio sobre os restantes animais. Os casos mais
conhecidos são o Leão e a Águia, embora em diversas civilizações surja também o
Dragão e outros animais, reais ou imaginários.
Sendo o trono um
símbolo de poder, a maior altura que proporcionava a quem nele se sentava acaba
por ter um equivalente no “assento vivo” que os reis, nobres e altos clérigos
utilizavam, o cavalo. Por isso são tão importantes em termos da propaganda do
poder as estátuas equestres, que se multiplicaram por todo Império Romano a
coroar os arcos de triunfo, depois deles despojados pela necessidade do bronze
em que essa estatuária estava fundida, já na época de decadência e queda do
mesmo império.
Esse costume teve
depois expressão nos diversos países do mundo, como forma de glorificar reis e
heróis.
Estátua equestre de D. José de Machado de Castro |
Ao falar de
“propaganda do poder”, afloro outro tema para o qual a Arte foi convocada e é
ainda comum nas muitas culturas deste mundo global. A ele voltaremos.
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